A revolução de Giráldez

Ricardo LopesMaio 30, 20246min0

A revolução de Giráldez

Ricardo LopesMaio 30, 20246min0
Do desconhecido para a cadeira de sonho no Celta, Claudio Giráldez agarrou um Celta a definhar e salvou o clube da descida

Claudio Giráldez era um desconhecido para a maioria dos adeptos, no começo de 2023/24, mas hoje em dia ocorre precisamente o reverso. No último verão, o galego estava na equipa B do Celta de Vigo, que iria disputar a Primera RFEF, um dos campeonatos mais equilibrados da Europa. A sua passagem pela turma secundária fez parte de todo um processo natural, já que o mesmo começou a sua etapa como treinador no Gran Peña, uma filial do Celta, acabando por em 2021/22 orientar os juniores do clube de Vigo. No fundo, Claudio Girález acompanhou uma geração de jogadores, conseguindo tirar o máximo dos mesmos.

O seu nome começou a surgir com mais ênfase (em Espanha, claro está), quando foi apontado como o futuro técnico do Levante, que despedira Javier Calleja já na segunda metade de 2023/24. Inclusivamente, Claudio Girález terá que indemnizar a turma do Ciutat de Valencia, porque existia um pré-acordo entre as duas partes. O Levante, perdeu a sua grande oportunidade de contratar um timoneiro promissor e com ideias positivas e a culpa é de Rafa Benítez. Contudo, voltemos ao verão de 2023, para entendermos o caso.

 

O Celta de Vigo estava a cumprir 100 anos e tinha grandes planos. O plantel era competente, que com uma ou duas contratações chegaria para lutar pelo top 10 da La Liga, sem qualquer tipo de problema. Contudo, falta um novo treinador. A direção optou por não continuar com Carlos Carvalhal, que ficou um pouco aquém das expectativas e quis fechar com um nome forte. Rafa Benítez foi o eleito. Aos 64 anos, com um palmarés recheado, o espanhol até nem contava com uma ligação à Galiza, mas o seu currículo convenceu Carlos Mouriño (foi o último técnico que contratou), sendo que o próprio projeto atraiu o madrileno, que afirmou ter mais de 20 ofertas em carteira.

Em resumo, uma data especial, um treinador conceituado, um plantel de qualidade, um estádio a tornar-se de topo. O único ponto negativo foi a saída de Gabri Veiga para o Al Ahli, mas tudo o resto parecia sorridente. Não podíamos estar mais enganados.  Talvez por ser um nome forte dentro do futebol espanhol, poucos anteviram o fracasso que Rafa Benítez seria. Foram apenas nove vitórias em 33 jogos, com a despedida a ser feita em março, depois de uma goleada por quatro bolas a zero, frente ao Real Madrid. A equipa estava a render muito poucos e nem Iago Aspas se conseguia sobressair. A cantera pouco ou nada era aproveitada. No fundo, tratava-se de uma equipa sem qualquer identidade, que jogava um futebol algo aborrecido, apesar do fator sorte ter estado longe dos Balaídos, pelo menos no princípio da época. No entanto, o azar não pode justificar tudo e o Celta de Vigo corria um sério risco de descida de divisão, com 24 pontos conquistados em 28 jornadas. As últimas 10 teriam que ser absolutamente perfeitas, de modo a que o fantasma da despromoção desaparecesse. E é neste momento que o Levante perde o seu futuro treinador.

 

Marián Mouriño, filha de Carlos Mouriño assumiu o cargo de presidente em dezembro de 2023 e decidiu apostar em Claudio Giráldez. O tiro não podia ser mais certeiro. Nos 10 desafios que faltavam, cinco foram vitórias, dois empates e somente três derrotas, alcançando 17 pontos. Os celestes terminaram a La Liga num razoável décimo terceiro posto, com 41 pontos, alcançando o objetivo mínimo, embora o plantel desse para algo mais.

Contudo não é apenas no contexto dos resultados que vemos as melhorias que Claudio Giráldez impôs no Celta de Vigo. A parte tática foi importante, colocando uma defesa composta por três centrais como o começo de tudo e num bloco bastante alto, aplicando um futebol de ataque, com bastante posse e positivo, não existindo espaço para construções malfeitas ou realizadas de uma maneira unicamente horizontal.  De facto, o ter a bola foi fundamental para o Celta de Vigo, algo que não existia tanto com Benítez, que queria algo mais direto e arcaico. Mesmo a ganhar, os galegos não cediam a posse ao oponente, o que levava a uma segurança ainda maior. A utilização dos alas como extremos, fez com que a turma de Giráldez tivesse mais dois homens no momento de ataque, a fazer lembrar o Sporting de Rúben Amorim, com Nuno Santos. De resto, o 3-4-3 aplicado pelos dois tem as suas semelhanças.

 

Claudio Giráldez também fez uma pequena revolução no plantel, com a subida de jovens promessas ao plantel, não tendo receito em apostar neles no onze inicial, inclusivamente. No fundo, eram eles que conheciam melhor as suas ideias e que tinham crescido de mãos dadas com o técnico, durante os últimos anos. Não é de estranhar a titularidade absoluta de Hugo Álvarez, quer no carril direito, quer no esquerdo, jogando também atrás do avançado. Hugo Sotelo e Damián Rodríguez assumiram-se como peças importantes no meio campo. Carlos Domínguez, apesar de “já” ter 23 anos, também cresceu nas mãos de Claudio Giráldez e demonstra ser um central moderno, cujo o facto de ser esquerdino pode ajudar no primeiro momento de construção.

 

Os adeptos adoraram a promoção do treinador galego, que deu uma identidade ao clube, além de estar a apostar n’A Madroa, sem qualquer tipo de receio. A nível de planeamento de 2024/25, isto dá igualmente outra perspetiva. O Celta de Vigo possivelmente terá que vender provavelmente um jogador, encontrando-se Strand Larsen na pole position, mas a revolução que se antevia em fevereiro ou março, não terá que ser feita. É certo que são necessários dois ou três reforços, mas há elementos que podem ser aproveitados, como os casos de José Fontán (grande época no Cartagena de Julián Calero, futuro técnico do Levante), Sergio Carreira (já foi considerado um dos laterais mais promissores de Espanha) e Julen Lobete (um dos poucos pontos positivos de um Andorra que desceu à Primera RFEF). Claudio Girález também não terá receito em testar alguns jovens da cantera como Javi Rodríguez, Raúl Blanco ou Fer López.

Em suma, Claudio Girález foi um dos poucos treinadores que entrou a meio da época na La Liga e que teve sucesso. Para isso, teve de acreditar nas suas convicções e em quem conhecia, rompendo totalmente com o estilo adotado anteriormente. Como consequência, perdeu um emprego na La Liga Hypermotion, mas ganhou um na La Liga, ainda para mais numa equipa que significa muito para ele. Como bonus track, será um técnico a seguir em 2024/25. Aos 38 anos de idade, pode estar aqui o próximo grande treinador espanhol, numa escola que está na moda e promete crescer ainda mais.


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