A tragédia grega galega de um Deportivo “doente” e em perigo pt.1

Ricardo LopesJunho 21, 202312min0

A tragédia grega galega de um Deportivo “doente” e em perigo pt.1

Ricardo LopesJunho 21, 202312min0
Carregado de problemas, sem solução à vista, o Deportivo vive dias tristes e Ricardo Lopes olha para os problemas do emblema galego neste artigo

O Deportivo de la Coruña é um dos históricos do nosso país vizinho. A equipa ganhou muita notoriedade nos anos 90, princípios dos anos 2000, chegando a vencer uma LaLiga (1999/2000), além de ter chegado a uma meia final europeia, na temporada de 2003/2004, ano em que o FC Porto arrebatou o troféu e eliminou a equipa da Galiza nas meias finais da competição. Porém, o trajeto do emblema do Riazor foi de orgulho, já que deixou para trás duas das melhores equipas italianas: Juventus e Milan. Podíamos até considerar que era uma época de ouro para os galegos, já que o Celta de Vigo chegara aos oitavos de final da competição. Duas equipas da mesma região autónoma espanhola a chegarem aos oitavos de final da mesma edição da Champions (sem ser a Comunidade Autónoma de Madrid) é algo de registo e de ficar na memória dos habitantes locais.

Apesar de tudo, os momentos atuais são bem diferentes do que se vivia na época. O Deportivo entrou numa espiral negativa e começou a cair com estrondo na estrutura do futebol espanhol. O Depor acabou por descer para o segundo escalão na temporada 2017/2018, aguentando no mesmo duas temporadas (uma delas conseguiu chegar ao play-off). Porém, em 2019/2020 a descida foi uma realidade. Um histórico gigantesco acabara de descer à recém-criada Primera RFEF, um dos campeonatos mais difíceis de se ultrapassar e o primeiro ano foi a prova disso, já que o Deportivo apenas ficou em segundo no Grupo A (somente o primeiro classificado sobe diretamente) e foi derrotado na final do play-off contra o Albacete, com um 1-2 após prolongamento. Os adeptos do Deportivo não queriam acreditar que seria mais um ano a defrontar a equipa B do Celta de Vigo em vez da A, assim como outros rivais sem o seu peso histórico e de aficionados.

Não deixou de ser inevitável colocar o Deportivo de la Coruña como um dos favoritos à edição que está agora a terminar da Primera RFEF. Peso histórico, treinador com qualidade e um plantel de luxo davam todas as indicações para uma subida direta, sem passar pelo pesadelo dos play-offs, com regras especiais que podem castigar quem não tem bons resultados nas classificações gerais. Uma equipa com Mackay na baliza, Lapeña a liderar a defesa, num meio campo com Olabe e Bergantiños e um ataque com Quiles, Zalazar e Saverio não poderia falhar. Foi um orçamento brutal aquele que o Depor gastou com o seu plantel esta temporada. A derrota era sinal de fracasso e de crise. Porém, a falta de dinheiro começou a notar-se mais cedo.

Recordar que o Deportivo é um clube totalmente dependente do ABANCA, banco espanhol com sede na Galiza, que salvou o emblema de fechar portas, já que era a sua entidade credora. Se o banco manda reduzir a massa salarial, é algo a que se tem de aceder sem hesitação. No final de 2022 ficou-se a saber que os blanquiazules teve um prejuízo de cerca de três milhões de euros, o que para uma equipa de terceiro escalão é algo dantesco. Uma das medidas foi ter de se reduzir o orçamento salarial do clube. Se o mesmo estava na altura nos três milhões e oitocentos mil euros, teria que haver uma redução de mais ou menos 600 mil euros. Recordar igualmente que em 2013, o Deportivo apresentou uma divída de 160 milhões de euros, que provocou o maior concurso de credores da história espanhola por uma sociedade anónima desportiva. Até 2022, quando o ABANCA passou a ser dona de 78% de dita sociedade já tinham passado cinco presidentes pelo clube, sem sucesso.

Apesar desta crise, o Deportivo conseguiu a grande contratação do mercado de inverno: Lucas Pérez regressou como um herói de filmes, com um salário irrisório, em comparação com o que ganhava em Cádiz. O jogador pagou a sua própria cláusula de rescisão para ajudar o seu emblema do coração a conseguir a promoção. Desde cedo se percebeu que o primeiro lugar não ia ser tarefa simples. O Alcorcón estava igualmente bem preparado e existiam outras equipas com condições de terminar a temporada com o primeiro posto.

 A duas jornadas do fim, com o Deportivo já consciente de que não iria conseguir o primeiro posto, foi contratado um novo treinador, para disputar os play-offs e as duas jornadas que restavam. Rúben de la Barrera, antigo treinador e fervoroso adepto do Depor foi o escolhido para dar o passo em frente, substituindo Óscar Cano, que apesar de bom treinador, nunca conseguiu retirar o melhor dos seus jogadores. Esta mudança foi sinal de que o clube cujo presidente é (ou era) Antonio Couceiro contratou quem fez com que o Depor ainda estivesse na Primera RFEF, já que Rúben de la Barrera era o treinador do Albacete em 2021/22, que deu o passaporte de regresso à La Liga Smartbank à equipa de Castilla la Mancha, pelos tais 1-2 após prolongamento, deixando o Depor no terror do terceiro escalão. De la Barrera fez o mínimo nos dois jogos da classificação geral, vencendo o Algeciras e empatando com o rival da região Pontevedra. Quem subiu diretamente foi o Ferrol, equipa da Galiza cujo orçamento é bem inferior ao Depor. O Ferrol pode ser considerada como a única equipa galega a ter um verdadeiro sucesso esta temporada, já que o Celta de Vigo foi um desastre e quase desceu e o Lugo não conseguiu a manutenção e fará companhia ao herculino (Pedro Munitis, histórico do futebol espanhol deverá assumir o cargo de treinador). O Depor ficou em quarto.

Quem está a ler esta texto já se apercebeu que o Deportivo, embora fosse o grande favorito, acabou por cair no play-off. Mas como é o Deportivo, obviamente que o fim foi muito mais dramático do que o normal, digno de uma telenovela. Não chegaram à final do play-off, mas as meias finais foram dolorosas para quem é adepto do clube e de visualização obrigatória para quem gosta de futebol. O adversário foi o Castellón e na primeira mão, no Riazor, o Depor ganhou o jogo por 1-0, estando em vantagem para o ambiente adverso no Castalia.

Ora na segunda mão, o Deportivo começou muito mal, estando a perder à meia hora por 2-0. Porém o jovem Yeremay e o histórico Lucas Pérez empataram a partida. Aos 90 minutos, os blanquiazules estavam classificados para a final. Mas precisamente aos 90 minutos Iago Indias fez o 3-2, levando a partida para prolongamento.

O extra tempo foi do céu ao inferno. Se na primeira parte, Kuki Zalazar fez o golo que garantia novamente o apuramento do Deportivo, no segundo tempo David Cubillas fez o tento para o Castellón, o 4-3 final. Cá em Portugal, o jogo teria ido a grandes penalidades, mas em Espanha não funciona assim, nem neste play-off nem em nenhum outro. O empate na eliminatória permitiu de facto a ida do jogo para os 120 minutos, mas apenas isso. Porquê? Como disse anteriormente, há regras complexas que beneficiam quem terminou melhor a classificação geral. Se o Deportivo foi quarto do Grupo A, o Castellón foi terceiro do Grupo B. Por ter terminado um lugar à frente qualificou-se para a final.

Se este final já é triste, o pior ainda está por vir. Porque perder um campeonato e uma subida é uma notícia grave, mas perder (praticamente) toda a estrutura é sinal que se terá de recomeçar quase tudo.

Rúben de la Barrera foi demitido, despedindo-se em lágrimas de todas as entrevistas que realizou, mostrando ser um adepto fiel e preocupado. O técnico disse o seguinte:

«Após o jogo, não tive qualquer contacto com o clube. Estava à espera de uma mensagem que tinha a ver com uma reunião algures esta semana para discutir o seguinte. Mas como já está nisto há muito tempo e já viveu todo o tipo de contextos e ambientes, era de esperar que houvesse mudanças na área desportiva. O clube estava a reunir-se com diferentes pessoas e eu percebi que assim seria. O clube falava com as pessoas e, em função do que entendia, comunicava-me antes de oficializar. Ontem, quando recebi o WhatsApp, pensei: ‘De certeza que já o têm e antes de o anunciar vão querer dar-me a conhecer a pessoa ou pessoas que vão chegar’, mas não foi assim».

Rúben de la Barrera confirmou que existia uma cláusula de rescisão caso a equipa não subisse de divisão. Apesar do amor ao clube, não estava claramente satisfeito:

«Um treinador numa estrutura de futebol é uma figura importante, mas não a mais importante. Tem de estar em sintonia com todas as pessoas que fazem parte de um clube de futebol, que, a priori, devem lutar pelo mesmo. Limito-me a treinar, a extrair o melhor do desempenho de cada um dos jogadores e, a partir daí, se os responsáveis me pedirem uma opinião sobre algo, darei o meu ponto de vista. Se isso não acontecer, não vou a casa deles dizer-lhes como é que as coisas estão. Se amanhã for diretor de futebol ou diretor desportivo, provavelmente, mas estou muito consciente do que sou».

O Deportivo ficou sem treinador, mas o mesmo não foi embora sozinho. Leia-se o comunicado publicado no dia 15 de junho:

«O presidente e todos os membros do Conselho de Administração do RC Deportivo decidiram demitir-se esta tarde. A decisão foi tomada com o objetivo de favorecer o processo de reestruturação do clube antes da nova época. Na sua última reunião, a Direção decidiu convocar uma Assembleia de Acionistas para 17 de julho, na qual será nomeada uma nova Direção. À frente do clube estará David Villasuso Castaño, na qualidade de mandatário geral.

A reestruturação incluirá a área desportiva. O atual treinador, Rubén de la Barrera, não estará à frente do RC Deportivo na próxima época. O RC Deportivo nega que vá incorporar qualquer um dos nomes teóricos que têm aparecido repetidamente nos meios de comunicação como candidatos a liderar a área desportiva. A decisão final será tomada nos próximos dias».

A partir deste dia, o Deportivo deixou de ter tanto treinador, como presidente, como estrutura diretiva, o que aumentou a crise a patamares que raramente vemos e quando os vemos é muito mau sinal para o clube. As redes sociais encheram-se de mensagens de apoio especialmente a Rúben de la Barrera e a Antonio Couceiro.

O Deportivo tem passado os últimos dias a contratar novos elementos para todos os setores, já que as demissões vieram de todos os lados, porque não saíram apenas De La Barrera ou Couceiro. A contestação contra o ABANCA é diária e se ela já existia ao longo dos últimos meses, a mesma aumentou drasticamente, com constantes mensagens referindo que o inimigo está dentro do clube.

Qual será o próximo passo? É esperar para ver.


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