Racismo, machismo e intolerância – o futebol vai se libertar disso?
A máxima que diz que “o futebol reflete a sociedade” é verdadeira? Enquanto a Humanidade caminha num sentido, o desporto-rei parece ir na contramão em algumas questões.
O futebol é um ambiente machista, que enaltece a virilidade masculina e não dá espaço para a diversidade. Além disso, o racismo e a intolerância imperam dentro e fora dos relvados, e não deixa espaço para jogadores, treinadores, profissionais da imprensa e demais atores deste cenário.
A Globoplay recentemente publicou um podcast, chamado “Nos Armários dos Vestiários”, no qual abordou brilhantemente estas questões. Esse texto se baseia no material do podcast, que eu recomendo bastante para quem quiser se aprofundar no assunto.
No tocante à homossexualidade, o problema é maior ainda. Não basta o profissional do futebol não ser LGBTQIAPN+. No universo do desporto-rei, os atores precisam ser contra esse movimento ou não demonstrarem nenhuma concordância com suas premissas, sob pena de perderem o emprego ou ficarem isolados em bolhas fora do ambiente futebolístico.
Árbitros, jogadores, técnicos, profissionais da imprensa, são inúmeras as pessoas que sofrem caladas diante do preconceito e da intolerância que imperam no meio do futebol. Sim, existem exceções e aos poucos estas tentam conquistar seus espaços, mas estamos longe de um ambiente de aceitação completa.
A pergunta que fica e para qual não há resposta é “em que medida a orientação sexual de uma pessoa pode prejudicá-la no seu dia a dia como atleta (ou como profissional do futebol em suas outras áreas)”? Por que a intolerância ainda precisa ser discutida, quando estamos prestes a entrar no segundo quarto do século XXI?
Futebol feminino – um oásis no deserto?
No futebol feminino, essas questões são mais bem aceitas. Mas isso não livra o problema como um todo. Há poucos anos atrás, no Brasil as jogadoras tinham que ter “boa aparência”, o que significava serem brancas, ter cabelos compridos e serem sexualmente atrativas. Até os uniformes foram alterados para enaltecer o corpo das garotas.
Felizmente hoje essas “regras ocultas” não existem mais e as jogadoras podem ser contratadas por suas habilidades futebolísticas, e não mais por esses parâmetros absurdos. No futebol feminino é comum encontrarmos torcidas LGBTQIAPN+ nos estádios, algo que não acontece no masculino, pois essas iniciativas normalmente acabam em intolerância e violência contra esses grupos.
Árbitros
Há um número muito grande de árbitros de futebol que pertencem à comunidade LGBTQIAPN+. Este movimento começou no Brasil nos idos dos anos 70, com o pioneiro Armando Marques, o árbitro que apitou a final do Paulista de 73, que teve o título dividido entre Santos e Portuguesa, por uma falha na contagem dos penaltis decisivos.
Armando Marques foi um árbitro muito famoso e respeitado em sua época, sabidamente homossexual. Seu legado inspirou milhares de árbitros nos anos seguintes. Dentre todos os profissionais do futebol, os árbitros representam a classe que mais aceita a diversidade em seu meio. Um exemplo é o Igor Benevenuto, que se autodeclarou gay durante as entrevistas do podcast do Globoplay.
“Meu nome é Igor Junio Benevenuto de Oliveira. Sou árbitro de futebol. A partir de hoje, não serei mais as versões de Igor que eu criei. Não serei o Igor personagem árbitro, personagem para os amigos, personagem para a família, personagem dos vizinhos, personagem para a sociedade hétero. Serei somente o Igor, homem, gay, que respeita as pessoas e suas escolhas. Sem máscaras. Somente o Igor. Sem filtro e finalmente eu mesmo.”
Jornalistas esportivos
Enquanto jornalistas de outras áreas não costumam ter problemas com relação à sexualidade, no futbol as coisas são diferentes. Jornalistas LGBTQIAPN+ tem enormes dificuldades em se assumirem perante a sociedade, com risco de perderem seus empregos e seus patrocínios.
Mais uma vez, aqui cabe um ponto a esclarecer. Não só os profissionais LGBTQIAPN+ sofrem no jornalismo esportivo. O ambiente tóxico e machista à beira das quatro linhas não aceitava, até tempos muito recentes, profissionais de gênero feminino em seus quadros. Várias são as mulheres que hoje ocupam cargos em jornais e periódicos esportivos, e todas tem em comum histórias de preconceito e intolerância pelas quais passaram para chegarem aos seus postos de hoje.
Jogadores e jogadoras
Como vimos, enquanto no futebol feminino a aceitação de jogadoras lésbicas seja muito mais tranquila do que na versão masculina, os jogadores sofrem demais com este problema. É claro, líquido e certo que existem muitos jogadores gays que precisam ficar a se esconder da sociedade por medo de represálias violentas que incluem desde a perda do emprego até riscos às suas integridades físicas.
E no caso dos jogadores, não basta não ser gay, ou LGBTQIAPN+. É preciso não demonstrar nenhuma afinidade a estes movimentos. Uma simples aparência pode colocar uma carreira inteira a perder. Foi o que aconteceu com o jogador Elyeser, que atualmente joga no Caxias do Sul e disputa a Série D do Brasileirão.
Elyeser estava de férias e fez um video despretensioso para um grupo de WhatsApp dos seus amigos, no qual imitava trejeitos afeminados ao som de uma música da falecida cantora Marília Mendonça. Esse video caiu nas mãos das torcidas rivais e a vida do jogador virou um inferno. Vários contratos foram prejudicados e o jogador ficou sem atuar por um bom tempo por conta dessas pressões por questão de sexualidade.
E o futuro?
O futuro é ambíguo. Por um lado, vemos iniciativas de avanço, com torcidas LGBTQIAPN+ a surgir em vários Estados do Brasil. Vemos o futebol feminino a crescer a olhos vistos, com transmissão da Copa do Mundo em TV aberta e promessa de direitos iguais para jogadores e jogadoras. Vemos ainda alguns poucos jogadores e jornalistas a se assumirem publicamente como gays, e sem sofrer nenhum tipo de represália quanto a isso.
Por outro lado, cenas de intolerância ganham os jornais e periódicos dia a dia. Torcedores, dirigentes, jornalistas, jogadores e jogadoras ainda carregam consigo altas taxas de preconceito contra as diversidades. Essa luta é diária, precisamos combater o bom combate e mostrar, dia após dia, que a orientação sexual de uma pessoa não deve interferir em sua performance desportiva. E que cada um tem a sua vida e deve cuidar dela da maneira que achar melhor. E ninguém tem nada a ver com isso.