O Brasil faliu. No futebol, na política e na alma

Marcial CortezFevereiro 14, 20225min0

O Brasil faliu. No futebol, na política e na alma

Marcial CortezFevereiro 14, 20225min0
No interior de São Paulo, o síndico de um prédio matou um advogado. O motivo? Uma briga de futebol. Na Capital, o que era pra ser uma festa se torna tragédia com a morte de um torcedor durante uma briga dentro da própria torcida. Esses casos ocorridos no futebol mostram a completa falência social vivida atualmente no Brasil.

O que era pra ser uma grande festa se transformou em tragédia no último sábado, nos arredores do Allianz Parque em São Paulo. A torcida do Palmeiras se reunia para ver a final do Mundial de Clubes da FIFA, vencida pelo Chelsea por 2-1. Pouco depois do final do jogo, um conflito generalizado causou a morte de um torcedor, que foi baleado durante a confusão.

Dias antes, num jogo do Corinthians válido pelo campeonato paulista, um torcedor tentava entrar na Arena Neoquímica e ao passar pela revista da Polícia Militar, teve seu cartão de ingresso quebrado. Foi até a bilheteria explicar o caso e foi orientado a conversar com os policiais. Ao tentar explicar o caso à polícia, foi recebido com extrema violência, aos chutos e pontapés, e teve seu braço torcido.

No interior do Estado de São Paulo, um advogado palmeirense foi morto pelo síndico do prédio corintiano após uma discussão sobre futebol. Esses três casos são apenas a ponta do iceberg de um problema muito grave que está a ocorrer no Brasil atualmente: o armamento da população e a impunidade generalizada.

Confusão generalizada nos arredores do Allianz Parque. Foto: Reprodução Rede Globo de Televisão

Falência social e violência generalizada

Nas grandes capitais, em especial no Rio de Janeiro e em São Paulo, cidadãos não podem ter aplicativos bancários em seus telemóveis por conta do risco de assaltos e roubo de dados. Os crimes acontecem à luz do dia, enquanto os carros estão parados no trânsito. Indefesos, motoristas são alvos fáceis dos criminosos.

Ciclistas são mortos diariamente em São Paulo por motoristas embriagados. Só neste ano, já ocorreram oito mortes na Capital paulista. E ainda estamos em fevereiro! No Rio de Janeiro, um imigrante africano foi morto a pauladas ao reclamar o pagamento de seu salário junto ao dono do quiosque em que trabalhava.

Eu me recordo de quando fui ao Uruguai, nosso vizinho do sul, onde a morte de uma funcionária de um supermercado provocou comoção nacional pela violência do crime. Nas ruas, em casa, nos táxis, só se falava disso. As pessoas estavam realmente indignadas e incomodadas pelo que havia ocorrido. No Brasil, mortes e mortes se acumulam no dia a dia, e isso já se tornou algo banal. Acordar no Brasil significa estar sempre atento, pois a morte ronda a todos, até mesmo nos campos de futebol, que deveriam ser locais de festa e diversão.

Mas quais as causas de tudo isso? Em que momento da História nós nos perdemos tanto assim? A resposta não é simples e passa primeiro pela raiz de todos esses problemas: a desigualdade social. No Brasil, a fome é escancarada todos os dias nas grandes cidades. Pessoas a se alimentar de restos de lixo e de sobras de alimentos se acumulam nas ruas. Por um mistério da humanidade, esses seres se tornam invisíveis aos olhos daqueles que tem condição financeira mais favorável.

Pra piorar, a política educacional em nosso país não forma cidadãos, e sim seres individualistas que só pensam no próprio umbigo e não tem consciência do coletivo. Os ricos ficam cada vez mais ricos, enquanto os pobres ficam cada dia mais miseráveis. O conjunto dessas situações cria uma bomba relógio que explode a cada minuto nas capitais brasileiras.

Mas e o futebol?

O desporto-rei é um espaço democrático que acolhe a todos. É nas arenas e nos entornos em que ricos e pobres se encontram e vestem a mesma camisola. Nessa hora, não existe diferença social. Porém, a frustração e a soberba estão ali presentes o tempo todo. E mesmo dentro de uma única torcida, a tensão existe. Foi o que ocorreu no entorno do Allianz. O agente penitenciário disparou sua arma e matou a sangue frio o torcedor Dante Luiz, de 42 anos. A pergunta que fica é – o que leva um ser humano a levar uma arma de fogo num evento com milhares de pessoas? Aliás, o que leva um ser humano a se armar?

A situação piora quando o próprio Governo incentiva o armamento da população. De 2020 para 2021, dobrou o número de armas registradas nas mãos de civis no Brasil. Claro que o número de armas irregulares é muito maior que esse, o que agrava ainda mais o problema.

Policial agride torcedor do Corinthians na Arena Neoquímica. Foto: Reprodução Rede Globo de Televisão

Como mudar isso? Há quem diga que a saída para o Brasil são os aeroportos internacionais, que o país não tem mais jeito. Infelizmente, eu sou obrigado a concordar com isso. Viver no Brasil está cada dia mais insuportável. A falência social está aí pra quem tiver olhos para ver. Não há política para acabar com a impunidade, não há política para diminuir a desigualdade social. Pelo contrário, o que se vê é exatamente o inverso de tudo isso. O Brasil está nas mãos de pessoas que não tem empatia, adeptos da necropolítica e que não movem um dedo para mudar esse quadro.

O Brasil faliu. No futebol, na política e na alma.


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