Demitir treinadores: hábito comum no Brasileirão
A rodada 21 do Campeonato Brasileiro em 2019, apenas a segunda dos jogos de volta do campeonato nacional, guardou emoções (nada positivas para adeptos de algumas equipas) quadruplicadas devido a decisões que são comuns por aqui: a demissão de seus treinadores. Em uma rodada, quatro técnicos foram desligados de suas funções, e em um período de 24 horas. Também pouco tempo depois, as mesmas equipas já contavam com novos professores para reiniciar um trabalho já deturpado ao longo do ano. Surpreendentemente, esta mesma situação já havia ocorrido no Brasileirão, em 2010 e 2015, quando outros quatro treinadores foram demitidos em uma rodada, em um período de 24 horas.
Silas (Grêmio), Estevam Soares (Ceará), Ricardo Silva (Vitória) e Toninho Cecílio (Prudente) foram os nomes de 2010, enquanto Renê Simões (Figueirense), Enderson Moreira (Fluminense), Julinho Camargo (Goiás) e Eduardo Baptista (Sport) em 2015. Mas quais os nomes do campeonato atual foram demitidos? Em qual situação e o que isso trará de consequência para as equipas? É o que o Fair Play abordará neste artigo, mostrando que o planejamento e o respeito à hierarquia não foram os fortes dos envolvidos neste episódio. De fato, a média de tempo de um treinador a frente de uma equipa no Brasil é bem pequena, e daqueles que tinham mais longevidade (Mano Menezes no Cruzeiro e Renato Gaúcho no Grêmio), apenas Renato permanece – Mano Menezes já está no Palmeiras após demissão de Felipão.
Cuca – São Paulo
O primeiro da lista deste ano foi Cuca, então treinador do São Paulo. A equipa, que oscilou entre vitórias e derrotas, mas deslizou quando tinha o mando do jogo e apresentou alto número de empates até aqui, sequer apresentou bom futebol nas vitórias. Com Daniel Alves e Juanfran como destaques desta segunda metade de campeonato, Cuca não estava sabendo tirar o melhor dos jogadores, e era sempre questionado pelo posicionamento do primeiro (Dani Alves jogou principalmente como médio ofensivo, um camisola 10 no comando do ataque). De fato, o treinador estava sofrendo nos últimos jogos devido a longa lista de jogadores lesionados, casos de, Hernanes, Liziero e principalmente do avançado Pablo e de Pato.
A derrota em casa para o menos expressivo Goiás selou o pedido de demissão. Inicialmente, a diretoria tricolor tentou fazer Cuca voltar atrás em sua decisão, mas no dia seguinte ao jogo, Cuca informou que seu pedido se mantinha, pois já não conseguiria fazer a equipa melhorar. A questão é se Cuca desistiu por entender sua incapacidade, ou desistiu pois entendia que o clube já não podia ser salvo a esta altura. Isto porque o São Paulo estava com Cuca em seu terceiro treinador só este ano (começou com Jardine, atualmente na Seleção Brasileira olímpica, passou por Mancini, então dirigente do clube que ficou como interino, até que Cuca pudesse assumir). Mancini, que inclusive também pediu demissão após Cuca, pois foi informado que assumiria novamente a equipa, mas horas depois o São Paulo optou por contratar Fernando Diniz, e a falta de prestígio de Mancini o fez também desistir do clube.
Oswaldo de Oliveira – Fluminense
Este também tem uma situação tão pitoresca quanto vergonhosa. No valoroso empate contra o Santos, mesmo com dois jogadores do Fluminense expulso, Oswaldo teria seu atrito derradeiro com Paulo Henrique Ganso. Previamente já notava-se por parte do jogador uma situação embaraçosa, mas neste jogo especificamente, o treinador o cobrava para esforçar-se mais na marcação, ao mesmo tempo em que Ganso recusava-se. Ao decidir pela substituição, Oswaldo deixou clara sua insatisfação, mas foi surpreendido pela ação do jogador, que ao sair do relvado o chamou de “burro”, jogando os adeptos contra o técnico. Oswaldo não se conteve, e retribuiu o xingamento: “vagabundo”. A situação ainda piorou quando, ao término do jogo, o próprio treinador fez gestos obscenos para seus adeptos, cavando sua própria cova.
Em resumo, Ganso fora multado pela equipa, enquanto Oswaldo de Oliveira demitido no dia seguinte. Das equipas sem treinador nesta jornada, apenas o Fluminense ainda não contratou outro (procurou Cuca, Dorival Jr., mas agora pensa em Felipão) e ainda conta com um interino (Marcão). Ironicamente, no jornada posterior (22), Ganso foi capitão da equipa e ela voltou a vencer, em embate contra o Grêmio, 2-1. O Fluminense briga para não ser novamente rebaixado, e conta com vários problemas administrativos que corroboram a verdadeira bagunça dentro e fora das quatro linhas. Oswaldo termina este capítulo com apenas 38 dias no comando do Flu, tendo apenas duas vitórias com a equipa, outros dois empates e três derrotas (aproveitamento de 38,1%).
Rogério Ceni – Cruzeiro
A passagem de Ceni pelo time mineiro também foi relâmpago. Um dia após um empate sem golos contra o Ceará, o treinador do Cruzeiro foi aconselhado a pedir demissão, mas como não o fez, foi demitido em sequência. A questão é que o empate foi o menor dos problemas. Desde que chegou à equipa, menos de dois meses atrás, Ceni tentou impor seu estilo de jogo mais rápido, ofensivo, de marcação alta e grande posse de bola, em uma equipa acostumada com uma postura mais defensiva, como era treinada por Mano Menezes. Isto incomodou muitos jogadores, principalmente os mais experientes, que, ao virem seus espaços diminuírem nos 11 iniciais, começaram uma caça ao treinador. Vale lembrar também que muitos destes experientes jogaram contra Ceni quando ele ainda estava na baliza são-paulina, o que pode ter aumentado sua resistência interna.
Thiago Neves, Edílson e recentemente o central Dedé foram jogadores que mostraram publicamente insatisfação com o treinador, e ainda que ele tenha tentado mostrar força nos bastidores, viu-se que os dirigentes do Cruzeiro não lhe dariam o respaldo necessário, ficando ao lado dos jogadores. Foram apenas oito jogos de Ceni pelo Cruzeiro, e desses apenas duas vitórias, em um movimento muito questionado quando abandonou o Fortaleza no seu maior feito como técnico até então. Abel Braga assume o Cruzeiro, por ter características de “pai” dos jogadores, e de ter muita afinidade com Thiago Neves. Curiosamente, Ceni voltará para a equipa cearense, pois o nome que citaremos a seguir é justamente daquele que o substituiu na equipa do Fortaleza após sua saída. Talvez o destino era que Ceni tivesse ficado por lá, porém agora terá menos tempo para cumprir a tarefa de manter o Leão na 1ª divisão, feito que teria que cumprir no Cruzeiro e não conseguiu, devolvendo a equipa mineira na zona de rebaixamento (17ª posição, primeira dos rebaixados).
Zé Ricardo – Fortaleza
A passagem também muito rápida de Zé Ricardo pelo Fortaleza foi uma ação da equipa cearense para tentar encontra algum substituto para Ceni, que até então tinha conquistado três títulos em praticamente um ano, e se firmado como um ídolo. Fato é que não precisou de tanto tempo para o chamarem de volta, e demitir aquele que foi praticamente um quebra galhos. O jogo em si ajudou para sua queda, pois o Fortaleza sofreu uma goleada de 4-1 contra o Athletico Paranaense, sendo a quarta derrota do treinador, além de dois empates e apenas uma vitória, em um aproveitamento de 23,8%. Ao juntar a má campanha de Zé Ricardo com a volta de Ceni ao mercado, os dirigentes decidiram imediatamente desvincular o treinador atual para ir atrás de Ceni. Apenas dois dias depois, Rogério foi anunciado de volta ao Leão para “cumprir” seu vínculo anterior, que irá até o fim de 2019.
O contrato curto é um recado ao Ceni, mostrando que o Fortaleza está precavido caso no fim da época haja um novo movimento do técnico afim de ir para outra equipa de maior destaque. Foi isto que tentou ao acertar com o Cruzeiro, porém o ambiente já contaminado com problemas administrativos (investigação de corrupção na equipa) além da característica dos jogadores determinou a pouca vida dele no time mineiro. Já no Fortaleza, o próprio presidente garantiu que não haverá interferência no trabalho do ídolo, para que ele consiga manter a equipa na Série A até o fim de 2019.
Quantas mais demissões teremos nesta época? Conseguirão Fernando Diniz (São Paulo), Abel Braga (Cruzeiro) e o próprio Ceni (Fortaleza) mudar o destino e buscar as metas que cada equipa traçou no começo do ano. Com as mudanças constantes e os problemas apresentados, cada um deles tem menos tempo para cumprir o desejado.