Caso Robinho: o futebol reflete a falência da sociedade brasileira

Marcial CortezOutubro 17, 20205min0

Caso Robinho: o futebol reflete a falência da sociedade brasileira

Marcial CortezOutubro 17, 20205min0
Condenado em primeira instância por estupro na Itália, Robinho foi repatriado e contratado pelo Santos. A imprensa brasileira divulgou detalhes técnicos da condenação. Parte da torcida condenou a mídia pela divulgação. Que tipo de país é esse que absolve um condenado e condena a imprensa? O Brasil faliu.

Robinho foi repatriado e vai jogar no Santos – a notícia se espalhou rapidamente. Nos memes e grupos de WhatsApp, adeptos do alvinegro da Baixada já comemoravam a volta e imaginavam gols incríveis com a eventual e imbatível dupla Robinho – Marinho. As claques rivais torciam o nariz para a contratação, ao imaginar que um novo Santos surgiria na disputa dos campeonatos no período pós paralisação.

Robinho de volta ao Peixe. Foto: Friedemann Vogel Getty Images

O que muitos não sabiam é que Robinho está condenado em primeira instância por estupro na Itália. A Legislação Brasileira tem como  pedra fundamental a chamada “presunção da inocência”, ou seja, todo mundo é inocente, até prova em contrário. No caso de Robinho, já houve a prova em contrário e, portanto, caiu a presunção da inocência. Robinho é culpado. Não, não sou eu que digo isso. É a Justiça Italiana. E estupro, caro amigo leitor, é estupro. Na Itália, no Brasil, na Alemanha, no Sudão, no Iraque, no Japão, na Lua…

Estamos em 2020, já percorremos um quinto do novo século. Algumas coisas não podem mais ser aceitas ou toleradas. Estupro é uma delas. Robinho foi condenado a 9 anos de prisão. Não há mais presunção da inocência. Pelo contrário, Robinho agora corre atrás de recursos para provar que ele é inocente, pois as provas existentes no caso apontam justamente o contrário disso. O julgamento em segunda instância está previsto para ocorrer em dezembro desse ano. Robinho terá todo direito à ampla defesa e terá que provar perante a Justiça a sua inocência.

O ex-jogador Walter Casagrande Junior, mais conhecido como Casagrande ou Casão, comentou sobre o caso e citou uma famosa música de Milton Nascimento, que em sua letra diz “e não posso aceitar sossegado qualquer sacanagem ser coisa normal”. Casão mandou no ângulo. Não é possível que aceitemos a contratação de um condenado por estupro em outro país e comemoremos a chegada dele por aqui na condição de ídolo. Não. Alguns valores são universais. Não podemos aceitar isso.

Na mesma semana em que recebemos a notícia da repatriação de Robinho, um Senador da República foi pego em flagrante pela Polícia Federal com 30 mil reais (cerca de 5 mil euros) alocados em suas partes íntimas. O político em questão é vice-líder do Governo no Senado e braço direito do Presidente da República. Ao ter seu caso escancarado pela imprensa, mais precisamente pela Rede Globo, Robinho manifestou seu apoio ao Presidente Bolsonaro, dizendo que a “Globolixo é uma emissora do demônio, que está a me perseguir como perseguiu ao Bolsonaro”.

Misturar religião com política e futebol, aliás, é outra característica atual aqui nas terras canarinhas. Bolsonaro foi eleito com o tema “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Grande parte dos evangélicos brasileiros estão infiltrados na política e vice versa. E muitos jogadores de futebol seguem estas igrejas, repetindo seus discursos junto à imprensa e aos seus adeptos.

Adeptos que ficaram a favor de Robinho no caso acusam a “Globolixo” de fazer sensacionalismo e procurar fofoca onde não existe. Chegaram inclusive ao absurdo de dizer que “a menina estava bêbada”, “ela queria isso mesmo”, e outras aberrações e bizarrices parecidas. Ora, se ela estava bêbada é mais um motivo pra piorar a situação do jogador, pois quem está sob efeito de álcool encontra-se vulnerável e não responde por si. Cabe a quem está sóbrio proteger, e não abusar de quem está fora do seu completo juízo.

Mas nem tudo está perdido. Muitos brasileiros não sabiam da situação de Robinho na Itália. Com a divulgação da condenação, todos ficaram sabendo. A repercussão foi imediata e a resistência veio à tona. Como tudo no país, o “caso Robinho” também foi politizado por aqui. De um lado, aqueles que defendem o jogador e condenam a mídia. De outro, a resistência. No grande tribunal das redes sociais, Robinho foi condenado pela segunda vez. O saldo foi muito negativo para o atleta e o Santos, ao perceber que a situação ficaria insustentável e sob ameaça de perda dos patrocínios, decidiu suspender o contrato do jogador, para que ele possa resolver seus problemas com a Justiça.

Nota oficial do Santos Foto: Reprodução – Twitter

A triste situação do país – estupros e feminicídios

O caso Robinho, embora não tenha ocorrido por aqui, escancara uma triste realidade do Brasil: o país é dono das mais lamentáveis estatísticas que se possa imaginar. São 180 estupros por dia. Um estupro a cada oito minutos. Não, você não leu errado: no tempo em que você está a ler essa matéria, uma mulher está a ser estuprada nas terras canarinhas. Mas o problema não é somente o estupro: o feminicídio também impera no Brasil, e muitas vezes esses crimes são associados.

A “cultura do estupro” é uma realidade brasileira. O Presidente Jair Bolsonaro, nos tempos em que ainda era apenas um Deputado Federal, certa vez discutiu com outra parlamentar e disse a ela, com todas as letras, “jamais vou estuprar você porque você não merece”. O que esperar de um país cujo comandante elogia torturadores e faz declarações como esta?

O Brasil faliu.

No futebol.

Na sociedade.

Na política.

Na alma.

 


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