A queda da Muralha
Bons eram os tempos que os clubes brasileiros tinham em grandes jogadores a sua identidade. Para não precisar voltar aos tempos do Santos de Pelé, podemos citar o Flamengo de Zico, o São Paulo de Raí, o Grêmio de Renato e os mais recentes Corinthians de Marcelinho Carioca e Vasco de Edmundo e Romário.
Esse era o cenário do futebol brasileiro até o começo dos anos 2000, onde apesar de muitos grandes talentos terem migrado para o futebol europeu, muitos outros ainda permaneciam em terras tupiniquins. Para se ter uma ideia, na Seleção do Penta, em 2002, 10 jogadores jogavam no Brasil na época da conquista e hoje, no elenco que se prevê em 2018, são 3, sendo um goleiro e os outros dois questionados.
É evidente que o cenário mudou, principalmente por questões econômicas. Mas é fato que os dirigentes brasileiros perderam as boas chances que tiveram na crise europeia e com a Copa de 2014 para fazer o certame nacional dar o salto de qualidade dentro e fora dos campos que o permitiria aumentar o seu poder de competição. Ainda, para piorar, questiona-se a qualidade dos profissionais que atuam na formação dos novos talentos. Esses temas são assunto para outro artigo, mas um dos seus sintomas ficou claro esta semana com a caça às bruxas que persegue o arqueiro do Flamengo, Alex Muralha.
Ídolos de papel
Com a carência de jogadores identificados com as suas cores, originada pela venda rápida de qualquer jogador que se destaque no Brasil e, agora, de qualquer talento jovem que brilhe, antes mesmo de se profissionalizar, a torcida cria santos aonde não há milagre.
É comum o caso de jogadores medíocres supervalorizados, em alguns casos com a ironia de quem sabe que não deveria, como nos cantos que entoavam a cada gol de Obina pelo Flamengo: “Obina é melhor que Eto’o”, cantava-se no Maracanã. Só que essa relação não é sustentada pela constância de bom futebol e rapidamente se desfaz, transformando o luxo em lixo.
O caso mais recente é a ascenção e queda do goleiro Alex Muralha, que passou de destaque do pequeno Figueirense, no Campeonato Brasileiro de 2015, para ídolo da barulhenta torcida do Flamengo em 2016 que conseguiu levá-lo para a Seleção Brasileira.
“Ele vem fazendo um grande campeonato brasileiro, como já fez no Figueirense. São dois anos mantendo um padrão de atuação. Merece a convocação. A fase do Flamengo ajuda.”
Tite, sobre a convocação de Muralha para a Seleção
Mas a mesma mão que afaga, bate. E a torcida do Flamengo perdeu a paciência com o jogador. Muralha não é um craque, mas está longe de ser um péssimo jogador. É esforçado. Do nível ideal para ser destaque por muitos anos em clubes de médio porte. Não para ser o ídolo que se pintou no Flamengo. Mas a culpa não é dele.
O problema é que desde Julio César o Flamengo não tem um goleiro de primeira linha. Bruno tentou mas todos sabemos o que aconteceu com ele. De lá pra cá, Felipes e Paulo Victors da vida ocuparam o espaço sem deixar saudade.
Nesta última semana, Alex Muralha foi o centro das atenções na derrota nos pênaltis do Flamengo para o Cruzeiro na final da Copa do Brasil. Seguindo a estratégia combinada com sua comissão técnica, o guarda-redes pulou para o mesmo lado em todas as cobranças e não defendeu nenhuma. Foi a lenha que faltava na fogueira que já o queimava. Não tem mais jeito, o destino de Muralha será deixar o Flamengo no próximo ano, mas a perseguição que tem sofrido por imprensa e torcida é injusta.
Enquanto não segurarmos nossos talentos por mais tempo, teremos que bater palmas para talentos lado B como Muralha, Petros, Hudson, Jô, Dudu e Diego Souza ou para ex-jogadores em atividade como Ricardo Oliveira, Nenê, D’Alessandro e Grafite. Por quê no primeiro sinal de talento, os novos diamantes serão vendidos para equilibrar as contas da histórica má gestão do que era para ser o melhor futebol do mundo.