As lembranças da Copa do Mundo de 1994
Antes tarde do que nunca. Com alguns meses de atraso, este artigo procurará passar um bocado do que foi para um miúdo de doze anos “viver” a conquista do tetracampeonato mundial de futebol pela selecção brasileira. Em 17 de Julho passado fez 25 anos daquele triunfo, que teve uma decisão disputada nas cobranças de penalidades máximas, mas muito mais pormenores que precisam ser lembrados.
A Canarinha só garantira o apuramento ao mundial dos Estados Unidos no último jogo, ao vencer o Uruguai por 2 a 0, com dois golos do avançado Romário (convocado apenas para este jogo), que naqueles tempos encantava a todos ao actuar pelo FC Barcelona. Foi uma fase de apuramento difícil: a primeira derrota de sempre rumo a uma Copa do Mundo, contra a Bolívia, por 2 a 0, na altitude de La Paz (3700m). No jogo de volta, em Recife, um 6 a 0 incontestável sobre os bolivianos, com os brasileiros a saírem do balneário para o campo de mãos dadas, gesto que se repetiu por muitos anos, inclusive no Mundial FIFA de 1994. Era a retomada rumo ao apuramento, que aconteceu.
Fora do futebol, o Brasil tinha recém enfrentado um processo de impeachment do ex-Presidente Fernando Collor de Mello. O país mergulhado em crise política (não mudou muita coisa) e económica. Com uma moeda subvalorizada, consequência de mal sucedidas tentativas de estabilizá-la, a (hiper)inflação corroía os salários e o poder de compra sobretudo dos menos favorecidos, o que conduzia a um cenário social muito ruim ao aumentar as disparidades.
Em maio de 1994 uma tragédia mexe com os brasileiros e deixa o país em luto: o falecimento de Ayrton Senna durante o GP de San Marino, em Ímola, Itália. O automobilista era motivo de orgulho para o país. A tristeza pela morte do ídolo, somado ao caos sócio-político económico formaram o cenário para aquele Mundial FIFA. Ou seja, nada bom. Nas ruas, os miúdos, alheios às confusões da vida adulta preparavam as ruas a pintá-las e decorá-las com as cores do Brasil, o que é comum em tempos de mundial de futebol. Coleccionavam-se cromos, falava-se sobre a Copa. No entanto, ninguém parecia estar contente, não apenas pelos acontecimentos recentes, mas também pela maneira como a Canarinha jogava o futebol, muito diferente do estilo que definiu o Brasil, como foram nos mundiais de 1970, 1982 e 1986.
Na primeira fase, vitórias sobre os russos, camaroneses e empate contra os suecos. Nos oitavos, jogo contra os anfitriões, os estadunidenses, justo na Data Magna deles, o 4 de Julho. Um parênteses: mudanças em andamento porque fora de campo, no dia primeiro daquele mês, no Brasil entrava em vigor a nova moeda nacional, o Real. De volta ao mundial, tinha tudo para ser uma festa dos Estados Unidos, ainda mais com a cotovelada de Leonardo sobre Tab Ramos, que reduziu o plantel do Brasil para dez em campo, em momento muito crítico da partida. No entanto, valeu a experiência e habilidade da dupla Romário e Bebeto, com este último a fazer o golo da vitória.
Nos quartos, uma vitória que quase escapou pelos dedos, se não fosse o ‘petardo’ de Branco em um livre da intermediária, que não deu chances ao guarda-redes holandês. Ao final daquele jogo, vencido por 3 a 2, em directo para as redes de televisão o treinador assistente do Brasil, Mário Jorge Lobo Zagallo, levava para si a bola daquela partida, em sinal de vingança aos holandeses, algozes dos brasileiros duas décadas antes, no mundial da Alemanha Ocidental.
Por incrível que possa parecer a meia-final não foi assim tão tensa quanto os dois jogos anteriores. É lembrança corriqueira Thomas Ravelli, guarda-redes da Suécia, a fazer caretas para as câmeras. Mas muito mais lembrado é o golo de Romário, que não é reconhecido pela altura, a cabecear entre dois defesas escandinavos bem altos. Diferente do que todos esperavam os brasileiros estavam classificados para a final contra os italianos. Sob forte calor e jogo nada atraente um zero a zero no tempo regulamentar e no prolongamento, que conduziu à disputa de penáltis.
O remate de Baggio, por cima da baliza de Taffarel encerrou a disputa e fez o Brasil quatro vezes campeão mundial. Inesquecível, é verdade, assim como também todo o contexto que fez parte daquela Copa do Mundo.