A queda do CS Marítimo em três actos
38 anos depois, o CS Marítimo cai para o segundo escalão de futebol profissional em Portugal, depois de consentir uma derrota nas grandes penalidades no playoff de subida/descida jogado frente ao “renascido” Estrela da Amadora.
38 anos que foram coroados com idas à Europa, finais da Taça de Portugal, 5ºs lugares históricos, sequência de vitórias ou períodos sem registar uma derrota em “casa”, terminam com um bater não no fundo, mas num nível que terá de acordar as lides do emblema insular.
ÉPOCAS INCONSTANTES ADIVINHAVAM FUTURO
Na hora do “adeus” à Primeira Liga, é altura de perceber se esta queda já vinha sendo adivinhada ou se foi algo do momento, com uma simples má temporada a resultar numa despromoção. Vejamos os factos, olhando, desde logo, para os resultados das últimos cinco temporadas:
- 18/19: 11º lugar com 39 pontos (12 vitórias apenas), 26 golos marcados e 44 sofridos;
- 19/20: 11º lugar, 39 pontos (9 vitórias), 34 golos marcados e 42 sofridos;
- 20/21: 15º lugar, 34 pontos (10 vitórias), 27 golos marcados e 47 sofridos;
- 21/22: 10º lugar, 38 pontos (9 vitórias), 39 golos marcados e 44 sofridos;
- 22/23: 16º lugar, 26 pontos (7 vitórias), 32 golos marcados e 63 sofridos;
No espaço de cinco temporadas, os verde-rubros tiveram 10 treinadores diferentes a passar pelo plantel sénior principal, com a temporada de 2020/2021 a ter sido a que mais mudanças no banco teve, com Lito Vidigal, Milton Mendes e Júlio Velázquez a terem estado à frente da equipa, numa temporada em que o Marítimo flertou com a descida de divisão.
NOVA DIRECÇÃO… MESMOS ERROS
No meio destes últimos cinco anos, registou-se uma mudança drástica na direcção do emblema madeirense, com Rui Fontes (que tinha sido presidente durante os anos 90) a garantir a vitória no processo eleitoral conduzido a 25 de Outubro de 2021. Volvidos um ano e meio, o agora presidente vai ter a dura missão de resgatar do clube da queda anímica da despromoção, e repensar uma estrutura mais séria e coesa, colocando um ponto final em quase dois anos de mandato convolutos com diversas trocas no staff administrativo e técnico (no qual houve uma guerra com a presidência da SAD), e com interjeições em pastas que acabaram por ser nocivas e decisivas para a despromoção.
Os dados acima dispostos demonstram que a queda exibicional do CS Marítimo vinha sendo uma realidade, passando de uma média de 13 vitórias por ano, e uma manutenção relativamente sossegada entre os anos entre 2013 e 2018, entrando numa fase tremida, carregada de escorregões e constantes problemas internos (suspensões de atletas, colocação de vários jogadores a treinar à parte, etc) notando-se uma falta de foco e direção por todo o quadrante.
PLANTEL FRÁGIL E SEM FOCO
Há quem tenta arguir que os últimos plantéis tinham qualidade para fazer melhor, mas será mesmo assim? É notório que nos últimos três mercados, o clube atirou-se às contratações de jogadores em fim de contrato, que já tinham rescindido, ou tinham um valor baixo de contratação, optando mais pelo número do que a qualidade, sendo notório como a equipa não conseguiu desenvolver com nenhum treinador.
Com uma defesa já em rotura e em total desgaste, um meio-campo curto, e um ataque com pouca clarividência em 2021/2022, a chegada de 20 reforços ao clube não augurava nada de bom, sendo notório que estas contratações foram mais em jeito de “encher” o plantel do que assegurar bons activos para posições-chave, construindo um plantel com pouca ou nenhuma conexão ao treinador-principal (na altura era João Henriques). Destas duas dezenas de jogadores, oito vieram por empréstimo, com o mesmo número a terem idade abaixo dos 22, e a larga maioria sem experiência consistente em competições de topo ou similares à Liga Portugal. Resultado? Descida de divisão. João Henriques somaria apenas uma vitória em onze jogos, e José Gomes só conseguiria arrancar mais sete (a contar com o playoff) de um total de vinte-e-três jogos.
Os treinadores têm um papel nuclear no sucesso ou fracasso de uma equipa, mas no caso do CS Marítimo esse factor tem de ser ultrapassado, pois foram dez técnicos a passarem pelos verde-rubros e a não conseguir extrair melhor do que um percentil na casa dos 30% em vitórias, estando demonstrado que a ausência de momentos melhores passa pela fraca estrutura que dirige o clube, sendo estes os máximos responsáveis pela situação actual.
A questão agora está se Rui Fontes e a sua administração são capazes de reverter esta situação, renovando e revigorando linhas, deixando cair arrogâncias de conhecerem o mundo do futebol porque estiveram lá durante uma década, e apostam seriamente na reestruturação do clube e plantel, sem fazer um ataque às modalidades e aos seus orçamentos, ou se vão pelo mesmo caminho que o B-SAD, Académica de Coimbra, Vitória FC, e outros, que depois de um par de anos a sofrer na Segunda Liga foram em direcção às divisões inferiores do futebol nacional.
Com o CD Nacional da Madeira a sofrer de problemas financeiros preocupantes, o CS Marítimo, como um dos representantes mais importantes das Regiões Autónomas de Portugal, tem de procurar reescrever o seu caminho e repensar nos moldes em que se encaixa no futebol profissional, com o caminho do Rio Ave a talvez ser o melhor, isto porque depois de uma descida traumática à Segunda Liga (tinham disputado a Liga Europa nessa época), souberam recuperar, subir e consolidar na Primeira Liga.