A Outra Final

Francisco da SilvaAbril 28, 20185min0

A Outra Final

Francisco da SilvaAbril 28, 20185min0
A 30 de Junho de 2002, 15 mil espectadores marcaram presença num dos encontros mais emblemáticos do Desporto Rei, que opôs as seleções do Butão e de Montserrat.

A 30 de Junho de 2002, o Brasil de Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho media forças com a Alemanha de Kahn, Hamann e Klose em pleno Estádio Internacional de Yokohama, Japão, para decidir qual delas iria voltar ao trono do Desporto Rei. A quase 5.000 quilómetros de distância do grande palco, disputava-se na capital do Butão, Thimphu, a partida de futebol mais importante para duas nações tão futebolisticamente frágeis como heróicas. Butão e Montserrat, as duas piores seleções do ranking da FIFA à data, encontravam-se no encontro que um dia alguém denominou de  “A Outra Final”.

O Reino de Butão é uma nação centenária rodeada por duas potências demográficas, Índia e China, e plantada no extremo leste dos Himalaias. O nosso imaginário leva-nos incessantemente para um pedaço de terra mágico onde a tradicional indumentária local conflui com os templos budistas lenitivos. Neste pequeno país com pouco mais de 750 mil habitantes os jogos locais de arremesso dominam o panorama desportivo nacional, nomeadamente, o Khuru, o Soksom e o Pundo, nesse sentido, o Futebol esteve sempre muito afastado do coração dos butaneses, tão habituado à elevada altitude mas tão pouco apaixonado pelo Desporto Rei. Em 1983 deu-se a fundação da Federação de Futebol do Butão, porém, só no último ano do Século XX é que a Federação do Butão foi reconhecida e aceite como membro da FIFA.

A Ilha de Montserrat é um território ultramarino do Reino Unido que se situa no Mar das Caraíbas, a algumas léguas da Antígua e Barbuda e de St. Kitts e Nevis. Descoberta no Século XV por Cristóvão Colombo, Montserrat viria a ser um importante ponto de ancoragem dos navegadores britânicos a partir do Século XVII, no entanto, a maior riqueza da ilha residia na verdejante e magnificente flora que atraía quem por lá passava. A história recente desta sociedade está intimamente ligada à erupção do Soufrière Hills em meados da década de 90 que levou à emigração de dois terços da sua população, reduzindo-a a apenas 5.000 almas. Ainda antes desta catástrofe natural, a Associação de Futebol de Montserrat foi criada em 1994, sendo aceite como afiliada da FIFA em 1996.

Em 2002, os dois últimos lugares do ranking da FIFA eram ocupados pelo Butão e por Montserrat, o que não surpreendia face à escassez demográfica das nações e à reduzida importância que o Futebol tinha na vida de butaneses e montserratenses.

Angustiados pela não participação da seleção holandesa no Mundial de 2002 organizado pela Coreia do Sul e pelo Japão, Matthijs de Jongh e Johan Kramer decidiram organizar a sua própria final com as seleções menos cotadas, no entanto, com o propósito de honra o mundo do Futebol, recheado de contrastes, quimeras e oscilações. Apresentada a ideia à FIFA, não havia como a autoridade máxima recusar tamanho desafio. O homem do apito seria Steve Benneth, árbitro internacional inglês, e o encontro teria lugar no Estádio Changlimithang em Thimphu, exatamente no mesmo dia da final do Campeonato do Mundo de 2002.

Mensagem do Butão para a seleção de Montserrat | Fonte: Hans van der Meer

A partir do dia 30 de Junho de 2002, a capital do Butão jamais seria a mesma. Durante esse mesmo dia, toda a nação budista vestiu-se a rigor e foi para a rua receber a sua seleção, mas também a formação anfitriã que se deslocara de longe para honrar o Desporto Rei. Numa atmosfera tão exótica, festiva e espiritual, 15 mil espectadores deslocaram-se ao Estádio Changlimithang para assistir à final mais aguardada do futebol popular. De amarelo a seleção da casa, de verde escuro a seleção forasteira que via na bancada o triplo da população do seu país. O favoritismo era claro, o Butão jogava em casa e era “apenas” o penúltimo do ranking FIFA, todos os locais de confraternização apostavam as fichas na seleção local, nem que o bom senso recordasse que ambas as equipas não tinham qualquer vitória oficial até então.

Logo ao 5º minuto de jogo, o veterano Wangay Dorji faturou para a equipa da casa, colocando em êxtase os milhares de butaneses que assistiam ao vivo ao encontro. Até ao intervalo o marcador não mais se alterou, alimentando as esperanças de uma eventual surpresa dos montserratenses. Porém, o Butão entrou forte na segunda metade e resolveu o encontro cedo, marcando mais 3 tentos antes dos 80 minutos. No final dos 90 minutos, o marcador era claro (4-0), o público era audível, os rostos cansados e satisfeitos dos 22 elementos marcavam o fim de um dos capítulos mais bonitos do futebol mundial.

O Butão ganhara o seu primeiro encontro oficial, contudo, o resultado final era o menos importante para os deuses do Futebol. A partida entre o Butão e o Montserrat simbolizava a união entre duas culturas separadas por 2 oceanos e mais de 14.000 quilómetros de distância, representava a paixão incondicional pelo Desporto Rei por mais modesto que este fosse, delimitava a fronteira futebolística entre o sonho e a realidade.

Após o encontro no Estádio Changlimithang, as duas seleções voltaram-se a reunir, agora fora das quatro linhas para assistirem em conjunto pela televisão à segunda final, e talvez a menos importante, do dia 30 de Junho de 2002 que opunha as duas maiores potências futebolísticas do Mundo. Perante tudo isto, certamente que os deuses do Futebol deram por concluído com especial deleite mais um dia do calendário celeste.

Bancadas completamente cheias | Foto: Hans van der Meer

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