Expansão Marítima Portuguesa: De Leiria a Riade
Com interesses económicos, sociais e políticos completamente distintos dos de Portugal do século XV, a nação valente estará próxima de embarcar em mais uma expedição pelo Índico, desta feita para exportar um dos seus produtos menos aliciantes: a Taça da Liga. Tenho a confessar que convencer alguém de que a internacionalização da Final Four da Allianz Cup é errado avizinha-se difícil, dado o (não) entusiasmo que a competição gera entre os portugueses entendidos da bola.
Só que a questão não se prende apenas pela impossibilidade de os adeptos das equipas participantes assistirem aos jogos no estádio e, ainda que qualquer internacionalização de competições nacionais tenha em 2º plano um contexto político-económico, o problema reincide-se na escolha do mercado: o do Médio Oriente. Assim, Portugal como um bom seguidor de (más) tendências, estará a caminho de se juntar aos vizinhos europeus Espanha e Itália na realização de competições nacionais na península arábica.
Para os adeptos portugueses, assistir à equipa na luta por um troféu em Riade (Arábia Saudita), Dallas (Estados Unidos) ou num cantão da Suíça é causa de indignação em qualquer dos casos – o futebol ao serviço do negócio e da política –, podendo-se aceitar a última opção pela forte presença de comunidades portuguesas. No entanto, a escolha, segundo Rui Caeiro (diretor-executivo da Liga Portugal), ainda que aberta a “todas as geografias”, deverá mesmo ser pelo mercado saudita, com a “ambição dos países do Médio Oriente em ter este tipo de competições” a tornar indispensável a decisão de “aproveitar essa oportunidade que se está a gerar”. Assim, também a liga portuguesa de futebol se mostra entusiasmada com a possibilidade de se juntar ao movimento sportswashing* tão característico do panorama desportivo daquela região nos últimos anos.
Liga Portugal planeia que a final four da Taça da Liga passe a ser na Arábia Saudita, confirmou o diretor executivo Rui Caeiro à @Renascenca.
"A ambição dos países do Médio Oriente em ter este tipo de competições tem estado a incrementar-se de forma significativa e é objetivo… pic.twitter.com/ZIu7WIOAnD
— B24 (@B24PT) January 11, 2024
Dúvidas houvesse, refiro-me ao mesmo Médio Oriente manchado de sangue pelo conflito israelo-árabe. O mesmo Médio Oriente em que subsistem regimes autoritários reféns da exploração de combustíveis fósseis que agravam a crise climática. O mesmo Médio Oriente que, em larga escala e diariamente, viola direitos humanos. E num futuro próximo, será também o palco do campeão inverno português.
Enfim, é a Liga de Portugal a respeitar uma tendência migratória, puramente por interesse económico, e que representa, não o melhor da globalização (a multi e interculturalidade), mas o enriquecimento dos já muito ricos. Os de cá enchem os bolsos, os de lá criam cortinas de fumo, e apertam as mãos uns aos outros antes e após os jogos.
Tudo isto, numa região que, mais do que ser palco de jogos de futebol internacionais, precisa urgentemente de ajuda diplomática, humanitária e liberdade de expressão. Numa sociedade que, de forma generalizada, precisa de emancipar-se de abusos, crises económicas e tensão bélica e teológica entre vizinhos, promovem-se eventos desportivos montados em condições que violam direitos dos trabalhadores e aos quais os locais não têm interesse ou possibilidade de assistir.
Acima de tudo, fica a esperança de que no futuro ter equipas portuguesas a jogar no Médio Oriente seja pelas causas certas e, assim, motivo de orgulho. Por enquanto, não poderíamos estar mais longe disso.
*o termo sportswashing é definido, pela Greenpeace, como “o ato de patrocinar uma equipa ou um evento desportivo para desviar a atenção de más práticas; uma tática frequentemente utilizada por empresas e governos com um mau historial em matérias ambientais ou de direitos humanos, explorando o gosto das pessoas pelo desporto para “lavar” a sua imagem”.