As Crónicas do Sr. Ribeiro – Nove minutos e trinta e seis segundos
Aconteceu num Sábado normal. Um daqueles dias condenados a não ficar na memória. Um qualquer fim-de-semana de Novembro. Nem chovia, nem fazia sol. Estava assim-assim. O jogo também não era especial. Não era a final do campeonato do mundo, nem sequer era uma final.
Era um jogo de calendário, do campeonato nacional de sub-16, a Agronomia recebia o CDUP.
O jogo foi um bocado como o dia. Nada de especial.
Na primeira jogada, fiquei com impressão que o CDUP tinha mais rugby. A Agronomia marcou logo na segunda, mostrando-me que estava errado.
Já tinha visto esta equipa da Tapada a jogar, há pouco mais de um mês, por isso achei que sabia o que eles valiam, mas a sua evolução foi tremenda. Muito mais organizados, mais certinhos a atacar, com boas linhas corridas, opções de passe, e muita capacidade de manter a posse de bola.
Do lado do CDUP, cada placagem que entrava era comemorada como se tivessem marcado pontos, rucks limpos a mil à hora e um jogo bem esclarecido. O CDUP é o CDUP.
Mas as equipas encaixaram bem. E o jogo não teve grande história.
Faltava pouco mais de um minuto para terminar o jogo e a Agronomia vencia por 25-0. Assinalei uma mellee, dentro da área de 22 do CDUP, com introdução para a equipa da casa.
“Vai acabar”, pensei.
Eles formaram, mas o pilar do CDUP não estava bem encaixado. Segurança primeiro. Apitei, mandei levantar e repetir. O tempo ia avançando.
Baixaram, ligaram-se e formaram. O talonador da Agronomia não recolheu o pé, para a bola ser introduzida, embora eu até tenha tentado gritar para ele se lembrar de o fazer. Assinalei pontapé livre para o CDUP.
A mellee desformou, o formação do CDUP agarrou a bola e o meu cronómetro tocou.
“Se chutar para fora o jogo acaba?”, perguntou o jogador portuense.
Quando ia tentar explicar, o capitão não deu hipótese “Nós vamos marcar um ensaio”.
E saíram a jogar. Já fora do tempo, deixei o relógio correr por curiosidade.
Era só esperar uma paragem e acabar o jogo.
O CDUP começou a jogar a uma velocidade que ainda não tinha utilizado nesse dia e ia surpreendendo a Agronomia que foi defendendo, mas recuando muito.
A bola circulava de um lado para o outro do campo, de mão em mão, os rucks quase inexistentes punham a bola cá fora, para voar entre os jogadores que apareciam embalados, vindos de todos os lados. Um ataque de cavalaria parecia, pela velocidade e pelos ângulos de onde vinham.
A infantaria agrónoma encheu-se de brio e coragem e defendeu tudo.
Deram por eles, em cima da própria linha a defender. A defender com a vida, aquilo que para si seriam só pontos. O jogo estava sentenciado, a Agronomia ganhava, sofresse ou não o ensaio. Mas não era opção. Não naquele dia.
Defenderam a sua linha e recuperaram a bola. Um chuto cruzado e eu suspirei de alívio. Ia terminar. Mas, por capricho, a bola não chegou a sair, recuperada por um jogador do CDUP, nova investida nortenha.
Nova defesa irrepreensível até que os agrónomos ganharam uma penalidade.
“Eu quero um ensaio. Quero o ponto bónus!”… Sentenciou o capitão da Agronomia, enquanto os jogadores iam decidindo o que fazer.
E foi a vez da Agronomia atacar com tudo. Jogar à mão com uma qualidade incrível.
Alguns momentos espetaculares de sofrimento e técnica individual. Vi jogadores de 14/15 anos a serem placados por dois defesas, simultaneamente, um aos pés, outro à cintura. E mesmo sendo projectados para trás, conseguiam manter a bola.
Várias vezes achei que a bola ia ser cuspida e o jogo ia acabar. Várias vezes achei que os pontas que ganhavam espaço para fugir iam pisar a linha, achei que alguém sob pressão ia chutar e a bola ia sair.
Mas nada…
Jogo pelo jogo.
Finalmente, não sei quantas fases e investidas foram precisas, o CDUP marcou um ensaio à ponta, bem à ponta, porque não havia espaço para mais.
Não tenho a certeza se apitei, se aplaudi, tal foi a descarga de adrenalina que tive depois de tanta tensão.
A conversão, encostada à linha, saiu irrepreensível.
Apitei para acabar, o director de equipa da Agronomia aproximou-se de mim, mostrando-me o seu relógio “Não deu tempo a mais?”
Olhei para o meu relógio e respondi – “Nove minutos. Nove minutos e trinta e seis segundos. Parabéns, não me lembro de um final assim”.
É que o árbitro no rugby não manda. Não há um tempo de desconto dado por qualquer motivo ou atraso. O jogo acaba à primeira paragem depois de terminado o tempo. E a primeira paragem, neste Sábado, foi nove minutos e trinta e seis segundos depois.
Dizem que o rugby é uma escola da vida. Deve ser verdade, porque este fim-de-semana aprendi muito sobre resiliência e orgulho com o CDUP, e também sobre respeito e ambição com a Agronomia.
Aos jogadores agradeço a lição, aos treinadores, agradeço a preparação que dão a estes craques.
Que dia! Que jogo! Que privilégio estar onde estive! E pensar que era um Sábado normal…
O Fair Play e as Crónicas do Sr. Ribeiro tentaram arranjar imagens ilustrativas do jogo descrito. Infelizmente não foi possível encontrá-las.
One comment
António Amorim Alves
Novembro 28, 2017 at 7:21 pm
que maravilha… este desporto é, definitivamente, fantástico!