Caderneta dos Cromos e pormenores do único Superclásico
A última página da Caderneta dos Cromos dedicado ao Superclásico. Histórias dos Milionários, da Bombonera e de uma rivalidade que atirou grandes estrelas para um dos maiores palcos de sempre do futebol argentino.
MILIONÁRIOS, UMA ALCUNHA PARA SEMPRE DO RIVER PLATE
No início do século XX, o futebol efervescia nas ruas da Argentina e cada vez eram mais os grupos bairristas que se organizavam para criar a sua própria comitiva e agremiação desportiva. O River Plate (1901) nasceu quatro anos antes do Boca Juniors (1905) e ambos nasceram no mesmo bairro de Buenos Aires, o La Boca. O River Plate, como primeiro clube do bairro, teve a oportunidade de adoptar o nome das suas raízes e não o quis. Ainda no século 19, muitos escoceses foram viver para Buenos Aires e levavam com eles os seus pertences.
Acontece que muitos produtos escoceses foram levados durante muitos anos para a Argentina, atracando no porto de Buenos Aires. Pedro Martinez, um dos fundadores do clube, na altura à procura de um nome para o seu clube, viu nas caixas escocesas as palavras “River Plate”. Assim ele escolheu o nome para o seu clube. Era fancy, glamurouso, internacional. A partir daí o River escolheu o seu destino: ser o clube elitista de Buenos Aires, dos burgueses e requintados. São de Boca, bairro pobre, mas são os milionários. Sim, eles são apelidados de “Los Millionarios”.
Foram o primeiro clube da história do futebol mundial a investir forte em reforços. Hoje em dia estamos habituados a um núcleo de clubes que não olha a gastos para reforçar a sua equipa, mas naquela altura (falamos da década de 20 e 30), era algo inexistente. Em 1931, o River Plate decide investir 10 mil pesos (2 mil dólares naquele tempo) em Carlos Barullo.
Ficou em quarto lugar. No ano seguinte contratou Berbabé Ferreyra por 35 mil pesos. A onda de contratações de Galácticos da altura continuou e o clube investiou 105 mil pesos em 3 anos. Muita fruta. Estava escrito o DNA do clube mais requintado do futebol argentino.
A BOMBONERA CASA DE GLÓRIA, HONRAS E… DE MORTOS?
Boca Juniors preferiu estabelecer o seu estádio no meio do bairro La Boca. Mesmo que isso implique enfiar um estádio de 49.000 lugares no meio dos prédios do bairro. A arquitectónica é fascinante, as cores do estádio hipnotizantes e tudo isto num bairro que respira futebol.
A linha do comboio passa ao lado das suas portas, o boteco do Sr. Zé lá do sítio está mesmo ali e a casa de grandes craques que se revelaram naquele clube também estão a poucos quarteirões. Se o estádio por si só já impressiona, imagino com ele cheio, com os xeneizes a cantar e saltar durante 90 minutos (ou o tempo que a equipa lhes pedir), com uns quantos alucinados a escalar a rede que divide o campo da bancada. Ah e claro… imagino o estádio com Maradona a gritar na tribuna, em sintonia com os seus.
Imagino uma autêntica loucura. Mas nunca a minha imaginação chegará perto da real paixão daqueles adeptos. Numa certa altura, os tratadores de relva do clube começaram a reparar que a relva estava a morrer com muita facilidade, indecentemente do corte ou da quantidade de água.
O motivo é surreal: os adeptos depositavam cinzas no relvado. Cinzas de falecidos que tinham como ultimo desejo, terem o seu corpo na Bombonera. Chegou a um ponto crítico de tantas cinzas no relvado que simplesmente o tapete do relvado já não se conseguia regenerar. Tiveram que trocar de relvado. Mais: para que a situação não se voltasse a repetir, criaram um cemitério oficial do Boca Juniors ao lado do estádio para que os adeptos que quisessem descansar eternamente perto do seu Boca, tivessem essa possibilidade. De loucos, não é?