O Baú de “Mister’s”: Nevio Scala, o milanês que fez sonhar Parma

Francisco IsaacJulho 18, 201814min0

O Baú de “Mister’s”: Nevio Scala, o milanês que fez sonhar Parma

Francisco IsaacJulho 18, 201814min0
O Parma hoje em dia está renascido e tenta recuperar a sua antiga forma, mas durante os anos 90 foi uma força total graças a Nevio Scala. Conhecer o Herói de Parma?

O Fair Play continua com a sua rubrica para falar única e exclusivamente de treinadores, do seu impacto em um (ou mais) Clube(s), país(es) e na própria mentalidade do futebol. Depois de falarmos de Terim, Hitzfeld, Romantsev e Clough (a parte dois chegará em Agosto) vamos a uma lenda do futebol italiano tanto dentro como fora do campo: Nevio Scala.

Mas o que há para dizer sobre um treinador que só treinou 7 clubes em quase 20 anos de carreira como técnico-principal? Leiam e depois digam se é suficiente.

“MENINO” DO MILAN E EXEMPLO EM FOGGIA

Nevio Scala jogou futebol profissional durante os anos 60-70 por diversos clubes italianos, em especial no seu AC Milan, clube que o formou na prática. Um eterno apaixonado pelos Rossoneri, Scala actuava na posição de médio-centro, mais virado para ser um 8 actual do que um 6. Fazia uso do seu passe assertivo e visão de jogo cuidada para se destacar em campo, prestando auxílio ao bloco defensivo de uma forma imensa.

Era um jogador de ajuda e para descomplicar a forma como a bola se geria em campo, entrando bem na lógica do catenaccio, algo que era muito usual na altura até por “culpa” de Nereo Rocco, outra lenda do futebol italiano, em especial dos milaneses. Apesar dos seus altos índices de trabalho, raça e segurança, Nevio Scala foi praticamente um suplente (de luxo) nos esquemas tácticos do AC Milan.

Sucintamente, Nevio Scala jogou por vários clubes da Serie A desde a Roma, Vicenza (três anos e 60 jogos), Fiorentina, Inter, Foggia (foi na altura dos maiores ícones do clube), Monza e Adriese (Serie B), com mais de 300 jogos em Itália. Fez parte da equipa do AC Milan que ganhou a Taça dos Campeões Europeus em 69, a Taça das Taças e Serie A em 68, altura em que teve as suas maiores conquistas.

A sua dedicação no futebol foi tal que o italiano tentou desde cedo aprender como funcionava o jogo, como se operavam as transições, a leitura defensiva, o trabalho de ataque, inspirando-se no que Rocco lhe tinha ensinado em Milão. Em Foggia foi onde “perdeu” mais tempo para aprender sobre o jogo e qual o melhor caminho para ter um elenco estável e uma ideia de jogo concisa e bem trabalhada.

Essas experiências, assim como o facto de ter andado por toda a Itália, foram-lhe conferindo as ferramentas necessárias para se lançar no futuro como técnico-principal. Entre 81 e 86 ficou a treinar escalões de formação, assim como trabalhou na indústria italiana automóvel, mas sem descurar o seu sonho de chegar ao banco de suplentes.

(E)SCALA EM REGGINA PARA VINGAR EM PARMA

Começou a ganhar algum reconhecimento, escalando nas equipas de formação, onde despontou pela forma séria e inteligente como que trabalhava junto dos clubes, em especial no Reggina. Foi exactamente pelo clube do sul de Itália que obteve a sua primeira experiência no banco de suplentes. Pelo Reggina quase que conseguiu uma promoção à Serie A, perdendo essa hipótese no tie-break (na altura o 4º e 5º classificado discutiam a 4ª vaga de promoção da Serie A numa finalíssima)  ante o Cremonese.

Foi quase um feito, devolver o Reggina à principal divisão de futebol profissional italiano e esse facto promoveu-lhe um convite de um clube interessante, o Parma. Para os que desconhecem, os ducali tinham caído nas divisões amadoras em 1969 depois de uma insolvência decretada pelos tribunais italianos (parece cíclico). Entre 69 e 89, o Parma esteve entre a Serie D/C/B, ficando perto de subir à A mas sem sucesso apesar dos fascinantes treinadores que tiveram durante esses anos: Cesare Maldini, Arrigo Sacchi ou Zdeněk Zeman.

Sacchi até foi o técnico que teve mais sucesso, levando-os ao 4º lugar, eliminando o AC Milan na Taça de Itália, algo que viria convencer Silvio Berlusconi a recrutar um dos treinadores mais bem sucedidos do Milan. Zeman já não teve tanto sucesso e acabou despedido ao fim de 7 jogos (cíclico, mais uma vez…). Esta saída permitiu a chegada de Nevio Scala ao Parma que precisava de uma vitamina diferente.

Num par de anos virou o clube do avesso, subindo da Serie B até chegar à Europa, lançando vários jogadores de alto calibre pelo caminho… mas já lá vamos. Logo em 89/90 consegue a promoção para um clube que não sabia o que era a Serie A desde dos anos 60. Foi um momento de viragem, em especial pelo futebol credível que os ducali apresentavam, dotados de uma fisicalidade total que espremia o ataque adversário. O trabalho de pressão controlado, o desenvolvimento de transições simples mas funcionais eram elementos fundamentais de Scala no Parma.

A subida ao principal escalão italiano abriu a porta para reforços sonantes ou que estavam a aparecer: Taffarel (guarda-redes do Brasil), Thomas Brolin (o sueco estava a aparecer no futebol europeu), Georges Grün (central belga raçudo e inteligente na saída com bola) ou Stefano Cuoghi (o letal criativo que veio acabar a carreira no Parma). O capitão do Parma era o formidável e lendário, Lorenzo Minotti.

Minotti era a “voz” de Scala no campo, potenciando a derivação defensiva e ofensiva do catenaccio de Scala dentro das quatro-linhas, munido de uma lealdade extrema para com a sua equipa e um letal central dentro da grande área como provam os 30 golos marcados em 280 jogos pelo clube. O plantel era munido de ideias, de boas opções e de um treinador com vontade de fazer algo de impactante em Itália.

Logo em 1990/1991 conquistaram o direito a participar na Taça UEFA, pois terminaram na 6ª posição, com 38 pontos. Contudo, uma boa parte dos técnicos adversários foram excessivamente críticos com a estratégia de Scala, que assumia um comportamento super-defensivo para apostar em boas saídas de contra-ataque, obrigando os adversário a viver sem bola e esperar pelo avanço inteligente do Parma no terreno.

A verdade é que os seus rivais não entendiam como desbloquear o Parma na maioria das vezes, muito pela estratégia de três centrais, com laterais mais avançados, duplo-pivot mais um médio tipicamente criativo que defendia um pouco menos e dois avançados, mais dotados pela sua velocidade e eficácia do que presença na área. Era uma expressão do catenaccio sensacional, com novas nuances de Scala… era uma revolução no Calcio e, também, na Europa. Por falar em Europa…

A ASCENSÃO DO CATENACCIO EUROPEU DE SCALA

Se em 1991 terminaram em posição de irem à Taça UEFA (foram eliminados logo na primeira eliminatória frente ao CSKA de Sófia, devido a um golo mesmo no final do jogo dos búlgaros em Itália), na seguinte ficaram fora dos lugares de acesso à Taça UEFA quando terminaram em 7º (4ª melhor defesa e 10º pior ataque) na classificação geral da Serie A. A sorte é que os ducali foram à final da Taça da Itália, ganhando no somatório das duas mãos frente à Juventus.

O 1-0 sofrido em Turim foi anulado no Stadio Ennio Tardini com uma vitória por duas bolas a zero. A Vecchia Signora foi vítima do esquema brilhante de Scala, sem que Giovanni Trapattoni conseguisse dar a volta.

Foi o primeiro grande sucesso depois da 1ª queda e repôs um sorriso nos adeptos que estavam completamente apaixonados pelo catenaccio de signori Scala.  O Parma volta a ir assim à Europa pela via da Taça das Taças e desta feita vão aproveitar essa presença para começar a escrever uma das páginas mais memoráveis da sua História.

Em 1992/1993 Scala (que tinha renovado para mais duas temporadas) reforçou a sua equipa com Sergi Berti (jogou 8 jogos, sem nunca render o que realmente valia), Faustino Asprilla, Marco Ferrari, Fausto Pizzi (um regresso a casa para o médio que nunca teve sorte no seu clube de sempre), Marco Ferrante e Gabriele Pin.

Taffarel continuou (vai falhar a final por lesão) no plantel, assim como as outra grandes estrelas que formavam um elenco intenso, motivado, apaixonado e que acatavam as ordens de Scala do princípio ao fim, o que possibilitou uma época memorável para o Parma. 3º lugar na Serie A, com vitórias frente à Juve, Inter, Roma e o Milan, atingindo uma das melhores classificações da história do clube.

Mas o que interessa é a Taça das Taças, aquela competição mítica do futebol europeu que cada vez mais está esquecida pela memória do futebol. O Parma não perdeu qualquer jogo entre a 1ª ronda e a final, eliminando o Újpest, Boavista e Sparta Prague. Do outro lado estaria o Royal Antwerp, formação belga algo “desconhecida” que tinha ganho o direito de ir à final depois de ultrapassar o Glenavon, Admira, Steaua Bucareste e Spartak de Moscovo.

Para o leitor poderá parecer que o Antwerp não era uma equipa complicada, mas era o oposto. Não tinha jogadores supra-conhecidos, verdade, fiando-se no seu colectivo, num futebol solidário, duro, de linhas baixas e um bloco defensivo eficiente. Aguentou dois prolongamentos nos encontros frente ao Glenavon e Admira e superou os moscovitas depois de uma derrota por 1-0 fora.

Em pleno Wembley e perante 40 mil pessoas, o Parma assumiu o jogo desde o 1º minuto, algo que não estava acostumado a fazer de todo. Os belgas responderam bem ao tento inicial do capitão Lorenzo Minotti, com o empate a chegar pelo ponta-de-lança Francis Severeyns (era de longe o melhor jogador desta formação), forçando os italianos a procurarem outras opções de jogo.

Todavia, felizmente para Scala, os seus jogadores acreditaram na sua estratégia de jogo e iriam fazer o 2-1 e 3-1 por Alessandro Melli e Stefano Cuoghi. No espaço de três anos, os ducali levantaram a Taça de Itália e a Taça das Taças. Foram os primeiros sucessos do Parma a este nível e Scala fora o mestre por detrás de tudo. Mas o melhor ainda estava por vir!

A época seguinte até começou bem com a vitória na Supertaça Europeia, destronando o AC Milan que era “só” o campeão da Taça dos Campeões Europeu em título, uma equipa recheada com jogadores fenomenais como Marcel Desailly, Paolo Maldini, Alessandro Costacurta, Franco Baresi, Roberto Donadoni, Jean-Pierre Papin e Dejan Savicevic. Na altura este troféu era disputado em duas mãos e entre o vencedor da competição que viria a ser a Liga dos Campeões e Taça das Taças.

Um encontro tipicamente italiano e que foi decidido em San Siro, pois os milaneses levaram uma vitória de 1-0 para casa, sem que a conseguissem a defender durante a 2ª mão da competição. Ainda com Pin e Brolin na equipa e Minotti a capitanear, o mágico Zola (reforço nesse Verão) a deliciar o ataque, os ducali forçaram um prolongamento… que terminou da melhor forma possível: o Parma reinava na Europa.

ZOLA A FANTASIAR, BROLIN A DESENHAR E BAGGIO A MARCAR

Nessa época não festejaram mais nenhum feito, terminando em 4º na Serie A, indo pelas segunda vez consecutiva à final da Taça das Taças. Porém, aí a sorte não foi tão risonha e Alan Smith fez o único golo do encontro para o Arsenal e o Parma perdia assim a hipótese de ser a primeira equipa a ganhar de forma consecutiva este troféu. Zola foi “eliminado” por Paul Davis, Steve Morrow e Ian Selley, que operaram com excelência no “miolo” de jogo.

Uma época que não foi de todo feliz, com alguns erros em momentos capitais… Scala aprendeu, redefiniu alguns dos pormenores do Parma e pediu nova massa humana para levar o clube a mais títulos. A direcção anuiu ao pedido e chegaram ao norte de Itália Fernando Couto, Dino Baggio (ainda hoje é considerado uma das trocas de maior impacto na Serie A), Mario Caruso, Stefano Fiore (o mesmo que viria a ganhar um campeonato pela Lazio) e Giovanni Galli (internacional italiano).

Um misto de estrelas, guerreiros leais, novas “pérolas” criaram uma mistura tão potente que possibilitou o Parma chegar ao 3º lugar da Serie A, ombreando com a Juventus, Roma, Inter e Nápoles. Uma formação mais agressiva, dominadora e que gostava de se expandir em campo assumiu o protagonismo na liga italiana onde Dino Baggio, Gianfranco Zola, e Thomas Brolin ia completando uma das melhores ataques de sempre em Itália.

Só que houve algo que ultrapassou este feito da Serie A: a conquista da Taça UEFA em 1995. No final da época e depois de ultrapassar várias eliminatórias em que eliminaram o Vitesse, AIK, Athletic de Bilbao, Odense e Leverkusen, chegaram a nova luta por uma competição europeia… à sua espera quem estava? A super Juventus de Marcello Lippi. Paulo Sousa era o trinco a par do outro pivô, Didier Deschamps, jogando na frente de ataque com Roberto Baggio, Fabrizio Ravanelli e Gianluca Vialli.

Era uma formação mortífera e desafiadora, que já tinha feito estragos na liga italiana nos últimos anos e que tinha dérbis com o Parma fantásticos… seria mais uma tarde à Scala? Ou il professore Lippi ia voltar a dar lição? Nas duas-mãos houve sempre mais Parma que Juventus, muito pela humildade e paixão que os ducali apresentavam dentro de campo. A Juventus foi apanhada naquela armadilha táctica de Scala e nunca conseguiram romper com a vantagem dos seus adversários.

A Taça UEFA era do Parma, 4º troféu em seis anos e Nevio Scala tinha conquistado todas as competições da Europa a nível de clubes se contarmos com a sua carreira de jogador.

Em 1997 viria a abandonar o Parma, depois de um segundo lugar histórico para fechar a sua história no clube. Foi para Dortmund onde levantou a Taça Intercontinental, parando de treinar entre 1998-2000. No virar do milénio ainda treinou o Besiktas, Shakhtar Donestk e Spartak de Moscovo, sem nunca atingir os sucessos do passado.

Em 2015 viria a voltar ao Parma para assumir o cargo de Presidente, depois da queda para a Serie D, operando uma autêntica reestruturação (a terceira) do Parma, que até mudou de nome para Parma Calcio 1913. Scala é ainda presidente a nível honorário dos ducali, assumindo uma paixão por um clube único no futebol italiano: tem quase tantas insolvências como títulos, sendo que quatro deles foram pela visão de Nevio Scala, homem que levou o catenaccio a um máximo diferente, com variações únicas.

Colocou um clube menor no caminho dos maiores, lançou grandes jogadores, promoveu a vinda de grandes jogadores, assumindo-se sempre um apaixonado pelo seu Parma. Um técnico que nunca deve ser esquecido pela sua humildade, postura certa, enorme amor pelo futebol e que estava pronto para ensinar e aprender.


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