O Baú de “Mister’s”: Brian Clough, o Big Ead de Derby e Nottingham pt.1
Eu não quero elogios inatermináveis ou esse tipo de coisas no meu epitáfio. Eu gostava que dissessem apenas que eu contribui [para o futebol] e que gostassem de mim e relembrassem de mim dessa forma.
Estas foram algumas das palavras de Brian Clough durante os últimos anos da década de 90 do século passado. Para a maioria das pessoas nascidas durante essa década, o nome de Brian Clough é “estranho”, uma vez que a sua carreira terminou em 1993 após quase 42 anos de ligação ao futebol, 30 dos quais como treinador.
Mas então quem era Brian Clough? E o que fez de tão especial para merecer repetidos elogios, estátuas em Nottingham e várias páginas de recordação nos almanaques de futebol? Se forem ver a lista de campeões europeus dos anos de 1978/1979 e 1979/1980 poderão observar que houve um bicampeão incomum: Nottingham Forest.
A formação do centro da Inglaterra que hoje em dia milita na Championship, campeonato do qual não saem desde 1999. A partir dessa altura os problemas financeiros começaram a saltar para as “ruas”, resultado de anos de erros sucessivos em termos de gestão do plantel.
Pode-se dizer que a queda começou quando Clough abandonou o clube em 1993, iniciando aquilo que seria uma descida aos infernos.
Para saberem um pouco mais sobre a história do Forest recomendamos a leitura do artigo de João Negreira que analisa se os Forest alguma vez vão sair da Championship e voltar a disputar a Premier League: Gigante Morto ou Adormecido – Nottingham Forest.
O que nos interessa aqui explorar é a história de Brian Clough… e Peter Taylor. Isto é outro ponto importante de referir, que o Forest não tinha um treinador, tinha dois! A dupla Clough–Taylor foi um daqueles pares sensacionais do futebol raro de se ver nos dias de hoje.
UMA AMIZADE, UMA PAIXÃO E UM DESTINO: VENCER!
Esta amizade começou em 1955, altura em que Taylor foi contratado pelo Middlesbrough, iniciando-se uma ligação especial que duraria até tarde.
Como disse Humphrey Bogart, no papel de Rick Blaine no filme Casablanca (lançado em 1942), para o capitão Louis Renault (Claude Rains): Louis, this looks like the beginning of of a beautiful friendship (Louis, isto parece o início de uma bonita amizade), ou seja, foi assim o começo de uma proveitosa e longa amizade e relação profissional.
Contudo, se não se importarem, recuemos uns anos na vida de Brian Clough para perceber onde tudo começou. Nascido em Middlesbrough, desde cedo iria evidenciar jeito para o futebol, conquistando o seu espaço nas camadas de formação do Boro.
Em 6 anos como futebolista sénior ao serviço do clube do norte da Inglaterra, Clough somou 204 golos o que faz dele, ainda hoje, do 3º melhor marcador da História do clube.
Sem que conseguisse conquistar qualquer título, Clough seguiu para Sunderland onde ficou um par de temporadas até se retirar devido a uma lesão complicada no joelho.
Com 29 anos, o ponta-de-lança inglês (internacional por duas vezes no ano de 1959) deixa para trás um score de 251 golos em quase 300 jogos. Fica a curiosidade que Clough é dos avançados ingleses com melhor rácio de jogos/golos da História do futebol inglês.
Com 30 anos e uma ligação muito especial à redonda, o “filho” de Middlesbrough decidiu aceitar o convite para treinar a equipa juvenil do Sunderland. Contudo, e de forma inesperada, Clough recebeu um convite para treinar uma equipa sénior: o Hartepools United. Um dos requisitos imediatos exigidos por Brian Clough foi a contratação de Peter Taylor, que tinha terminado a sua carreira de atleta de futebol em 62′.
Taylor e Clough tinham jogado juntos no Boro e partilhavam as mesmas ideias em termos de estratégia, ideais e forma de treinar… onde divergiam era a forma como ripostavam contra os adversários, com Clough a ser mais “espirituoso”, enquanto que Taylor preferia ser mais comedido.
O clube acedeu e os dois começaram a trabalhar juntos, colocando as suas ideias e estratégias em prática, com o Hartepools a “sofrer” as primeiras experiências de uma dupla irreverente e que poria o futebol em polvorosa.
A verdade é que o clube estava num estado financeiro lastimoso, com dívidas acumuladas e uma falta de dinheiro para pagar até ao motorista da carrinha.
Brian Clough a certa altura tirou mesmo a carta de pesados e assumiu esse trabalho-extra durante uns tempos, tempos esses que o treinador se recordava com grande saudade e emoção. As lições que a parceria de treinadores aprendeu em Hartepool tiveram um grande impacto na sua vida profissional, percebendo que com pouco se podia fazer muito.
DERBY COUNTY: REFAZER O CLUBE E GANHAR NOS IMPROVÁVEIS
Ao fim de dois anos no clube veio o melhor convite possível: o Derby County queria contratar o par. O Hartepool saiu a ganhar duplamente porque recebeu uma fee pequena pela saída dos treinadores Clough e Taylor e ainda viria a colher os frutos do trabalho extraordinário do par, já que na época seguinte subiriam de divisão.
O Derby, um histórico clube inglês, estava com problemas a nível competitivo uma vez que não sabia o que era jogar na principal divisão do futebol inglês há uma década. Um clube sem rumo, com vários problemas que iam desde a direcção técnica até… a quem servia as refeições no clube.
Verdade, há uma história (que pode ser “mito”) de que Clough apanhou as senhoras do chá às gargalhadas e bem-dispostas a seguir a uma derrota do Derby. Resultado? Despedimento.
Clough viva entre uma pessoa agradável que gostava de trabalhar e partilhar ideias, de falar com os adeptos e outras personalidades, preocupado com os jogadores, para uma pessoa tempestiva, que não gostava nada de confusões e que, por vezes, reagia a quente às discussões com decisões complicadas.
Era a sua forma de viver no futebol, era a sua maior paixão (e por vezes a única) e quem não levasse a sério a sua profissão ou tivesse uma falha (mesmo que fosse só uma) Clough reagia logo de imediato.
Voltemos à era de Clough-Taylor no Derby County: chegaram em 1967 ao clube e só viriam a abandoná-lo em 1973. E o que se passou durante essas 7 épocas? Muita coisa, muito títulos, feitos e histórias. A primeira temporada serviu para começar a colocar os ladrilhos no caminho que iria levar o Derby no caminho certo dos títulos, terminando num cinzento 18º lugar (71 golos marcados e 78 sofridos).
A dupla observou as falhas dentro do plantel e de uma época para a outra entraram cerca de 10 jogadores novos, com destaque para as contratações de Les Green (guarda-redes com reputação nas ligas secundárias inglesas e que é referenciado hoje em dia como um daqueles jogadores leais e que pouco ou nada falhava), John McGovern (médio centro com um bom controlo de bola e autoritário) ou Alan Hilton (o extremo ganhou reputação pela sua velocidade e remate potente).
Mas foi a chegada de Rory McFarland que deu a resistência e resiliência necessária ao eixo defensivo dos Rams. O Derby terminou a temporada de 67/68 com 78 golos sofridos para na época seguinte consentir apenas uns 32. Uma redução para mais de metade.
De um ano para o outro, o Derby County abandonou o fim da tabela e deu o salto para o 1º lugar, conquistando o direito de fazer parte da Primeira Divisão inglesa (só receberia o nome de Premier League em 1992)… era altura de Clough e Taylor de iniciarem o processo de “terror” na principal divisão de futebol.
Na primeira temporada da dupla no principal escalão, o Derby terminou em 4º, à frente de Liverpool, Manchester United, Arsenal, Tottenham Hotspur ou Nottingham Forest.
O impacto do futebol de Clough foi arrebatador, com vários jornalistas desportivos da altura a elogiarem o conjunto de Derby, com um futebol estruturado, onde a defesa cínica e eficaz metia os adversários à deriva… 14 golos sofridos nessa 1ª temporada.
Rory McFarland seria chamado para a sua primeira internacionalização no ano seguinte, algo que prova o efeito de Clough-Taylor nos seus comandados, isto apesar da época seguinte não ter terminado tão bem como a anterior (9º lugar). Segue-se o ano dos improváveis.
Porquê dos improváveis? Comecemos pelo início. O Derby foi ao mercado reforçar-se com Colin Todd, um central jovem de 23 anos, que saiu de Sunderland (Brian Clough ficou sempre com um “olho” na sua antiga casa) e Roger Davies (avançado inglês que não fazia muitos golos mas reunia as capacidades suficientes para mexer o ataque na área).
Fez subir Steve Powell com apenas 16 anos (nunca seria jogador de selecção, mas é considerado uma das lendas dos rams) e manteve a maioria do plantel.
O Derby fez uma excelente temporada, ombreando com os gigantes do futebol inglês numa luta sensacional… até à última jornada. História engraçada: o Derby, Leeds United e Liverpool chegaram à última jornada divididos por um e dois pontos, respectivamente.
Clough só precisava de ganhar ao Manchester City e, dessa forma, segurar o título de campeão.
Todavia, os citizens não só impediram que o Derby conquistasse o título, como ganharam o encontro, deixando os rams à mercê do Leeds e do Liverpool. O Leeds só tinha de ganhar frente ao Wolves (9º classificado)… mesmo que o ‘Pool somasse a vitória no jogo ante o Arsenal, os Whites tinham melhor goal avarage.
Brian Clough e Peter Taylor decidiram sair de Inglaterra com toda a equipa, sendo que o primeiro foi para a Sicília com a família e o segundo foi para Maiorca com o plantel. Estranho? Não, Clough-Taylor queriam a equipa longe da pressão.
A parte engraçada é que o Leeds tropeçou fora perante o Wolves, sofrendo uma derrota por 2-1 no Molineux, enquanto que os Reds não foram além de um empate… Derby campeão e a equipa nem estava em solo inglês! Insólito! O par de treinadores tinha levado uma “simples” equipa de Derby ao título inglês pela primeira vez em 88 anos de história do clube.
Um plantel humilde, trabalhador, extraordinários a defender e a fechar as alas (voltaram a ser a melhor defesa ao lado do Leeds), exímios na hora de meter a bola atrás do guarda-redes, geniais quando era necessário, duros mas leais quando era a sua obrigação e formidáveis pela sua paixão pela redonda.
Clough e Taylor tinham transpirado todas as suas ideias num clube que absorveu todo esse conhecimento.
A QUEDA IMPROVÁVEL E AQUELE DAMNED UNITED!
Com o apuramento para a Liga dos Campeões (ou mais conhecido como a Taça dos Campeões Europeus), o Derby contratou um único jogador: David Nish por 225 mil libras (um valor altíssimo na altura!).
No campeonato as coisas correram menos bem, tendo terminando em 7º, mas na Liga dos Campeões atingiram as meias-finais. Pelo caminho derrotaram o SL Benfica, Spartak Trnava e Željezničar, para depois perderem ante a Juventus (3-1).
O mau feitio de Clough ficou bem patenteado quando virou-se para os jornalistas no final do encontro com os italianos, afirmando que “aqueles batoteiros de um raio”, como dizendo que a Juventus tinha “aliciado” a equipa da arbitragem. Nessa mesma época o técnico campeão pelo Derby começou a entrar em desvarios emocionais que iriam pôr fim à sua ligação com o Derby.
Desde ataques aos adeptos (criticou-os, dizendo que só apoiavam a equipa quando estava a ganhar e que quando se encontravam em desvantagem era um silêncio total), a discussões com a direcção (desde transferências a críticas declaradas no pós-jogo), a comprar jogadores sem ordem do presidente (Nish foi um caso, mas houve tentativa de assinar Bobby Moore por 400 mil libras, algo que poderia mexer com as contas do Derby County), a insultar lendas do futebol inglês (por mais que uma vez atacou Matt Busby e mais uns quantos, com afirmações de que eles pertenciam a um grupo que mandava nos destinos do futebol) e a criar uma guerra pessoal com o presidente dos Rams, Sam Longson.
A direcção do Derby despediu o par de treinadores, com a restante equipa técnica a acompanhá-los para outras aventuras… e o Derby? O Derby conquistou o título no ano seguinte, mas iria descer de divisão no final da década de 70, subindo de volta só em 1987… nunca mais foi um clube que pudesse ombrear com os gigantes da Premier.
E para onde foi o par mais apetecível de toda a Inglaterra? Para a 3ª divisão de futebol, ficando a cargo do pouco conhecido Brighton & Hove Albion. Entre 1973 e 1975 é o interregno da genialidade de Brian Clough, ficando excessivamente “embriagado” pelo seu sucesso.
No Brighton não foi além de um 19º lugar e acabou por desiludir os fãs quando assinou pelo Leeds United.
Por falta de tempo, não mencionámos que Clough detestava o Leeds dos anos 70, apelidando-os de “batoteiros”, “sujos”, “com um futebol de agressividade desnecessário” e que manchava o futebol inglês. O seu desagrado pelo Leeds era só ultrapassado pelo ódio que emanava contra Don Revie, com ambos a demonstrar o seu profundo “descrédito” um pelo o outro.
Peter Taylor ficou decepcionado pela decisão do seu colega e recusou-se a acompanhá-lo naquilo que seriam uns 44 dias de miséria para Clough, onde conseguiu arranjar guerra e discussões com tudo e todos a começar pelos jogadores. Conta-se que Clough quis dispensar metade da equipa antes da pré-época, etiquetando-os de “banais” apesar de serem os campeões em título da Primeira Divisão inglesa.
Se isso já não era mau o suficiente, Clough humilhava dia após dias as estrelas do clube, com afirmações do género “tudo o que ganharam antes não valeu porque ganharam de uma forma desleal e suja.”. A direcção do Leeds aguentou 44 dias disto e despediu o fantástico mas furioso treinador.
Esta história dos 44 dias deu direito a um filme chamado de The Damned United que fala dessa passagem do treinador pelo Leeds… um excelente filme bem representado e que explica o que deverá ter sido aquele mês e meio na vida de Clough e dos jogadores/adeptos/direcção dos Whites.
De 1973 até 1975 foi o pior dos momentos para Clough, que nunca soube saborear a conquista do campeonato, optando por entrar numa guerra directa contra todo o sistema do futebol de Sua Majestade.
A segunda parte sairá nos próximos dias em que falamos da chegada de Clough a um “pobre” Nottingham, à sua revitalização, ao sucesso nacional e ao apogeu europeu… até aos momentos mais “tristes” da sua vida pessoal