Râguebi: eis o Seis Nações, o torneio mais antigo do mundo
Estamos naquela altura do ano outra vez, em que o frio “magoa”, o estar em casa é quase uma obrigação e em que ver uma boa série são palavras de ordem. Mas o que há para ver para além do futebol, os campeonatos de Snooker, o All-Star da NBA e mais uns quantos desportos?
O que são as Seis Nações?
Propomos que procurem na programação os seguintes jogos que estão todos etiquetados no início por “Seis Nações”. O que são as Seis Nações? Um torneio sem igual, mais antigo que uma série de instituições europeias e mundiais, mais antigo que o futebol ou que a maior parte das outras modalidades. Sem floreados: as Seis Nações são o torneio europeu mais antigo em atividade, que coloca frente-a-frente as seleções de râguebi da Irlanda, Inglaterra, Escócia, País de Gales, França e Itália.
Ao contrário do Campeonato da Europa de Futebol, ou da maioria das outras modalidades, as Seis Nações decorrem anualmente, tendo o torneio sido “paralisado” apenas durante os anos de Grandes Guerras (e ligeiramente depois, nos pós-guerras).
Façamos, portanto, uma descrição e uma resenha histórica do torneio, de modo a que os leitores que desconheçam o evento por completo ou, pelo menos, não saibam da sua base histórica, fiquem devidamente contextualizados.
Em 1883 iniciaram-se as Home Nations, torneio que colocava frente-a-frente as formações britânicas. Como sempre, a luta pelo poder entre estas quatro “irmãs” era titânica, levando à imprensa, personalidades e público em geral a entrar num nervosismo que fazia aumentar grandemente o interesse pelos jogos.
Note-se que este Torneio é tão ou mais importante para as gentes da Grã-Bretanha e Irlandas quanto o Campeonato da Europa de futebol por exemplo. Mais: aqui não existe Irlanda do Norte e Irlanda, existe só e exclusivamente uma Irlanda, unificada sob o mesmo estandarte e um hino diferente, apelidado do Ireland’s Call.
A luta entre ingleses, galeses, escoceses e irlandeses levou até a que se formassem mini-competições dentro desta grande competição. Exemplo disso era – e é – a Calcutta Cup, taça que é disputada através de um jogo entre Inglaterra e Escócia, de forma a celebrar a partida realizada entre os 20 jogadores de cada lado no dia 24 de Dezembro de 1872, em Calcutá.
Mas voltemos às Home Nations. Esta competição moldou os campeonatos locais de cada país, colocando os clubes mais ao serviço das nações que o contrário. Quando os selecionadores escolhiam os plantéis, os jogadores selecionados passavam a ter uma utilização moderada por parte dos seus clubes, para impedir lesões ou, pelo menos, um cansaço físico que lhes retirasse frescura para o torneio.
Em 1910, as Home Nations passam a ter um novo convidado entre si, com a entrada da França. Esta seria a penúltima mudança no torneio. Os gauleses só viriam a ganhar a competição em 1954, o que criou uma espécie de irritação para os ingleses, já que cada jogo entre estas formações remontava à Guerra das Rosas.
As Cinco Nações foram aumentando de intensidade, reformulando formas de jogar e estar, levando a que fosse um torneio tão importante como o Mundial de râguebi, não só em termos de espetáculo, mas também ao nível da publicidade e promoção do evento.
É, acima de tudo, um torneio de honra e orgulho. De afirmação da qualidade das canteras de cada país.
Por fim, em 1999, as Cinco passam a Seis, com a Itália a merecer o “bilhete-dourado” para fazer parte de uma competição privada. Porque dizemos privada? As Seis Nações não estão debaixo do controlo das instituições europeias ou mundiais de râguebi, como a Rugby Europe ou World Rugby…É uma competição privada, fechada e organizada por agentes privados.
A partir de 2000 temos as Seis Nações atuais, que a Inglaterra já conquistou por seis ocasiões, a França cinco, o País de Gales quatro e a Irlanda três. O que há para disputar nas Seis Nações?
O Millenium Trophy (entre Inglaterra e Irlanda), a Centenary Quaich (Escócia e Irlanda), a Giuseppe Garibaldi Trophy (em honra do unificador da Itália, que era francês de nascença e deixou uma marca profunda em ambos os países) e, o mais “negro” de todos pois é atribuído à seleção em último, a Wooden Spoon. Para além desses há ainda o Triple Crown (para a formação das “ilhas” que ganha às suas congéneres) e o Grand Slam (só vitórias em toda a competição).
Passemos agora à antevisão de toda a competição, deixando já esta nota: em 2017, cerca de 67 mil adeptos viram cada jogo, perfazendo quase um milhão de pessoas durante os quinze jogos de toda a competição… Para termos uma ideia, o Euro 2016 de futebol teve cerca de 47 mil por jogo ao longo de toda a competição.
A Campeã: Inglaterra
Se no futebol ou críquete (duas das maiores modalidades em Inglaterra) os ingleses não andam com muita sorte, já no râguebi as coisas mudaram por completo nos últimos dois anos.
Com Eddie Jones ao comando (um australiano que tem conquistado diversos títulos e troféus nos últimos 20 anos), a selecção de Sua Majestade mudou por completo a sua “cara” e começou por exercer força sobre os seus rivais, tomando o controlo por completo em 2016 e 2017.
Relembramos que no Mundial de Râguebi de 2015, realizado em Inglaterra, a equipa da casa não só jogou pessimamente, como ficou de fora da fase a eliminar pela primeira vez desde 1987 (ano da primeira realização dessa competição), o que colocou o râguebi inglês num estado caótico.
Eddie Jones assumiu então o comando da formação inglesa, colocando-os no caminho certo, de tal forma que alcançaram 17 vitórias de forma consecutiva. A Irlanda, já em 2017, foi que seleção que colocou um fim a essa sequência recordista (ficaram a uma de quebrar com o recorde por completo).
Um dos segredos do seleccionador inglês passou por montar um grupo “gigante” de jogadores, de quase cinquenta atletas elegíveis. Ao criar um grupo alargado, Jones preocupou-se em trabalhar pormenores decisivos que fizeram com que a selecção da Rosa assumisse um peso total no jogo.
De forma a não complicar o discurso para os mais “novatos” da modalidade (ou para aqueles que desconhecem por completo o vernáculo associado à mesma), a Inglaterra passou a dominar as fases mais “pesadas” do jogo, seja no ruck (aquela aglomeração de jogadores que se dá após o portador da bola ter sido placado e colocado no chão), na defesa (a placagem passou não só a ser eficaz, mas inteligente, rapidamente em busca da bola), na eficácia do ataque (não só de aproveitamento das oportunidades, mas da criação das mesmas de forma mais consistente) e na leitura dos timings de jogo (saber quando acelerar, abrandar, se jogar ao pé ou tentar arriscar um passe mais ao largo).
Para os conhecedores da modalidade: a Inglaterra passou ser altamente dominante no breakdown, na agressividade no contacto, na excelência das fases estáticas (formação ordenada deixou de ser um problema para ser uma vantagem) e no estado mental (a equipa já não entra em pânico quando o jogo não lhe corre bem, opta por ter calma, respirar e pensar em soluções para os problemas que surgem no calor do mesmo).
Acima de tudo, exigência, eficácia, eficiência e espírito de sacrifício total foram fatores que formaram as bases para atacar os jogos e procurar o caminho certo para a vitória. Eddie Jones e o seu staff construíram uma espécie de baluarte que será posto à prova não só nestas Seis Nações de 2018, mas no jogo que vão ter contra a Nova Zelândia, em novembro deste ano.
É a bicampeã actual e pode muito bem fazer o tricampeonato, algo que seria histórico na competição europeia.
A Surpresa: Escócia
Em poucos anos e muito graças ao trabalho do antecessor timoneiro, o neozelandês Vern Cotter, a Escócia passou da disputa da “colher de madeira” para se tornar numa das candidatas ao título das Seis Nações. A edição de 2018 vai colocar à prova o excelente momento que atravessa, e veremos se será a grande surpresa deste ano, conquistando a vitória no torneio que lhe foge desde 1999.
Em 113 torneios disputados, apenas venceu por 14 vezes. Mas após um grande ano civil de 2017 em que se destacou no torneio das Seis Nações num meritório 4.º lugar com as mesmas vitórias e derrotas que a Irlanda (2.º lugar) e França (3.º lugar), fugindo ao pódio apenas pela diferença pontual, os escoceses aparecem em 2018 com mais certezas de que o título é possível.
Os Test-Match’s de Novembro vieram confirmar a ascensão desta verdadeira equipa, já sob o comando do escocês Gregor Townsend, com duas vitórias em três jogos: venceram a Samoa por 44-38, alcançaram um excelente desempenho frente aos All Blacks (apesar da derrota por 17-22, com um final de jogo alucinante em que os escoceses quase faziam história na bola de jogo) e, para fechar o ano, fizeram uma exibição categórica e venceram a Austrália por uns expressivos 53-24, ascendendo assim ao quinto lugar do ranking mundial da World Rugby.
Outro dos fatores importantes são os jogos em casa: o Murrayfield Stadium vai ser um inferno para as equipas adversárias. Prova disso é que a Escócia, nos seis jogos que realizou em 2017 na condição de visitada, apenas perdeu com os All Blacks.
Uma equipa que se apresenta com um pack avançado muito coeso e combativo, quer nas formações estáticas ou jogo corrido, e tem na sua linha de ¾ jogadores que fazem a diferença de um momento para o outro, como Hogg, Huw Jones, Seymour e Maitland.
Posto isso, veremos se a Escócia terá argumentos suficientes para o Torneio das Seis Nações 2018 e conseguirá bater-se com as poderosas Inglaterra e Irlanda, que parece ter encontrado a receita vitoriosa com um misto de jogadores experiência e de jovens de grande qualidade.
O Capitão a seguir
O capitão escocês John Barclay terá um desafio interessante no Torneio deste ano. Pela primeira vez nos últimos anos, a Escócia entra como séria candidata ao título e, numa competição em que cada ponto conta, o capitão terá importantes decisões para tomar.
A verdade é que a Escócia é capaz de produzir um jogo altamente atrativo e de risco, mas o pragmatismo necessário para conquistar as vitórias que o público escocês tanto ambiciona poderá estar para lá do alcance de Barclay enquanto capitão.
O jogador dos Scarlets não é capitão no clube e a experiência necessária para levar a equipa ao tão ambicionado título é um fator decisivo nesta competição. Veremos como Barclay conduzirá a sua equipa e qual será o seu impacto na classificação final da Escócia.
O MVP pré-torneio
Owen Farrell será o jogador decisivo, não só para a equipa inglesa, como para o desfecho da competição. Farrell só falhou um jogo desde 2012 e conta já com 304 pontos na prova, o que, com apenas dois ensaios marcados, revela a importância do jogo do inglês.
No entanto, a Inglaterra tem sido dominadora muito devido à profundidade e largura que o eixo Ford-Farrell imprime no plano ofensivo. Com a queda de produtividade e confiança de George Ford e dos seus Leicester Tigers, Farrell será certamente chamado para “horas-extra” e será o alvo preferencial de quem quiser destronar a Inglaterra do topo do râguebi europeu.
A nova estrela
Num ano marcado por uma vaga anormal de lesões em várias seleções, muitas (espera-se) serão as oportunidades para os jovens jogadores desabrocharem na alta competição internacional.
Os casos mais ou menos recentes de North, Hogg ou Campagnaro, que se estrearam ainda novos, poderão servir de exemplo para os atuais selecionadores.
Ora este ano a “pedra” que se vem revelando preciosa é o irlandês Jordan Larmour. O jogador das linhas atrasadas do Leinster tem-se apresentado ao mais alto nível pelo clube e em novembro abriu as primeiras páginas de um livro que o público irlandês certamente quererá ler por inteiro.
Aguarda-se com entusiasmo no Aviva pelos ensaios de Larmour, que certamente farão os ingleses tremer até à última jornada quando a Irlanda for a Twickenham para estragar a festa “prevista” dos comandados de Eddie Jones.
Prognósticos finais
Francisco Isaac
A Inglaterra vai levantar o título pela 3.ª vez, sem consentir qualquer derrota em toda a competição. Mas, a Irlanda vai dar luta, acérrima, até ao final, sendo uma selecção a tomar em conta pelo momento que vive (tanto a nível do seu campeonato nacional de clubes, como das possibilidades de escolha de Joe Schmidt). A Escócia vai ser a surpresa da competição, com País de Gales, França a lutarem pelo 4.º e 5.º lugar, e com a Itália a receber a Colher de Pau mais uma vez.
João Pedro Oliveira
Prevê-se uma disputa a dois, entre Inglaterra e Irlanda, com a intromissão da Escócia. Mas creio que este ano o trevo da sorte, vai mesmo estar do lado da Irlanda. Os dois principais clubes a nível nacional (Munster e Leinster) estão num grande momento e predominam a convocatória da seleção irlandesa: 18 do Leinster e 11 do Munster, num total de 29 jogadores.
Este facto traz uma dinâmica de jogo mais compacta e mais fácil de ser entendida. A Escócia poderá ser a grande surpresa, teremos uma França renovada e a expectativa é grande para ver o que nos vai apresentar o recém-chegado selecionador Jacques Brunel. Por fim, temos uma Itália que apesar de ter mostrado sinais de crescimento nos últimos anos, não estará ainda capacitada para acompanhar os grandes tubarões da Europa.
Rodrigo Figueiredo
Dividiria a competição em dois grupos de três equipas, com objetivos bem diferentes. Pelas condicionantes de calendário (jogos fora/em casa), número de lesões (Gales em particular) ou pela forma atual dos clubes de cada país, penso que a luta pela vitória será entre a bicampeã Inglaterra, a sempre combativa Irlanda e a renovada Escócia.
A França, com o novo treinador Jaques Brunel, deverá passar por um processo normal de renovação de ideias e de estilo de jogo, que não me parece que permitirá voos mais altos que o 4.º ou 5.º lugar. A par da França, surge um País de Gales desfalcadíssimo, com um calendário difícil e que se apresentará com muitas caras novas, nada habituadas ao nível internacional. Warren Gatland terá de se focar em evitar o embaraço de terminar com a tão indesejada Wooden Spoon.
XV Ideal
Francisco Isaac
Tadh Furlong, Guilhem Guirado, Mako Vunipola, Maro Itoje, Jonny Gray, Josh Van der Flier, Sam Underhill, CJ Stander, Conor Murray, Jonathan Sexton, Anthony Watson, Bundee Aki, Huw Jones, Tommy Seymour e Stuart Hogg.
João Pedro Oliveira
Cian Healy, Guilherm Guirado, Tadhg Furlong, Maro Itoje, Joe Launchbury, CJ Stander, Peter O´Mahony, Sam Hunderhill, Conor Murray, Owen Farrell, Jonny May, Bundee Aki, Jonathan Joseph, Vakatawa, Stuart Hogg.
Rodrigo Figueiredo
Mako Vunipola, Rory Best, Tadhg Furlong, Joe Launchbury, Alwyn Jones, Maro Itoje, John Barclay, CJ Stander, Connor Murray, Jonathan Sexton,-Jordan Larmour, Owen Farrell, Huw Jones, Anthony Watson, Stuart Hogg
As Seis estão prontas… vocês estão?