A queda na valorização do futebol europeu: mito ou parcialmente-verdade?

Francisco IsaacJulho 19, 20237min0

A queda na valorização do futebol europeu: mito ou parcialmente-verdade?

Francisco IsaacJulho 19, 20237min0
Estará a LaLiga, Bundesliga e Serie A em queda? Ou estamos perante uma queda na valorização do futebol europeu?

Cristiano Ronaldo, como tem sido seu apanágio desde que ganhou destaque no futebol mundial, teceu um comentário sobre o futebol europeu de clubes que suscitou uma resposta intensa por parte da comunidade internauta e não só:

“A única liga no mundo, para mim, que está a um nível superior de todas, é a Premier League. Acho que mesmo a Liga espanhola não está com aquela grande qualidade. A portuguesa é boa, mas não é top. A alemã também perdeu bastante e acho que na Europa tenho a certeza de que não vou jogar mais.”.

Esta é a citação completa e dada após a goleada sofrida frente ao Celta de Vigo no Algarve, e uma que gerou controvérsia. Está a Premier League num nível superior? Terão realmente a LaLiga e a Bundesliga caído em qualidade?

Comecemos pela segunda parte da questão e pegamos exactamente pelo factor Cristiano Ronaldo e Lionel Messi. O interesse na principal divisão de futebol profissional espanhol caiu após a saída dos dois maiores astros do futebol mundial dos últimos 20 anos, o que é uma consequência perfeitamente normal depois de terem estado quase década e meia a guiar não só os destinos dos dois maiores clubes de Espanha, como a serem vendidos comercialmente pelos canais oficiais da LaLiga.

Não é mentira dizer que o El Clássico ganhou uma injeção de visualizações avassaladora o dia em que se congeminou esta luta de titãs, com toda a gente associada a este nível a conseguir extrair algum benefício. A presidência da LaLiga somou milhões em publicidade, os clubes nem se fala, os agentes igualmente, elevando toda a competição para um patamar de interesse louco. Com isto, também os outros clubes em Espanha ficaram a ganhar, tornando-se quase a meca principal de futebol, ofuscando, parcialmente, a Premier League.

Porém, a saída dos principais protagonistas iria sempre provocar uma queda e um reiniciar da marca “LaLiga”, necessitando agora que novas estrelas ganhem uma reputação parecida à de Lionel Messi e Cristiano Ronaldo. A maioria das tentativas têm saído goradas, e só agora é que com Vinícius Jr a deslumbrar em Madrid é que há perspectiva de reacender a chama (e que por via dos actos raciais até poderá vir a sair quando está a atingir a plenitude máxima), necessitando, no entanto, que o Barcelona acompanhe – poderão ser Gavi e Pedri a se tornar os novos chamarizes globais?

Houve um decréscimo da qualidade da LaLiga, no entanto? Possivelmente, mas isso não significa que não seja minimamente interessante acompanhar o crescimento do Real Bétis, Real Sociedad ou Villarreal, apesar de nenhum destes clubes ostentar jogadores que façam, por exemplo, um cidadão dos EUA ver um jogo da LaLiga de propósito. Por algum motivo, o presidente da LaLiga, Javier Tebas, quis forçar Lionel Messi a ficar quando se começaram a juntar rumores da sua saída para o Paris Saint-Germain, percebendo que a “mina” estava prestes a ficar menos valiosa. Nos últimos cinco anos, só houve crescimento de público a ver em casa/estádio em 2021/2022, não se contando com os meses pós isolamento (todas as ligas registaram números recorde).

A Premier League acabou por fazer o caminho mais inteligente, reforçando todos os clubes com um prémio de classificação final volutado, que permitiu investir em melhores infraestruturas, atletas e staff, evoluindo constantemente a nível de clubes, dominando completamente toda a bolha de publicidade que não fosse Messi-Ronaldo.

A liga atingiu um patamar louco, que já vinha a ser alavancando pelo extremo interesse e investimento do Próximo Oriente ou Médio Oriente e, agora, é o principal farol para qualquer jogador que queira se afirmar ao mais alto nível.

Se considerarmos as últimas cinco temporadas, vemos que subitamente o futebol inglês passou a estar mais dominante na esfera europeia, conquistando três Liga dos Campeões e um Liga Europa, enquanto Espanha somou uma Champions e três Liga Europa, sendo que os ingleses conseguiram colocar mais clubes em finais nesse período temporal (9-4).

Curiosamente, nas duas últimas épocas estamos a assistir ao renascer europeu das equipas italianas, que começam a retornar ao topo, depois de anos a minguar, depois de terem tido um um campeonato sensacional entre 95-2006. Apesar de não terem somado qualquer troféu nas duas principais competições da UEFA, foram capazes de chegar a duas finais, algo que não acontecia há algum tempo. Porém, só o Nápoles e o AC Milan estão a conseguir explorar a imagem de alguns dos seus jogadores, e esse facto é crítico para o despoletar de interesse por parte do público não-italiano na Serie A.

A Bundesliga arrancou dois troféus europeus, mas no geral as equipas alemãs têm passado ao lado, e talvez isso se deve à supremacia sem igual do Bayern de Munique, intocável como campeão e devorador dos melhores activos no futebol germânico, limitando o crescimento dos restantes.

Passando ao lado do algum exagero e tom arrogante das afirmações de Cristiano Ronaldo (a MLS continua a estar acima em termos de qualidade em comparação com o campeonato saudita, e não é por estarem 30 jogadores de alto nível que muda o cenário), a verdade é que o capitão da selecção nacional não disse nada que fosse mentira, quando efectivamente está a se a dar um ligeiro declínio no futebol europeu, sendo normal, até pelo momento de reestruturação e lançamento de novas superestrelas.

É um processo de recuperação e activação da marca, que acabará por voltar ao seu melhor até pelas condições que a Europa e o futebol europeu oferecem no seu todo, ao contrário da Arábia Saudita em que a democracia é inexistente, apesar de alguns jogadores quererem esconder este pormenor de enorme dimensão. Antes que alguém diga “mas a CSL nunca teve clubes a contratar atletas jovens, na flor da idade ou de alto gabarito, como Rúben Neves, Roberto Firmino ou N’Golo Kanté!”, é facilmente demonstrável que não é bem assim…

Yannick Carrasco (25 anos), Carlos Tévez (32 anos), Marko Arnautovic (30 anos), Ramires (29 anos), Hulk (27 anos) ou Oscar (26 anos) são só alguns exemplos de nomes de média-alta reputação que partiram para a China entre os anos 2014-2018.

Como a China antes, a Arábia Saudita irá sugar alguns jogadores mas no final, perante certos vazios sociais e civilizacionais, acabará por se esgotar ao fim de um certo período. O excesso de protecionismo com os campeonatos europeus é um pensamento errado e que poderia cegar as ligas europeias a um ponto complicado, mas nunca de não retorno.


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