A luta pela igualdade, respeito e equidade na imprensa desportiva

Francisco IsaacMaio 1, 20235min0

A luta pela igualdade, respeito e equidade na imprensa desportiva

Francisco IsaacMaio 1, 20235min0
O desporto feminino tem crescido a olhos vistos, mas a imprensa precisa ainda de perceber o que é a equidade que tanto estas atletas reclamam por

Se o Século XX foi o resgatar e conquistar dos direitos mais primários possíveis, com as lutas pelo fim da segregação racial, pelo menos nos países democráticos, e a possibilidade de todos votarem e participarem na vida político-social da mesma forma, independentemente de possuírem, ou não, o órgão genital masculino, o século XXI tem sido de reafirmação desses princípios e de garantir que todos tenham a mesma plataforma para atingir o topo, com a palavra equidade a ganhar forma e força, apesar dos constantes ataques à mesma.

Sim, certos leitores poderão achar este preâmbulo inicial um sinal daquele “louco wokeismo desmesurado que visa estragar a normalidade”, quando na realidade é simplesmente um constatar da palavra-de-ordem e de uma necessidade para que finalmente se atinja um objectivo que muitos gostam de fazer bandeira, mas que só uma parte considerável é que está interessado na luta e progresso.

O desporto, onde está incluído o futebol, andebol, rugby, basquete, ou qualquer outra modalidade em que qualquer ser humano pode e deve participar, é uma  “casa” de aceitação e que não deveria construir certo tipo de barreiras, sejam aquelas formatadas por administrações envelhecidas por ideias pouco saudáveis, ou por alguns media continuarem a clicar na mesma tecla, fazendo uso do papel feminino para obtenção de cliques. É exactamente neste último ponto que quero ir porque é, efectivamente, uma das próximas lutas que todos devem ter de forma a se parar com uma certa narrativa ou de se perpetuarem determinados comportamentos que não só não são saudáveis, como ainda estimulam o surgir de uma ideia errada em relação ao papel da mulher.

Se visitarem qualquer site desportivo português, ou estrangeiro, e digitarem na barra de pesquisa a palavra “WAG” ou “atletas despidas” rapidamente vão encontrar todo o tipo de conteúdos em redor do mesmo, com alguns meios de comunicação a possuíram vastos artigos dedicados a explorar a figura do feminino, tratando os sujeitos dessas “peças” jornalísticas mais como um objecto do que um ser humano, procurando através da nudez parcial ou de certos tipos de rumores criar um burburinho e um encaixe minimamente considerável nesse conteúdo. Antes que o tal tipo de leitor erga o dedo, e comece a fazer uso do vernáculo utilizado por partidos como o Chega, é importante colocar na equação um factor importante: de que ninguém está a pedir o fim dos sites de pornografia ou de conteúdo mais explícito, sendo que esses têm o seu público e… o seu lugar.

Ou seja, porque é que um site do âmbito desportivo tem de apresentar uma imagem de mulher X ou Y em roupa interior, fazendo alusão do número de parceiros/as que teve na sua vida, ou o que poderá estar disposto a fazer para atingir certo fim.

Porque é que uma La Marca, OJogo, La Gazzetta dello Sport, ou Abola tem optar por conteúdos das páginas cor-de-rosa, e escarrapachar esses mesmos nos seus sites (e impressão física), de forma a atrair atenção de leitores?

Porque é que na página 15 de um certo jornal está uma pequeníssima reportagem sobre um par de jogos do futebol feminino português, e na última tem lá uma página inteira de uma mulher em poses eróticas com pouca ou nenhuma ligação ao âmbito desse meio de comunicação? A explicação mais fácil é de que esses meios de comunicação social desportiva não têm noção do impacto negativo de apresentar a figura feminina como um objecto, de que o desporto feminino é simplesmente um conteúdo que (ainda) tem pouco interesse e que não há mal nenhum conjugar os dois lados. Esta argumentação é falaciosa e equívoca, insistindo na estereotipação de que a mulher é apenas um corpo belo sem as mesmas capacidades que o sexo contrário. O facto de se terem mais artigos de WAGs (conteúdos dedicados às mulheres dos jogadores) do que uma análise séria do fim-de-semana das competições femininas desportivas demonstra muito bem o caracter e a falta de bom senso de quem habita nas equipas editoriais, apesar de já se vislumbrarem sérias mudanças em hábitos e comportamentos.

O tratamento às atletas femininas tem mudado, em certas situações radicalmente, mas enquanto se perpetuar a brincar com os órgãos genitais femininos como se fosse um produto para qualquer um admirar e ansiar por os ter, patrocinando comportamentos e atitudes minimamente reprováveis do controlo ou abuso sexual por palavras ou gestos físicos, demonstra que estamos ainda longe de atingirmos as metas exequíveis para este período da história humana.

O desporto feminino tem crescido a uma velocidade espectacular, recebendo ainda apenas 15% do investimento que o masculino obtém – dados gerais -, com as casas cheias em jogos da Liga dos Campeões, Seis Nações ou do Campeonato do Mundo de andebol a serem um exemplo claro desse desenvolvimento, e a mudança de certos comportamentos poderá fomentar ainda mais o crescimento qualitativo como do número de atletas.

Porque se realmente não vêem lados ou não estão a alinhar com estes estereótipos, porque é que não vemos fotos de homens seminus ou em poses eróticas? A resposta é a que está debaixo da língua, e no caminho para encontrar o respeito e equidade que as mulheres de qualquer idade, proveniência ou origem merecem e têm lutado para obter nos últimos 200 anos, é preciso alterar esta mentalidade que em nada tem a ver com jornalismo ou dignificação do papel da mulher.


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