Paulo Picão Eusébio. “Temos um projecto ambicioso na Académica”
Paulo, a Académica de Coimbra depois de alguns anos complicados está a caminhar para o seu melhor. Como foi possível este novo crescimento?
Este é um projeto a médio prazo. De inicio foi necessário recuperar financeiramente a secção de Rugby e depois devolver um projecto com uma ambição elevada mas sustentada. O caminho está a ser trilhado através de uma equipa de direção unida no mesmo propósito, um corpo técnico altamente profissional, de atletas com espirito de sacrifício e de trabalho, com adeptos entusiastas e um conjunto de novos patrocinadores que acreditam que a AAC e o Rugby são, mesmo diferentes, e que lhes garantem retorno.
Quais foram as maiores dificuldades durante esse período? E o esforço de dar a volta partiu de quem?
As maiores dificuldades foram de ordem financeira, logísticas e da parte federativa. Temos um projeto ambicioso que passa por aumentarmos o nº de praticantes, reforçarmos a pratica do Rugby, para além de um desporto, mas como uma “Escola de vida”, criarmos um espirito de trabalho e desenvolvimento junto dos mais jovens e aumentarmos a nossa competitividade, para estarmos junto dos melhores. Este projeto precisa de um bom suporte financeiro, o que não é fácil de arranjar, sem a divulgação permanente do Rugby na comunicação social.
Apesar de termos 3 espaços para treinar e jogar, em nenhum deles temos autonomia de gestão, o que torna a utilização mais difícil e cara. A instabilidade governativa na F.P.R. também não ajudou dado que, em nada, contribui para a credibilidade e sustentabilidade do Rugby Português.
O projeto da secção de Rugby da académica não é apenas desta direção, mas toda a comunidade do Rugby de Coimbra. Pela paixão e tradição do Rugby de Coimbra, achámos que precisávamos de voltar a ter um projeto com a dinâmica de outros tempos.
Hoje em dia qual é a “pegada” da secção de rugby na cidade?
A pegada do Rugby em Coimbra não se limita aos novos tempos. Estamos há cerca de 63 anos em atividade, sendo uma das modalidades com mais títulos conquistados. Julgo que a cidade reconhece o nosso trabalho desportivo e de desenvolvimento de valores para a vida. Como prova, desta realidade é o crescimento dos escalões mais jovens e o nº de adeptos que temos presentes nos jogos em casa e fora.
Têm planos para convergir os esforços com a cidade? Quais são os próximos passos a seguir no futuro próximo?
Como já disse anteriormente, estamos a construir um projeto ambicioso e que irá necessitar de um maior apoio financeiro, de infraestruturas, e de apoio da Universidade, Câmara Municipal e das Empresas da Região.
Temos custos de deslocações muito elevados, devíamos ter incentivos para atrairmos e fidelizarmos os nossos atletas através de apoios da Universidade de Coimbra e das empresas da Região. Não podemos correr o risco de estar a formar um atleta e, este, depois de se formar ter de sair da A.A.C. porque na Região não há ofertas de trabalho. O jogador de Rugby, ao longo da sua carreira desenvolve um conjunto de valores e competências que, cada vez mais, são uma mais valia para as empresas.
É bom que as empresas acordem e possam dar essa oportunidade aos nossos rapazes. O ensino é cada vez mais global, e o Rugby, a nível internacional tem um enorme prestigio, logo devemos ter abertura e apoio por parte da Universidade para criarmos projetos conjuntos de atração de atletas estudantes e de criar condições de articulação entre os estudos e a pratica do rugby de alta competição.
O regresso do João Luis Pinto, o conseguir de que os melhores atletas da formação ficassem explicam o recente sucesso da equipa sénior? O que significou ganhar a Taça de Portugal?
O João Luis é uma parte fundamental do projeto. O trabalho que prepara é ao nível de um clube profissional. Está permanente a inovar e a trazer novos desafios à direção e aos atletas.
A continuidade dos atletas de formação foi muito importante mas gostaria de destacar que todos são importantes. Só com um grupo unido e de pessoas que acreditam que o trabalho irá dar resultados foi possível conquistar a taça. Esta vitória fez com que a secção de Rugby fosse novamente para a ribalta e que provássemos que é possível sermos os melhores, mesmo não estando em Lisboa.
Poderão existir surpresas no futuro da Académica de Coimbra?
Acho que sim. Se conseguirmos agregar os apoios que estamos a perspetivar, iremos continuar o nosso desenvolvimento e ser ainda mais ambiciosos. Temos uma história e paixão pelo Rugby que nos “obrigam” a estar entre os primeiros, de uma forma sustentada.
Agora, quem foi o Paulo Picão Eusébio jogador. Quantos anos jogaste e como chegaste à modalidade?
O Paulo Picão foi um jogador que começou a jogar com cerca de 12 anos, e após muitos anos de prática de natação. Com alguma facilidade me apaixonei pela modalidade quer pelo desporto em si quer pela sua envolvência. Julgo que a transmissão dos jogos do, na altura, “Torneio da 5 Nações” teve uma responsabilidade muito grande.
Por outro lado a dinâmica que o Rugby tinha como desporto escolar também ajudou a fortalecer a minha paixão. Conquistei vários títulos ao longo dos anos, fui capitão de equipa na Académica e representei a selecção desde os escalões jovens até sénior.
Melhores anos na Académica? E houve algum momento decisivo na tua carreira enquanto jogador?
Na A.A.C. entre 1989 e 1996 com as conquistas dos Campeonatos Nacionais, Supertaças e Taças de Portugal. Na seleção com a participação nos jogos de apuramento para o Mundial e jogo com o Pais de Gales. Pela negativa, destaco, algumas lesões graves que me impediram manter uma intensidade elevada ao longo de alguns anos e de prolongar a carreira como jogador.
O que era o rugby português na altura? Evoluímos bastante desde então?
O Rugby no meu tempo era um desporto de grande paixão, camaradagem, mas sem a dimensão global que hoje existe. Hoje é mais fácil compreender e gostar de Rugby. Exigia um sacrifício também grande para compatibilizar o estudo/trabalho com as competições dado que tínhamos menos apoios e as distâncias demoravam mais tempo a percorrer. Hoje trabalha-se melhor e de uma forma mais rigorosa. É impressionante ver o nível e a intensidade dos jogos internacionais.
E a Selecção Nacional, como lá chegaste? E melhor jogo que tiveste como Lobo?
Fui internacional desde os 15 anos e ter chegado a Lobo foi um processo natural. O que deu mais gozo foi o Portugal-Gales mas aqueles que mais recordo pela combatividade eram os jogos contra Espanha.
A tua “pegada” na modalidade também está na forma da tua descendência… ver o Manuel a seguir as pisadas na Académica é um motivo de orgulho?
Sim, é um enorme orgulho. Com apenas 21 anos tem mais conquistas pela selecção do que o Pai. Pela Académica já conquistou um campeonato nacional de sub18 e pelos séniores, uma Taça de Portugal. Espero que continue o seu desenvolvimento na A.A.C. e que conquiste neste clube pelo menos tantos títulos como o Pai. Como é trabalhador, ambicioso e que terá apoio por parte da equipa, acho que vai lá chegar!
Ver vários jogadores dos “Pretos” nos Lobos é motivo de orgulho? A vossa formação está também em crescimento?
Claro, e é muito mais difícil chegar a Lobo para todos os atletas fora de Lisboa. A falta de reconhecimento, as viagens e o tempo necessário, são barreiras que não deviam existir. Se criassem os centros de alto rendimento regionais e existesse a obrigatoriedade dos selecionadores se deslocarem à Provincia, poderia melhorar esta articulação. A formação da Académica está em crescimento e muito se deve a uma nova estrutura técnica e de diretores de equipa. Este crescimento deverá ainda ser maior e sustentado através de parcerias com Escolas para que o Rugby seja cada vez mais uma modalidade exemplo na formação dos nossos jovens.
O que falta ao rugby português? Tens algumas ideias que possas partilhar connosco?
O que falta ao Rugby Português é um projecto de curto e médio prazo, que garanta a estabilidade, a ambição e união dos Clubes na sua implementação. Os clubes estão a trabalhar cada vez melhor mas falta-lhes apoio federativo e estabilidade. Em resumo, ficam algumas ideias para a liderança do Rugby Português
- Para o desenvolvimento competitivo – precisamos de um modelo competitivo estável; assegurar a presença de árbitros em todos os jogos; centros de alto rendimento regionais; dinamização das selecções regionais; de uma selecção de XV forte, com todos os atletas elegíveis; criação de um compromisso a curto/médio prazo com atletas de elevado potencial; no Sevens, uma dinamização consistente ao nível competitivo e uma selecção semi- profissional, para competir nos grandes palcos mundiais
- Para o desenvolvimento da formação – articulação, formal, com Escolas do 1º e 2º ciclo; apoio na formação dos professores; desenvolvimento de equipas de Rugby Escolares e respetivos campeonatos; comunicação com os Pais sobre os benefícios do Rugby, programas de intercambio regional com equipas estrangeiras
- Para o aumento da notariedade do Rugby – criação de programa semanal sobre o Rugby na TV; comunicação sobre os benefícios da prática do Rugby junto da comunidade (Fisicos/Valores/Comportamentos)
- Apoios – reforçar a nossa ligação às entidades oficiais (World Rugby, Rugby Europe, IPDJ,…) apresentação de um plano de avaliação de retorno económico e de imagem a Empresas para o apoio ao Rugby nos próximos 4 anos
Sentes uma divisão entre as equipas de Lisboa e as restantes, ou é uma não-questão?
Não, por parte de algumas equipas, mas sim por parte de algumas pessoas de Lisboa que julgam que mandam no Rugby Português. Não entendem que o Rugby será mais forte se tiver uma dimensão Nacional e não apenas Regional. Mesmo para os respectivos patrocinadores se projectarem as suas marcas em todo o Pais terão outro retorno.
O que gostavas de ver a próxima direcção da Federação Portuguesa de Rugby a fazer?
Alguém que tivesse a capacidade de unir os diferentes actores do Rugby Português, tivesse a capacidade de implementar os diversos consensos a que chegámos nos últimos meses e que tivesse um visão “em grande” para o Rugby em Portugal. O trabalho que tem sido desenvolvido nos escalões mais jovens provam que podemos estar ao mais alto nivel.
Algumas perguntas curtas: jogador com que mais gostaste de jogar? E que viste a jogar?
Por ter sido o meu 1º companheiro e termos jogado juntos quase uma vida – Namorado
Pela sua resiliência, capacidade de combate e exemplo com 3ª linha – Jean Pierre Rives
Dirigente mais importante na vida da Académica de Coimbra?
Nomear um, é dificil pois existiram vários que tiveram muita importância para a Académica. Mas destaco o “Toni”, pela sua visão e capacidade de implementar projectos que tiveram um enorme impacto na criação de estruturas e de jogadores de Rugby na Académica.
O que é ser membro da Académica de Coimbra?
É uma enorme responsabilidade pela sua História e Tradição. Sentimos que a secção de rugby Académica é mais do que um clube, é uma família e uma forma diferente de estarmos na vida. A Académica continua a ser a 4ª marca desportiva com maior notoriedade e que ultrapassa as rivalidades desportivas. Quem passa por esta casa, fica com esta paixão para o resto das nossas vidas.
Uma mensagem em especial para o rugby português, teus atletas, colegas e adeptos?
Para o Rugby da A.A.C., agradeço o empenho de todos no desenvolvimento deste projecto e acreditem que juntos, podemos ir, ainda, mais longe.
Para o Rugby Português, saibamos aprender com os nossos recentes erros, saibamos unir-nos, ser ambiciosos e acreditarmos que ainda é possível apanharmos o comboio do sucesso do Rugby Mundial. Os nossos jovens, a nossa paixão e o Rugby exigem o nosso empenho.