Luís Supico. “Ajudar o MRC Bairrada e jogadores a se superar é aliciante!”
Fotografia de Luís Cabelo Fotografia
Luís Supico, a tua primeira grande aventura como treinador sénior… qual foi a sensação quando recebeste o convite do Moita Bairrada?
Inesperada e completamente fora da minha perspectiva, estava longe de pensar em treinar séniores. Mas acima de tudo, muito honrado por pensarem em mim.
Foi um sim logo no primeiro minuto ou ainda reflectiste na proposta? E quais foram as tuas primeiras preocupações?
Refleti muito. Vivo em Cascais (mesmo quando treinei em Agronomia) e mudar assim a vida foi complicado – afinal de contas, são 250 km. Mas tenho sorte de ser casado com uma mulher espectacular que me apoia muito e que está sempre pronta para a aventura, por isso não tive como não aceitar!
Como foi o primeiro dia de treinos do Moita Bairrada… a sensação foi diferente?
Por acaso nem por isso: as condições são muito boas (dois campos, um de relva e outro sintético) e como a preparação foi a mesma de sempre (com micro-ciclos muito específicos, em que a única coisa que mudou foi mesmo serem seniores), a partir do momento em que entrámos no campo a coisa desvaneceu. Além de que fui, felizmente, muito bem recebido.
Os jogadores vieram com a vontade de aprender e evoluir? Achas que há boa matéria-prima no clube?
Sinceramente não estava à espera de ter tanto potencial no clube, mesmo tendo em conta o passado recente (3º lugar no CN1 há uns anos atrás, seguido de despromoção e depois dois anos no CN2 até subirem de novo esta última época). Estas subidas e descidas ajudou também a alguma abertura da parte deles… Afinal de contas, sabem que podem chegar lá, por isso há muita vontade da parte deles.
O discurso e palavras proferidas por ti tem sido em que sentido? A motivação geral no clube é de dar o salto para outro patamar?
Temos de ter objectivos altos sempre – e isso é a subida. Mas sabemos também que é muito difícil com um treinador novo, ideias novas, hábitos que procuramos mudar… Afinal de contas, os últimos anos não foram propriamente fáceis e as outras equipas estão bastante avançadas em relação a certos hábitos. Aquilo que procuramos fazer nem é ganhar títulos, é mudar mentalidades e isso leva tempo. Com essa mudança de mentalidades, as vitórias irão aparecer, isso não tenho dúvidas.
Qual é o objectivo da direcção técnica do clube? Há metas estabelecidas para o presente e futuro?
Felizmente que a direcção percebe que o clube não é só seniores, por isso a manutenção é o objectivo principal para os Séniores mas, acima de tudo, quer-se é criar condições para todos os outros escalões. O meu papel é, como diz o sr. presidente Carlos Dias, o de dinamizar o clube e o concelho e isso foi, sem dúvida, das principais razões para aceitar o convite. Poder ajudar o clube e os jogadores a se superar e crescer é muito aliciante.
O clube tem boas condições de trabalho, correcto? O esforço da direcção do Moita Bairrada tem sido muito positivo?
Não só boas condições de trabalho como uma vontade enorme! Deve ser o maior pequeno-grande-clube do mundo! Inserido numa aldeia com umas centenas de pessoas e a freguesia não passar de umas 2500, é espantoso existir sequer um clube de rugby na zona. Daí também o desafio: trazer as pessoas para o clube e criar uma identidade que marque a região pela positiva. Se todos forem como a direcção (incansável, cheia de ideias e vontade) é uma questão de tempo.
Para ti, como foi estar pela primeira vez no banco de suplentes de uma equipa sénior enquanto treinador principal? Mais fácil ou difícil em relação a quando lideraste escalões de formação?
O mais difícil nem é treinar seniores, é treinar jogadores completamente desconhecidos para mim. Há muita coisa ainda por descobrir (tanto de mim para eles como deles para mim) mas a preparação acaba sempre por ser a mesma: parte física, mental, técnica, táctica, a sua evolução e acertos, desenvolvimento de uma identidade de jogo… Preparámos os micro-ciclos de acordo com isso e não temos saído deles, mesmo sabendo que nos podem custar alguns pontos aqui ou ali – afinal de contas, procuramos resultados no imediato (como todas as equipas) mas queremos, acima de tudo, deixar um legado e isso leva tempo.
Os títulos conquistados pela AEIS Agronomia (sub-16) são uma boa pressão para a tua carreira na modalidade? Tens recordações do momento em que a equipa foi campeã em Abril de 2019?
O primeiro sentimento que tive foi de alívio, de trabalho acabado! Quase nem deu para comemorar… Mas também de muito contentamento pelos miúdos que foram simplesmente excepcionais. Essa é a parte boa de treinar: a alegria dos jogadores.
No que toca a currículos, medalhas, vitórias… É sempre preferível ganhar, isso não há que enganar. Prova também que, de uma forma ou outra, as ideias que queremos implementar estão certas ou, no mínimo, funcionam para um certo grupo. Mas a verdade é que, no fim da época, tudo recomeça do zero: com mais confiança quando temos títulos connosco, mas com a certeza que o grupo a seguir será sempre diferente do que veio antes. Ou seja, as ideias-base são as mesmas, mas temos de nos adaptar ao que temos e moldá-los para o que queremos. De uma forma geral, temos de nos reinventar todos os anos, com ou sem títulos!
Saíste de Lisboa para ir para o Centro… pergunto se notaste diferenças em termos de apoio e interesse entre as duas realidades por parte das entidades competentes?
Infelizmente as Associações Regionais (AR’s) estão ao abandono, pelo menos na minha maneira de ver a coisa (os técnicos deveriam ser às dezenas em cada região mas são, infelizmente, uns três ou quatro por AR). Neste ponto a realidade é igual em todo o lado: não há pessoal suficiente. No entanto há duas diferenças, sem dúvida: é muito mais fácil trabalhar em Lisboa (vários clubes a poucos km’s uns dos outros, maior facilidade de passagem de jogadores e treinadores entre eles bem como marcação de jogos / treinos conjuntos) e há uma maior proximidade com a FPR (que faz o papel da ARS às vezes, por falta de pessoal). Estes dois pontos fazem crescer muito mais facilmente o nível em Lisboa.
O que é preciso no presente momento fazer mais em prol do rugby?
Há uma verdade incontornável: é preciso dinheiro para fazer crescer o rugby em Portugal, dinheiro esse que tem de ir para os treinadores, para os árbitros, para a estrutura técnica e de apoio nos clubes, nas AR’s e na FPR. Faltam pessoas qualificadas para fazerem o seu trabalho, seja ele marketing, secretariado, treinador, técnico, etc.. Num desporto tão amador como o nosso, as pessoas que trabalham nele têm de ser não só excelentes profissionais como receber como tal, têm de poder ver a coisa como um carreira, onde vale a pena apostar à séria. Só assim conseguiremos dar um salto qualitativo e quantitativo em Portugal.
Achas que está imposta alguma arrogância e falta de cooperação em Portugal? Comunicamos pouco uns com os outros?
Não diria arrogância (que existirá) mas penso que é mais por uma questão de protecção própria. As pessoas sentem que, se cooperarem, se falarem dos seus pontos fortes e fracos, irão dar armas aos treinadores adversários. Como a maioria de nós não tem (infelizmente) tempo para aprender coisas novas, é preferível não mostrar as cartas todas aos outros para eles não nos ultrapassarem! Sou apologista do contrário: se conhecem o meu trabalho, como funciono, como trabalho, então tenho de pensar fora da caixa, tenho de me preparar para os surpreender… O que faz toda a gente evoluir (eles porque aprendem comigo, eu porque tive de procurar outras coisas).
O que era fundamental colocar em prática neste momento para darmos outro futuro à modalidade?
A profissionalização dos agentes (que não jogadores) é a maneira mais rápida e segura de evoluirmos nos próximos tempos. Gostava de ver empresas a ligarem-se a clubes, dando emprego às pessoas do rugby, dando um salário (uma ajuda ao clube, sem ser entrada directa de dinheiro) e um horário mais flexível para esses agentes poderem fazer ambas as coisas. Não é o profissionalismo que gostaria de ver, mas o possível neste momento: estabilidade financeira para essas pessoas e tempo para poderem trabalhar no rugby.
Algumas perguntas mais rápidas: jogo de rugby que marcou a tua vida?
Nova Zelândia – Inglaterra em 95, quando o Lomu atropelou o Mike Catt… Primeira vez que percebi que o rugby afinal não era tão simples como pensava, onde os jogadores tinham lugares marcados graças ao tamanho/velocidade.” Um antigo asa a ponta? Genial!” pensei eu.
Quem foi a pessoa responsável pela tua vinda para o rugby?
Zé Maria Lacerda e Mello, que me convidou para os sub8 do Cascais. Nem pensei duas vezes!
Melhor jogador que viste jogar, português e do rugby internacional?
Português o Nuno Durão. Era (e ainda é) um mágico, mesmo nos jogos de veteranos hoje em dia. No rugby internacional Dan Carter sem dúvida, mas o meu preferido foi o O’Driscoll. Era a posição que gostava de ter jogado…
Qual foi o melhor conselho que ouviste ou foi-te dito?
Por incrível que pareça foi um amigo meu (que também jogou rugby, mas pouco) num jogo entre amigos quando tínhamos uns 16 anos: “o futebol não é estático!”. Ficou-me na cabeça. Uso muito essa ideia no rugby.
Queres deixar algumas palavras ao público do Moita Bairrada e rugby português?
Em primeiro lugar, agradecer ao Fair Play e ao Francisco Isaac pela entrevista. Agradecer também a todos os que me acolheram no MRC Bairrada. Tem sido uma experiência muito enriquecedora e motivante; só espero que sintam o mesmo.
No que toca ao rugby português, gostaria de ver estabilidade nesta presidência. Posso não concordar com algumas coisas, mas gostava de ver a direcção manter as ideias até ao fim para termos alguma consistência nas competições nacionais. Isso e apoio às AR’s.