Frederico Melim. “Esta será a minha última época… como jogador!”
Frederico, mais uma etapa na tua carreira com este regresso ao Sport Lisboa e Benfica. Sentias saudades do balneário? Porquê a mudança?
Foi um regresso a um clube no qual passei momentos muito bons e que nunca desistiram desde o meu, mais um, anúncio de reforma do Rugby depois de termos sido Campeões da Primeira Divisão.
O plano era mesmo deixar de jogar no fim da primeira volta deste ano, neste caso, com o RVM pois o trabalho já apertava muitíssimo e o meu compromisso com a equipa em termos de disponibilidade era cada vez menor e não estava a ser justo para eles e para mim, pois cada treino implicava sair de casa pelas 18h15 e regressar pelas 22h30, manter este registo aliado ao facto de ter maiores compromissos profissionais a partir logo de Janeiro como se verificou pelo meu primeiro jogo ser contra o Guimarães quase 1 mês depois.
O Benfica soube desta decisão e ofereceu me um lugar ao lado de casa literalmente para treinar sem compromisso e assim ficou ate agora. O balneário do SLB continua parvo como sempre, exactamente como eu gosto e que também tinha no RVM com pessoas espectaculares a quem desejo o melhor sempre.
Qual o teu foco no clube… ficar só até ao fim da época ou vestir a camisola até à “reforma”? E já agora, vai haver reforma do globetrotter português?
Muitas pessoas não sabem, mas estive envolvido num acidente de viação ano passado que me impediu de acabar a época com o RVM numa fase final crucial e o percurso de 7s, ficando 2 meses imobilizado praticamente. A reforma estava a vista logo aí, mas como sou já velho e sempre fui casmurro quis provar a mim mesmo e a todos que ainda ia conseguir acabar a minha carreira já muito longa nos meus termos e condições apesar das limitações que agora sempre terei e que tive de reformular e adaptar-me como jogador. Sim, será a última época e a minha ideia de futuro passa por ser treinador de Defesa devidamente certificado que em Portugal praticamente não existe o que não faz sentido nenhum.
Aprendeste alguma coisa no teu tempo no Rugby Vila da Moita? Achas que o clube tem hipótese de ter um futuro melhor?
Aprendi muito, a começar por valorizar o trabalho dos supostos clubes pequenos e periféricos, aprender a ser mais humilde nas derrotas e ser positivo igualmente nos momentos bons como maus. O RVM tem tudo para ter um futuro risonho, a começar por ter jogadores extremamente jovens, mas com um potencial imenso que deve ser bem gerido e acarinhado pois o futuro do clube passa por eles que vão ter a muito curto prazo de liderar e direccionar o clube para resultados cada vez melhores pois condições de logísticas e de treino tem óptimas.
Ao fim de tantas viagens e aventuras, quem foram os teus colegas favoritos? E já agora, o clube que mais te impressionou?
Os meus colegas favoritos foram tantos a começar no Pete Leulusoo que jogou comigo no CDUL e que foi uma das maiores figuras do Clube na ultima década por tudo o que dava em campo como o bom ambiente que criava pela simplicidade fora dele…estamos a falar de um centro neozelandês que foi capitão das NZ Universities varias vezes e sempre na formação de Auckland.
Patricio Arguello era um excelente formação argentino titular da selecção de Tucuman que no CDUL jogou a asa porque o treinador achava que ele era grande demais para a posição…vamos ficar por estes porque a nivel nacional seriam tantos que não quero deixar nenhum de fora.
O clube que mais me impressionou foi o Ponsonby de Auckland que tem múltiplos All Blacks na sua formação como os mais recentes irmãos Ioane, e em que o espírito de equipa, a boa disposição e o switch entre o relax/competição era inacreditável. Estamos a falar do clube campeão 10 anos seguidos de Auckland.
Sentes saudades de usar a camisola do CDUL? Faltou-te fazer alguma coisa lá?
17 anos a usar o U azul deixa sempre saudades, mas sai na altura certa com o sentimento total de dever cumprido, afinal foi uma década de luta e crescimento de uma geração de ouro do CDUL e do Rugby Português que culminou finalmente com o tao logrado Campeonato Nacional depois de 20 anos.
A experiência que fizeste fora de Portugal recomendavas aos jovens jogadores portugueses? Mudou alguma coisa em ti?
Qualquer jogador apaixonado por Rugby deve ir para fora seja para ver jogos, jogar ou apenas treinar. Foram 3 experiências totalmente diferentes e totalmente inovadoras para mim na NZ, Argentina e Inglaterra. Maneira diferentes de abordagem ao jogo, de jogadores, de preparações, de realidade, de espírito de equipa que só vivendo isso se consegue compreender…palavras não chegam para descrever.
A maior recomendação passa por saírem da Zona de Conforto enquanto podem para mais tarde não arranjarem desculpas nem se martirizarem por não o terem feito ou arriscado…vão e não olhem para trás. Mudou para mim a maneira como via o Rugby que estava fechada ao que se vive em Portugal com muitas quintinhas, muitos nichos sem se olhar para o panorama geral…um pouco o que se vive na FPR.
Em termos de aprendizagem na modalidade, houve algum conselho (ou mais que um) que ficou para sempre na tua cabeça? E melhor lição que aprendeste estes anos todos no rugby?
O melhor conselho veio do lendário Paulo Murinello: “O caminho mais rápido para o ensaio faz-se em linha recta, deixem-se de merdas” …e tem razão, como sempre. A melhor lição que aprendi foi que a decisão errada se for apoiada pode-se tornar a correta…quem perceber isto dentro de campo só tem a ganhar.
Olhando para o rugby português, achas que evoluímos ou estagnámos nos últimos 10 anos? Como jogador, onde é que achas que temos de fazer um investimento sério (humano e económico)?
Ora bem, basta olharmos para os resultados a nível Sénior que qualquer um repara que temos vindo a descer em pique inegavelmente. No entanto a nível jovem temos tido os melhores resultados de sempre o que torna a realidade do Rugby Português numa dicotomia muito interessante. Economicamente não existe uma estrutura global e uniforme que capte a nível Sénior os jogadores para poderem ser Semi Profissionais com fundamento de modo a poderem pelo menos quando necessário estarem focados nos resultados e preparação pois todos ou trabalham, estudam ou tem de providenciar para as suas famílias.
O tema remonta muito mais atrás do que destes últimos 10 anos, mas que infelizmente pós-Mundial parecíamos o pós-Salazar com os cofres cheios e toda a liberdade e poder até os esvaziarmos e esgotar a credibilidade que tínhamos chegado a este momento de introspecção e reconstrução necessária. Humanamente tanto a nível de talento de jogadores como treinadores temos de sobra para a nossa realidade cada vez mais vincada de top 25-30 do Rugby Mundial. Agora passa por rezar que a FPR tome o rumo certo e não cai nos erros de quem la esteve no passado, munindo-se de pessoas serias e altruístas juntas e focadas no mesmo objectivo de melhorar o Rugby Português como um todo.
Achas que há possibilidade de voltarmos ao nível que tivemos na Selecção Nacional entre 2006 e 2014?
A esperança nunca deve morrer e temos sempre de acreditar e trabalhar positivamente pelo melhor mas uma ida ao Mundial de XV não vejo acontecer tão cedo, se que alguma vez mais pois o fosso com as outras equipas a nível monetário e de estruturas já implementadas não pode ser comparável e a experiência que ganham com este avanço já considerável torna as dificuldades cada vez maiores de encurtar as realidades. Vamos ver o que o futuro nos vai trazer, mas tem de começar com passos pequenos como voltar as VI Nações B e cimentar a nossa permanência assim como voltar a ganhar Grand Prix de VII e voltar ao Circuito Mundial assim como chegar aos JO.
Ainda fizeste parte dos treinos da Selecção de 7’s durante algum tempo, sentes que nos últimos anos houve uma falta de aproveitamento desta variante?
Foi curto, mas bom os meses de preparação para as etapas do Dubai e SA e deu para perceber um pouco melhor a realidade do que se passava, numa altura que estávamos no auge nesta variante.
O trabalho tem sido feito e bem mas as saídas do Circuito Mundial e piores resultados nos Grand Prix mesmo na altura em que a variante entrou nos JO foi algo marcante e que devia ter tido uma por parte da FPR anos antes um plano estruturado de profissionalizar um grupo alargado de jogadores em que o seu uso em XV seria limitado para atacar a permanência no Circuito e os JO da melhor forma pois era a oportunidade de ouro. Agora do lado de fora só torna tudo muito mais complicado…
Treinar e jogar com o teu irmão… complicado ou fácil? Quem é o mais talentoso e o mais casmurro?
O meu irmão sempre foi a estrela, mesmo nas camadas jovens e nas selecções. Infelizmente o seu percurso foi muito mal gerido e aproveitado pelo clube que só ficou a perder. Casmurro também ganha aos pontos mesmo vivendo num Mundo só dele.…por isso leva as 2 medalhas! Fácil de jogar pois ele percebe muito de Rugby ao contrário do que muita gente pode achar, mas tem convicções muito vincadas que por vezes não o ajudam a ver o panorama geral de uma forma mais relaxada.
Melhor Jogador do Mundo para ti? E em Portugal?
Presentemente: Brodie Retallick/Jacob Stockdale; Pedro Silva/Valter Ferreira
Passado: Richie McCaw/Jonny Wilkinson; Manos Mateus / Manos Murinello
CDUL, Belenenses, Caldas, Benfica, Moita, qual a tua passagem favorita?
Todas favoritas da sua maneira porque sempre aprendi muito em todas e com óptimos balneários, mas se tivesse de escolher uma seria o Belenenses pela oportunidade de sair da minha zona de conforto e abrir os olhos para o que pode e deve ser o Rugby como um todo. Um clube que me revitalizou e onde fiz amigos para a vida e que mantenho.
Quem placa melhor, tu ou o teu irmão?
Eu placo e ele recupera as bolas.
Queres deixar umas palavras aos leitores?
Carpe Diem.