Diogo Rodrigues. “O rugby ensinou e moldou muito da pessoa que sou hoje”

Francisco IsaacFevereiro 6, 202011min0

Diogo Rodrigues. “O rugby ensinou e moldou muito da pessoa que sou hoje”

Francisco IsaacFevereiro 6, 202011min0
Um dos ícones do MRC Bairrada respondeu às nossas questões e contou a sua história no rugby português. Diogo Rodrigues em exclusivo no Fair Play
Diogo, muitos anos de rugby, sempre na “casa das máquinas” do jogo… arrependido da viagem até aqui? O que te ensinou a modalidade?

Boa tarde. É verdade, estou a cumprir a 19ª época sénior com 32 anos, iniciando logo a “doer” nos seniores com 14 anos, algo impensável nos dias de hoje. O rugby ensinou e moldou muito da pessoa que sou hoje. Sempre tentei cumprir com o clube, que me trouxe tantas experiências nestes anos todos e me tornou uma pessoa mais ponderada, a meu ver. Ensinou-me valores como compromisso, trabalho em equipa, ouvir os outros antes de tomar decisões. Coisas que parecem tão clichês mas que se revelam fundamentais para o meu dia-a-dia. Resumindo, o que sou hoje devo-o a este maravilhoso desporto.

Se pudesses repetir um episódio ou momento da tua carreira no rugby, qual seria? E porquê?

Haveria certamente alguns momentos que adoraria repetir. Desde poder voltar a jogar com alguns amigos (na altura já veteranos) que me transmitiram tudo quando entrei para o rugby e que me habituei a admirar ou poder voltar a jogar com a equipa que jogámos há 4 anos atrás e que por um triz não se classificou para a final de subida à divisão de honra, tendo alcançado o 3º lugar no CN1, que tinha um grande espírito e muita qualidade mesmo.

O Moita Rugby Clube da Bairrada é um clube especial? Como foi a primeira vez que vestiste a camisola?

Sem dúvida que é. Somos uma Aldeia que joga um desporto que não é de elites mas que luta com tudo o que tem para se ombrear com qualquer equipa que entre em campo conosco. Somos tão pequenos e gigantes ao mesmo tempo. Na Aldeia da Moita não deve haver uma única família que não tenha alguém que jogue ou tenha jogado no clube. O espírito familiar é sem dúvida um dos pontos fortes do clube.

Em relação à primeira vez que vesti a camisola, lembro-me perfeitamente. Foi contra o Vitória de Setúbal no Estádio Universitário de Lisboa. Com 14 anos, iniciei no banco e a 15 minutos do fim o treinador chama-me para entrar. Entrei em campo, duas ou três situações e num maul levei um soco que me rachou a cana do nariz. Foi o baptismo. Inesquecível eheh.

Algum treinador ou colega de equipa motivou-te a continuares sempre no rebuliço que é o rugby? Estiveste para desistir em algum ponto?

Nunca tive muitos treinadores no clube. O que me despertou sem dúvida a capacidade de melhorar enquanto jogador foi o meu amigo/colega de equipa/ treinador Rui Rodrigues que trouxe ao clube uma nova forma de olhar para o rugby. Com ele eu e muitos outros apesar de já com muita experiência melhorámos muito as nossas capacidades, forma de encarar os jogos, concentração entre muitas outras coisas. Também a chegada de Fúrio Cinti foi fundamental para a nossa melhoria técnica e táctica, que contribuiu para a melhoria da equipa através do seu conhecimento e experiência. Sinto importante dedicar também uma palavra a Marcelo Alves que é uma pessoa que adora o clube e tenta sempre ajudar todas as equipas em que está incluído a melhorar. 

Dentro de campo sem dúvida que as pessoas que partilharam grande parte das experiências foram aquelas que me levaram a continuar. Os meus colegas Pedro Heleno, Jorge Carvalho e Jorge Marques (que ainda joga) sempre foram para mim fundamentais porque partilhavam valores aos quais eu sempre me identifiquei. Estar a especificar pessoas em 19 anos é complicado porque foram tantas as boas pessoas que me ajudaram durante este percurso. 

Em relação a desistir de jogar nunca esteve realmente na minha cabeça, com exceção de um ou outro momento que de facto me levaram a pensar no futuro. O momento da descida de divisão há 3 anos foi de facto aquele em que mais essa ideia esteve mais presente. Depois de um ano anterior muito bom, perdemos, por várias razões, vários jogadores que tornaram essa época muito exigente com um plantel demasiado curto para a divisão em que estávamos. Foi um ano difícil, onde jogámos toda a época com praticamente 17/18 jogadores e que no fim, também beneficiando de mais uma alteração dos quadros competitivos em que em 10 equipas desciam 4 nesse ano, não conseguimos a manutenção. Quebrou-se um ciclo de trabalho e esforço de muitos anos onde nesse período passei por todos os lugares possíveis juntamente com o Rui que basicamente vivíamos para o clube. Algum tempo depois estamos novamente a tentar colocar o clube onde merece com o esforço de todos estamos a retirar agora os primeiros frutos.

Sempre foste um homem da primeira-linha? O que mais gostas desta posição… e o que gostas menos?

Sim, estes anos todos praticamente de 1ª linha. Com algumas excepções passei pelos ¾ ou pela 3ª linha, mas sempre foi na 1ª que retirei grande prazer neste desporto, dentro dos possíveis. Joguei praticamente sempre a talonador que é uma posição exigente mas que gosto muito. Olhar de frente para o adversário é das coisas que mais prazer me dá. É também uma posição onde a experiência de outros anos e outros rugbys me traz muitos benefícios. O que gosto menos são as dores de costas depois. Mas são ossos do ofício.

Entre as várias épocas que alinhaste pelo clube, alguma ficou para sempre na tua memória como inesquecível?

A época de há 4 anos foi fantástica. Ganhámos ao CRAV, Évora, Benfica e todas as outras equipas que defrontámos na Moita, sempre com grande público e com um ambiente fantástico. Inesquecível pelo ambiente de equipa e na Aldeia.

Na actual estão a lutar por um lugar no Top-4… achas que vão conseguir atingir esse ponto?

Estamos a trabalhar para isso. Acreditamos ser possível apesar do nosso início de época algo atribulado, com a adaptação às novas ideias e metodologias, achamos que o conseguiremos e mesmo que no fim isso não seja possível, foi sem dúvida uma época positiva num campeonato muito equilibrado. Jogar o CN1 é saber que nenhum dos jogos em casa ou fora está ganho ou perdido antes de o Árbitro apitar para o seu inicio.

A chegada do Luis Supico deu um boost extra para o desenvolvimento do clube? Qual é a mensagem que o novo director-técnico e treinador tem passado para vocês de forma constante?

Tem sido muito positiva. É uma pessoa muito acessível e com um discurso positivo que tem feito a equipa crescer. Era de uma pessoa assim que estávamos a precisar neste momento para nos colocar no rumo certo para crescer como equipa. Juntamente com o Marcelo Alves o Luís conseguiu criar um grupo alargado de opções que nos tem permitido manter uma boa regularidade.

A Aldeia do Rugby, é mesmo um centro dedicado à modalidade? Pode ser Anadia uma das “casas” da oval portuguesa?

Sem dúvida que o é. Como referi anteriormente todas as famílias da Aldeia têm ou tiveram familiares a jogar pelo clube. O Município de Anadia também foi sempre um grande parceiro e apoiante da nossa modalidade, algo que não nos cansamos de referir e agradecer. O rugby na Moita celebra este ano 45 primaveras, sempre em competição, procurando sempre ter escalões de formação, rugby feminino e equipa de veteranos, com as portas sempre abertas para todos. Para mim esses factos são sinónimos de exemplo de estar na modalidade e no desporto.

O que podemos fazer mais em prol da modalidade? Sentes que há união no rugby português?

Mantermo-nos em atividade seja ela de que forma for. Como treinadores, árbitros, dirigentes, etc. O rugby certamente beneficia com a participação ativa de todos os antigos jogadores e pessoas ligadas aos clubes. Não tenho uma opinião muito formada em relação à atual união do mesmo, mas certamente que a modalidade beneficiará com mais pessoas envolvidas nela, melhorando as estruturas de suporte tanto aos jovens atletas como aos próprios clubes.

É um objectivo teu ficar ligado ao rugby depois de abandonares os relvados? O que gostavas de fazer?

Sim. Gostaria de ficar ligado como treinador de formação, transmitindo o meu conhecimento, experiência e valores aos mais jovens que poderão de alguma forma beneficiar com isso. Não descarto também a possibilidade de voltar a representar o clube como dirigente mas não faz parte das minhas preferências, pois acho que poderia contribuir mais como treinador.

Perguntas divertidas: o talonador realmente é um primeira-linha a sério ou um terceira-linha disfarçado?

Penso que varia um pouco de pessoa para pessoa e das suas características. No meu caso não me considero um 3ª linha disfarçado, que são jogadores geralmente completos, inteligentes e muito aguerridos. A velocidade nunca foi o meu forte. As fases estáticas sim.

Fazer uma sequência pick and go durante 5 minutos ou quebra-de-linha na tua linha de ensaio e sprintares até ao outro lado do campo?

A 2ª opção no meu caso seria difícil, a menos que toda a equipa adversária estivesse a mancar eheh. A primeira sem dúvida que representa o que gosto. Trabalho e dedicação em função da equipa, fazendo o necessário para atingir os objetivos.

Melhor primeira-linha e avançado que viste jogar?

Em Portugal os jogadores que mais seguia eram sem dúvida o João Correia e Joaquim Ferreira. Internacionais gostava muito do Kevin Mealamu (NZ), Bismarck du Plessis (SA) e Keith Wood (IR). Todas referências da sua posição e dos seus países. Como avançados o melhor para mim de longe foi Richie MacCaw.

Por qual avançada gostavas mais de jogar: Crusaders, Springboks ou França?

Pela sua dureza e características de jogo a África do Sul. Sempre gostei muito de ver a África do Sul jogar e da sua capacidade de superação. Fundamentalmente depois da história do Campeonato do Mundo de Rugby em 95 que me tornei um seguidor.

Momento em que sofreste mais do coração dentro de campo?

Os momentos extremos foram os que mais me emocionaram. O jogo de Campeão Nacional frente ao Guimarães e o jogo de descida de divisão foram os mais emocionantes, um pela positiva e outro pela negativa. O jogo que vencemos o Benfica há 4 anos na Aldeia do Rugby por 50 pontos foi também emocionante na medida que nos mostrou a nossa capacidade como equipa apesar dos poucos recursos.

Colega de equipa que se pudesses raptavas e deixavas esquecido no armário do material?

No início do meu percurso no clube tinha alguns que teria deixado certamente esquecidos num armário, pois de facto davam-me cabo da cabeça. Agora não há nenhum com essas caraterísticas, até porque todos são importantes.

Queres deixar umas palavras e mensagem ao público do MRC Bairrada, colegas de equipa, treinadores e restantes adeptos do rugby português?

Uma palavra de agradecimento por todo o apoio ao longo destes anos. Tenho a felicidade de ter obtido poucos nãos como resposta nas mais variadas situações por que passei no clube. Tem sido um prazer defender o clube ao longo destes anos, admitindo alguns erros pelo caminho, mas com as melhores intenções. Aos colegas obrigado pela paciência que têm comigo nos treinos e jogos, porque sou uma pessoa nervosa. Eheh Para mim todos são importantes e quem me conhece sabe bem que pode contar comigo para o que for necessário. Ao rugby português a única palavra que posso ter é a de coragem por continuar a remar contra a maré e de apesar de todas as dificuldades nunca desistir. É o melhor que temos.

Uma palavra também ao FAIRPLAY e Francisco Isaac pelo trabalho brilhante que têm desenvolvido em prol do desporto e do rugby, dando notoriedade aos clubes e seus intervenientes, compensando por vezes a falta de informação que deveria vir dos órgãos oficiais. Um sincero obrigado.

Um dos ensaios de Diogo Rodrigues em 2019/2020 (1:10)


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