Arquivo de Basquetebol - Página 3 de 38 - Fair Play

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Lucas PachecoJunho 24, 20247min0

Ontem chegou ao fim as participações de Sodiê Mesquita e Corinthians na Liga de Basquete Feminino (LBF). A equipe fluminense não foi párea para o favoritaço Sampaio e sucumbiu na série de quarta-de-final com duas derrotas; a equipe paulista teve mais oportunidades contra o vice-líder da fase regular, que não aproveitadas, acabaram decretando a eliminação contra o Ituano.

Nada a se lamentar em Mesquita. Embora uma eliminação nunca seja comemorada, o desempenho e a colocação da equipe foram condizentes com o investimento e as expectativas. Longe dos maiores orçamentos da liga, a Sodiê tem uma espinha dorsal (Thayná, Mayara, Brenda Barros, Amanda) à qual incorpora reforços pontuais (a armadora colombiana Caicedo) e muitas jovens, em busca da oportunidade profissional. A fórmula pode não resultar em títulos, mas a equipe vem assegurando vaga em playoffs, acima de equipes mais ricas e rodadas.

De tal forma a Sodiê Mesquita se consolidou na LBF que às vezes esquecemos a modesta origem do projeto. Começando em 2019, com elenco formado pelos destaques de uma liga amadora do estado do Rio de Janeiro, a equipe dá passos tímidos ano após ano e consegue a proeza de se manter em atividade de forma competitiva. A geografia do basquete feminino é bem restrita e a incorporação de um centro tão importante no cenário de formação nas últimas décadas deveria receber mais atenção.

A Mangueira formou uma série de jogadoras; Érika, Tati Pacheco, Rapha Monteiro, Thayná, Clarissa, a lista de cariocas no topo da modalidade é extensa e até 2019 elas não tinham opção de jogar representando seu estado. A chegada da Sodiê mudou as perspectivas e, hoje, a equipe possui inclusive equipe de base, investindo não somente no time profissional como buscando revelar novos nomes.

Sabemos das dificuldades enfrentadas pela base do basquete feminino e sopros como os promovidos por Mesquita deveriam ser exaltados e copiados. A CBB localiza-se no mesmo estado, um dos mais ricos do país, por que não incentivar e promover Mesquita como um pólo de formação em basquete feminino? A transição para o adulto encontra uma válvula de escape no time profissional.

Fora da curva, a temporada de 2021 foi um marco, talvez o único ano em que a equipe teve pretensões reais de vencer nos playoffs. Logo na estreia, uma vitória impressionante sobre o poderosíssimo Ituano (futuro campeão da temporada), implantando uma defesa sufocante, pressionada, física e intensa. O time obrigou as adversárias a elevarem (em muitos patamares) o quesito fisicalidade, sem o quê sairiam derrotadas perante Mesquita. A melhor campanha do time (6v e 8d) resultou no MVP para a ala Thayná, finalizada somente na partida desempate das quartas, quando perdeu para Campinas.

As “novidades” trazidas pelo técnico Raphael Zaremba, entretanto, logo deixaram de surtir efeito e, ainda em 2021, vitórias impensáveis (contra Sampaio, Santo André, Campinas) vieram acompanhadas de derrotas lamentáveis (Catanduva). O time chegou longe e demonstrou que, para alçar voos mais altos, precisaria de maior variação em seu esquema de jogo; ao jogo físico, corrido, precisaria adicionar camadas, jogadas para arremessos específicos, apostar em outras aspectos do basquete.

Porém, as condições extra-quadra mudaram a cara do elenco. Se em 2021 o time contava com uma habilidosa pivô, a francesa Gneneka, no ano seguinte viu-se obrigado a recorrer à jovem Brenda Barros. Apesar de constituir uma característica do padrão de Zaremba, a ausência de pivôs dominantes nas tábuas prejudicou as campanhas seguintes. Brenda evolui ano após ano (finalizou sua temporada mais eficiente em 2024), porém parece pouco para enfrentar equipes mais calejadas e altas. Thayná faturou o bi-MVP em 2022, ofuscado pela contusão que a tirou da parte final da temporada e que impediu a dupla com a ala Ramona. Em 2023, já estabilizado com a espinha dorsal do time e complementado por novatas, nova classificação aos playoffs nas posições finais colocaram um confronto de Davi e Golias.

De certa forma, 2024 foi uma continuação do roteiro, com o adicional da chegada tardia de sua estrela (Thayná enfim se aventurou na Europa). Como reforço pontual, a colombiana Caicedo estabilizou a armação e acrescentou outra defensora atlética ao combo. Porém, nenhuma mudança no padrão tático ou na proposta de jogo fizeram o time estagnar. O modelo de Zaremba, hoje, é manjado e a liga encontrou antídotos para o estilo físico de Mesquita.

 

Sonhar não custa nada e a gestão do projeto é prova viva da necessidade de expectativas mais altas. Quem, há cinco anos, imaginava que uma cidade da Baixada Fluminense estabeleceria um pólo de basquete feminino, com uma torcida apaixonada e a cada dia mais apaixonada? Não há razão para restringir esse crescimento (gradativo, pé no chão) ao extra quadra; mantendo a filosofia de elencos jovens, com a espinha dorsal e a identidade já montadas, é possível subir alguns patamares na próxima edição. Para isso, talvez sejam necessárias algumas mudanças no comando técnico e na proposta de jogo.

A outra equipe eliminada representa fórmula radicalmente oposta. Clube de massa, o Corinthians montou um time às pressas, de última hora, com jogadoras disponíveis no mercado com a competição prestes a iniciar. Com investimento bem maior ao de outras equipes, conseguiu montar um time mesclado, de muita experiência e muita juventude – e o equilíbrio mostrou-se frágil durante a temporada.

Por um lado, a armadora Micaela, de recém completados 16 anos, conquistou seu espaço e mostrou-se essencial no esquema cadenciado de jogo do técnico Cristiano Cedra. Por outro, o time dependeu em demasia de rebotes ofensivos, segundas chances e lances livres. Mesmo em situações favoráveis, o time sofreu para impor ritmo e abrir vantagens largas; nada poderia ser mais significativo que as duas derrotas para o Ituano nas quartas.

No jogo 1, em “casa” (o ginásio Wlamir Marques recebeu uma reforma que obrigou a equipe a jogar em Mogi, justo na reta decisiva da competição), uma dura derrota por 62 x 64 após construir muito bem o jogo e pecar no fechamento. A equipe conteve a pivô Gabi Guimarães (MVP da fase regular), restrita a 19 minutos e 8 pontos, mas não soube marcar as bolas de três de Lee Lisboa; Monique, substituta de Gabi, melhorou demais a defesa e o Corinthians, sem sua armadora (na seleção sub 18), viu Joice roubar uma bola no final para sacramentar a vitória.

 

No duelo decisivo, outra partida equilibrada que findou com derrota. O 73 x 70, favorável ao Ituano, eliminou o Corinthians da temporada, deixando um gosto agridoce na torcida. Ainda que não figurasse como franca favorita, a equipe possuía talento para chegar mais longe; o estilo algo solto da equipe não favoreceu um conjunto envelhecido, que recorreu a defesas zonas espaçadas e concedeu espaço para as adversárias. Tampouco Cedra finalizou bem a partida derradeira; antes do intervalo, 3 pontos atrás, ele colocou Sofia, Julia e Thalita na defesa da posse final, formação punida pelo Ituano com a ligação direta para Leila no poste baixo. No final do 4Q, um erro de bandeja de Clarissa e uma posse sem arremesso decretaram a precoce eliminação.

Sob qual perspectiva se olhe, a linha de aprendizagem é clara, tanto para o técnico, quanto para a equipe. É essencial a continuidade do projeto, desta vez com planejamento na montagem do elenco, e a devida valorização da modalidade no clube. Micaela acabou de chegar na LBF e mostrou credenciais para dominar por muito tempo; outras jovens merecem disputar espaço e aprender com as experientes, cuja participação precisa de definição de papéis.

 

O Ituano aguarda, agora, o vencedor da série entre Sesi Araraquara e Blumenau; o Sampaio assiste o duelo entre Santo André e Unimed Campinas para saber quem enfrentará na semi-final.


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