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Lucas PachecoOutubro 25, 20247min0

O New York Liberty enfim conquistou seu primeiro título da WNBA (sem contar a Comissioner’s Cup  de 2023) após uma espera de 28 anos. Nada mais significativo para a liga, vez que o Liberty era a última das três únicas franquias originais (além de Los Angeles Sparks e Phoenix Mercury) a se manter em atividade, nem trocar de cidade, sem obter o troféu. A seca acabou e a cidade vê-se livre de uma sina nada auspiciosa para a franquia.

Após o boom inicial, nos anos finais dos anos 90, a liga viveu anos de queda na audiência e pouca valorização. Muitas trocas de cidade, franquias acabando, baixo investimento e um retorno financeiro pouco confiável, processo que começou a ser revertido a partir de 2020. O ‘ano da bolha’ engajou as jogadoras como nunca, mais ativas nas negociações e no planejamento da liga. O Liberty seguiu essa macro-tendência e após os vices em 1997, 1999, 2000 (derrotas para o mesmo adversário, o Houston Comets) e 2002 (perdeu para o Sparks), a franquia histórica passou por décadas de baixa.

O ostracismo coincidiu com o desleixo com que a franquia era gerenciada; a equipe chegou a ser deslocada para um ginásio minúsculo e mal localizado, onde jogou por duas temporadas. Mesmo contratações importantes, como a contratação de Tina Charles, ficavam isoladas em um mar de mediocridade, razão pela qual uma nova final foi atingida somente em 2023 – mas muita coisa havia mudado.

A franquia começou sua reconstrução em 2019, partindo do zero. Os novos donos (o casal Tsai) trocou tudo, desde o GM, passando pelo comando técnico, até chegar ao elenco. Em 2020, por exemplo, pela primeira vez o Liberty teve a escolha número 1 do draft, quando recrutaram Sabrina Ionescu, peça chave no título de 2024. Naquele ano, porém, com um time extremamente jovem, formado por jogadoras do draft, com pouca experiência, a campanha naufragou.

Gradativamente, a franquia foi se recolocando como contender, a partir de movimentos originados pelos donos de valorizar e investir na equipe. O time passou a sediar seus jogos no Barclay’s Center, construiu um centro de treinamentos, divulgou pesadamente e, na intertemporada entre 2022 e 2023, atraiu três jogadoras de primeira prateleira da WNBA: a pivô Jonquel Jones (MVP em 2021), a ala-pivô Breanna Stewart (1x MVP e bi-campeã) e a armadora Courtney Vandersloot (campeã em 2021). Elas se juntaram à ala-armadora Ionescu e à ala Betnijah Laney para formar um quinteto logo intitulado de ‘supertime’.

Para comandar o barco, nada menos que Sandy Brondello, campeã pelo Mercury e responsável por montar times competitivos anos após ano. Estava formada a espinha dorsal do elenco campeão. No primeiro ano juntas, a derrota na final (5ª derrota em final) para o Las Vegas Aces, o outro ‘supertime’ da liga, deixou marcas. O time precisaria melhorar ainda mais para atingir seu objetivo último. Veio a intertemporada, preparatória para 2024, e a direção trabalhou incansavelmente, buscando peças pontuais para bater seu arqui-rival Aces.

Curioso que Aces e Liberty representam os dois lados da mesma moeda; ambas franquias, com donos novos, se revitalizaram e ampliaram os investimentos. Por mais que tenham montado verdadeiros esquadrões, repletos de estrelas, ambos só conquistaram seu troféus devido às jogadoras coadjuvantes. Sem coletivo afiado, sem plano e estratégia tática, sem reservas capazes, não se conquista título na WNBA – demonstrando os limites da narrativa dos ‘supertimes’. Em uma liga pequena, de apenas 12 equipes, com tamanho talento, sempre houve esquadrões.

Quando a engrenagem começa a rodar, tudo se ajusta. NY já havia assegurado a chegada da ala alemã Leonie Fiebich (como moeda de troca em uma negociação) e convenceu-a a estrear na liga. Com uma ala desse quilate disponível, vinda de MVP na liga espanhola, estreia olímpica para seu país e um quase-MVP na Euroliga, Sandy Brondello fez a mudança crucial nos playoffs: sacou Vandersloot do quinteto titular e inseriu Fiebich, entregando a armação para Ionescu.

O ajuste repercutiu como raras vezes na liga: Brondello desmontou a dupla Ionescu/Sloot, maior vulnerabilidade defensiva de sua equipe no vice de 2023, deu liberdade para Ionescu comandar o show e abusar de suas infiltrações e inseriu uma verdadeira sniper no quinteto titular. Não à toa, a alemã assinalou estatísticas históricas (plus/minus essenciais para a vitória na semi sobre o Aces, além do aproveitamento bizarramente bom nas bolas de três pontos), acrescentando ainda a melhor defensora de perímetro do elenco, capaz de defender qualquer posição.

Com tudo encaixado, a final (6ª da franquia de Nova Iorque) foi o momento de brilho de Brondello. A série contra o Minnesota Lynx (maravilhosamente descrita em New York Liberty: O grande campeão de 2024 da WNBA) entrou para a história, pelo equilíbrio nunca antes visto na história da liga. O desfecho veio somente na prorrogação do jogo desempate! Aqui, precisamos elogiar o tradicionalíssimo Minnesota: sem tantas estrelas individuais, a equipe de Cheryl Reeve apostou em um jogo coletivo e altruísta, construído em volta do talento indescritível de Napheesa Collier. A ala-pivô era cercada de jogadoras ágeis; uma das melhores defesas da temporada, com cobertura e comunicação acima da média, pareado por um ataque espaçado, com abuso de pick-and-roll.

Se o jogo 1, vencido pelo Lynx nos instantes finais, teve as digitais de Reeve, que apostou na formação baixa (small ball), Brondello deu o troco nas partidas seguintes. O duelo tático das técnicas foi um capítulo a parte na temporada, Reeve e Brondello seguiram ajustando durante a série: a técnica do Liberty praticamente obrigou a saída de Myisha Hines-Allen da rotação do Lynx ao torná-la uma nulidade ofensiva, liberando Breanna para cobrir o restante da quadra. No jogo 3, após um primeiro tempo fraco, Brondello simplificou o jogo e deixou a ala-pivô Breanna Stewart como principal condutora de bola e iniciadora do ataque (Ionescu estava mal até os minutos finais, quando acionou seu modo clutch).

A cereja do bolo veio no jogo 5, quando novamente o Liberty estava atrás do placar e sem poder de reação. Brondello partiu então, em um movimento arriscado, para o tudo ou nada, apostando em uma formação inédita nos playoffs, um big ball que vai na contramão da cartilha atual do basquete. Deu certo: com apenas uma “pequena” e 4 “altas”, o time voltou a ser competitivo, se recolocando na partida. Nyara Sabally (draftada em 2022) e Kayla Thonton (contratada como moeda de troca) mudaram o jogo, aliado ao evidente cansaço do Lynx (com menos peças a disposição). A formação escondeu as péssimas sequências de arremesso das suas protagonistas (Breanna com 9/36 e Ionescu, 6/34 combinados os dois jogos finais da série) e demonstrou, uma vez mais, o trabalho coletivo de New York.

Outros fatores influíram na série, como a contusão de Allana Smith no jogo 3, ou decisões questionáveis da arbitragem. Tampouco ajudou a péssima atuação de Courtney Williams na última partida, ou o calendário apertadíssimo das finais (série final esprimida em míseros 10 dias, impactando na condição física das atletas) mas nada apaga o trabalho formidável do Liberty, cujo título foi mais que merecido.

Antes de pensarmos nos próximos passos da liga, louvemos e exaltemos o indiscutível campeão. O New York Liberty enfim conquistou seu primeiro título e a hora é toda de comemoração. A liga e uma de suas poucas franquias originais fecham um ciclo, com promessas de mais crescimento para os próximos anos. Por ora, deixemos a mascota Ellie ditar as regras e colocar todo mundo para dançar ao ritmo da Big Apple.


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