Sobre nostalgia… e desporto

Nuno CanossaFevereiro 4, 20244min0

Sobre nostalgia… e desporto

Nuno CanossaFevereiro 4, 20244min0
Nuno Canossa com mais um texto com uma reflexão sobre a nossa vida e o desporto... e sobre nostalgia, também.

Uns são os saudosistas das últimas décadas do século XX. Outros, os dos cada vez mais longínquos 2000 e [inserir algoritmo]. E para os mais novos, ficarão marcados os anos 10 e 20 dos tempos modernos.

Para os millennials, são os relatos nos rádios a pilhas, as idas ao estádio com os avós ou pais e os jogos em canal aberto: privilégios que há muito deixaram de ser. Para os da geração seguinte, é a televisão no canto da sala, crianças portuguesas, francesas ou alemãs a ver o mesmo Blackburn-Manchester United a um domingo à tarde. E para aqueles para quem as memórias são ainda o que ontem se fez, serão certamente os hightlights no Youtube e os tiktokts dos maiores craques da geração, tecnologia de ponta que, ao passo que escrevo, já a deixa de ser.

Para os mais velhos foi ainda a novidade de recriação dos jogos do pátio da escola ou da rua nas primeiras consolas. Para os da geração seguinte, menos chutos na bola e mais simulação de carreiras, como jogador ou treinador, nas equipas que se sonhava um dia representar. E para os últimos, com menor interesse ainda pelo jogo disputado no alcatrão que faz dói-dói no joelho ou no fofinho da televisão, é a coleção dos principais protagonistas, os craques do show no campo e nas redes sociais, que chegaram a ser guardados em cadernetas maçudas A4, noutros tempos. Com a particularidade de agora ser muito mais fácil de adquirir um Cristiano Ronaldo dourado.

Em todo o caso, há algo que une a maior parte fãs de desporto, dos mais antigos cujos velhos tempos são cada vez mais velhos até à pequenada ainda longe de compreender, sentir e reconhecer o termo: a tristonha nostalgia. A eterna sensação de que, independentemente do desporto, os melhores anos já lá vão. Já não é bem como antes. A era Messi-Ronaldo, o domínio dos Bulls de Jordan, a glória dos duelos FedererNadal no auge do ténis mundial. E se calhar sim, os jogos eram mais intensos e disputados antigamente. Ou talvez não, há analistas que afirmam convictamente que nunca se assistiu a tanto talento na NBA como consecutivamente nas últimas temporadas. Há mais formas de manutenção do corpo e melhoria de performance. Mas os atletas aparentemente menos empenhados, fruto de uma sociedade de distrações e tentações. Enfim, tanto melhor que se discorde.

Mas, e isto sou eu para os meus botões, é só a vida que se sobrepõe à natureza incontestavelmente infantil de qualquer desporto. Com o maior respeito por aqueles que trabalham no meio, até porque há pão para pôr na mesa ao final do dia, e até mesmo por aqueles que o consomem – o que não é mais do que admitir respeito próprio, já que vos chateio todos os meses por aqui sobre modalidades que assisto com regularidade -, arrisco-me então a concluir que o desporto vai perdendo o seu encanto à medida que a vida se torna mais séria. Enquanto novos, vivemos para os nossos passatempos, somos hedónicos. Vivemos para aquilo que nos dá prazer: as conversas com amigos, os gelados no verão, as músicas preferidas na rádio recriadas na guitarra ou piano e, claro, o futebol. Ou basquetebol. Ou voleibol. Enfim, a modalidade é irrelevante para o caso. Mas há um momento em que esses prazeres perdem o seu lugar ao centro e são atropelados pela realidade. De repente, o trabalho, as dívidas, filhos, as redes sociais, doença e morte. Um ciclo em que os pequenos prazeres, outrora tudo, são tão perto de nada. Trancados numa gaveta que, aberta com menor ou maior frequência, guardam personalidades de quem vivia para o prazer e agora tem de lutar para ainda o ter. O dado passa a conquistado.

Ultimamente, tenho me deparado com algum conteúdo das redes sociais que tentam provocar essa sensação, uma espécie de nostalgia induzida que não espanta que fragilize alguns consumidores mais suscetíveis à tristeza saudosista. O melhor dos tempos de infância e de adolescência podem estar cada vez mais longe e até não ser recriáveis  provavelmente não estarei cá para me redimir, quando inevitavelmente a 35ª empresa de Elon Musk desenvolver uma tecnologia que me contrarie -, mas, até lá, que não seja tarde demais para voltar a dar uns toques na bola ou para uns acordes no desafinado violão.

Nota: ainda assim, a dor nostálgica dos que cresceram felizes é imensuravelmente inferior à daqueles que foram privados de infância e adolescências que tanto mereciam.


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