“O Triunfo dos Porcos” ou “Apologia do Bom Senso”
Escrito no fim da Segunda Guerra Mundial e editado já em 1945, “O triunfo dos porcos”, sátira política contra Estaline e o seu regime totalitário, recebeu enorme aclamação, não só pela escrita em si como por ter coincidido com o fim da ligação entre aliados e Rússia e o início da Guerra Fria. E por ter sido escrito por um célebre comunista.
George Orwell – escritor, ensaísta, jornalista, crítico literário, poeta, anarcocomunista, forte protector das tradições inglesas, ateísta mas casado (duas vezes) pela igreja, anti-social, humanitário – era um homem complexo, cheio de contradições e ambiguidades mas focado no que considerava o mais importante: bom senso.
Vivemos uma época conturbada no Rugby nacional, culminando na recente demissão de Cassiano Neves e o seu elenco depois de decisões absolutamente contraditórias que encravaram esta e (presumo eu) a próxima época. Muito se falou de quem fez o quê, passando culpas de um lado para o outro, sanções a aplicar, multas, suspensões, muita tinta gasta que nos afasta do que realmente interessa: num universo de 12 milhões de pessoas, somos 7,500.
Sete mil e quinhentos jogadores federados. A ÚNICA razão porque se falou tanto nisto é que, pura e simplesmente, foi filmado – tal como numa luta filmada na escola entre alunos, o país inteiro falou do Rugby porque… se viram as imagens. De resto o desporto é conhecido, a nível nacional, como uma brincadeira de uma elite. Um pouco ao nível do golfe, com uma pequena diferença: o golfe tem o dobro dos praticantes federados.
É de senso comum que acho vergonhoso o que aconteceu. Não estava presente mas foi o que me saiu quando vi o vídeo: que vergonha. Óbvio que tem de haver ilações e punir culpados. Seja no Agronomia-Direito de Séniores como num qualquer jogo de sub-8 em que país andem à pancada (isso vi eu ao vivo…). O Rugby nacional está mal mas não é por causa duma meia-final. Está mal porque há valores inerentes ao nosso grande desporto que estão esquecidos.
Aproveitando a recomendação da entrada do Tag Rugby nos programas de Educação Física até ao 12º ano, os clubes têm, finalmente, hipótese de aumentar o leque de praticantes e potenciar, de maneira quase inimaginável, o Rugby a nível nacional.
Desporto inclusivo, a variante de Tag ajuda à compreensão dos princípios básicos com o menor contacto possível a centenas de milhares de crianças. Daí aos clubes há uma montanha a subir – mas passa a haver uma base de recrutamento fora do que é o habitual (filhos / netos / sobrinhos / irmãos de antigos jogadores, amigos convencidos a experimentar, escola com parceria com clube); sangue novo que bem precisa entrar no Rugby. Mas não a qualquer custo.
Sendo o Rugby uma escola de vida, é na formação dos seus valores que nos diferenciamos de todos os outros e o ponto em que nos temos de focar mais: e Orwell percebeu muitíssimo bem isso.
Profundo “Socialista Democrata”, Orwell viu em Estaline e, por inerência, na Rússia, um falhanço daquilo em que acreditava; não tanto por ver erro nessa sua visão mas por a mesma ter sido subvertida a uma máquina totalitária. Para Orwell, fosse qual fosse o espectro político, a sua denúncia seria sempre uma vitória, mesmo que implicasse o fim do estado Comunista.
Se queremos sangue novo, números a nível nacional e tornar este num desporto inclusivo, quem já está no meio tem de reavaliar o seu papel e mudar se necessário, sob pena que o bom senso, arma maior para considerarmos o Rugby diferente de tudo o resto, deixe de existir e o nosso tão amado desporto se torne, rápida e invariavelmente, igual a todos os outros.