All Blacks: problemas internos sérios ou antecâmara para o Tri?

Francisco IsaacNovembro 22, 201814min0

All Blacks: problemas internos sérios ou antecâmara para o Tri?

Francisco IsaacNovembro 22, 201814min0
A Nova Zelândia consumou a 2ª derrota em 2018 e muitas já trataram de apresentar a certidão de óbito dos campeões mundiais. Mas será mesmo assim?

Os All Blacks tropeçaram por uma 2ª vez no mesmo ano, terminam pela primeira vez, em vários anos, como a 2ª melhor selecção do Mundo também no mesmo ano e os “tubarões” e “profetas do Apocalipse” apressaram-se a tecer críticas, soluções, ideias, condenações e tudo mais. Para alguém que não é familiarizado com a modalidade, se efectuasse três perguntas recebia sempre a mesma resposta. Aqui vão elas:

P. Quem são os Campeões do Mundo?
R. All Blacks, duas vezes de forma consecutiva;

P. Há algum ranking? E se sim, quem está em 1º lugar?
R. All Blacks, há mais de 11 anos;

P. Qual é a selecção mais “temida” em geral no rugby?
R. All Blacks, porque em dez anos perderam 11 vezes em 120 jogos;

Nenhuma equipa é dominadora para sempre, não há impérios imortais e derrotas fazem parte da evolução desportiva. A grande questão foi o “como” se deram essas derrotas, especialmente frente à Irlanda, um dos jogos mais valorosos e intensos dos últimos anos. Mas já lá vamos, uma vez que é preciso desmistificar algumas ideias entretanto inventadas assim como tentar explicar o que os All Blacks tentaram “montar” neste período menos bom.

Vamos, novamente, usar as perguntas ou falas constatações para chegar às respostas.

OS ALL BLACKS HÁ MUITO TEMPO QUE NÃO PERDIAM POR DUAS VEZES NO MESMO ANO

Falso. A Nova Zelândia perdeu duas vezes ou não ganhou por dois jogos no mesmo ano em 5 ocasiões diferentes no que concerne à 2ª década do século XXI: 2011 (África do Sul e Austrália, ambas nas Tri Nations antes do Mundial), 2012 (empate com a Austrália e derrota contra a Inglaterra em Twickenham), 2014 (empate contra a Austrália e derrota frente aos Springboks), 2017 (derrota e empate contra os British and Irish Lions e derrota contra a Austrália) e 2018.

Se quisermos só considerar derrotas, ficamos reduzidos então a 2011, 2017 e agora 2018. Curiosamente, todas as derrotas de 2017 e 2018 ficaram a apenas um ensaio da reviravolta ou até de uma penalidade bem transformada. Ou seja, o que é raro é os All Blacks perderem por uma diferença pontual superior a 7 pontos, algo que também aconteceu em 2011 contra a África do Sul (5-18), 2012 ante a Inglaterra (21-38), 2015 na Bledisloe Cup frente à Austrália (19-27) e 2016 em Chicago ante a Irlanda (29-40).

Curiosamente, as derrotas mais pesadas provieram de selecções do Hemisfério Norte e, duplamente curioso, contra a Irlanda. Ou seja, a vitória do Trevo em Novembro de 2018 foi histórica por ter sido a primeira em casa, mas a derrota primordial de sempre aconteceu em 2016 e por um resultado assombroso na altura.

Em comparação com a 1ª década do século XX, a Nova Zelândia perdeu por 22 ocasiões em… 121 jogos. Ou seja, os All Blaks contemporâneos já têm melhor média de vitórias ou menor percentagem de derrotas em comparação ao seu passado recente. Entre 2015 e 2016 completaram o recorde de 18 vitórias consecutivas, algo que só a Inglaterra viria a nivelar entre 2015 (1 vitória), 2016 e 2017.

Nem a super Irlanda actual de Joe Schmidt se aproximou deste recorde, apesar do sensacional Grand Slam conquistado em 2018.

Um das piores derrotas dos últimos 10 anos da Nova Zelândia

TUDO BEM, MAS A IRLANDA JÁ PERCEBEU COMO DOMINAR A NOVA ZELÂNDIA

Semi-verdadeiro. A Irlanda de Joe Schmidt tem passado por constantes mudanças, mas sempre focada em construir um plantel profundo com vários opções para todas as posições em campo. A eliminação precoce em 2015 ante uma “agressiva” Argentina, deveu-se principalmente à falta de opções para substituir os lesionados Johny Sexton, Jared Payne, Sean O’Brien (suspenso por uma agressão), Peter O’Mahony e Paul O’Connell. A Irlanda percebeu o seu problema nevrálgico e nos últimos três anos apressou-se a fazer “aquisições” internas e a reforçar as suas províncias com o melhor possível.

De lá para cá, entraram nas contas CJ Stander, Josh Van der Flier, Kieran Marmion, Jacob Stockdale, Tadhg Furlong, Andrew Porter, John Ryan, James Ryan, Jordi Murphy, Joey Carbery, Bundee Aki, Garry Ringrose, Andrew Conway, Jordan Larmour. Em três anos, a Irlanda viu os seus números a duplicarem, ao ponto que as saídas de Simon Zebo ou Ian Maddigan não fizeram qualquer diferença.

Este preâmbulo explica que ao contrário da Austrália, África do Sul, as únicas selecções a derrotar a Nova Zelândia nos últimos 3 anos, a Irlanda está efectivamente pronta para o Mundial com a equipa completamente limada. Este é um dos segredos para se ganhar um Mundial, ter 35 jogadores prontos para saltar para dentro de campo e assegurar sempre a mesma lógica de jogo, manter ou elevar a intensidade e garantir um nível de agressividade sempre total.

A África do Sul ainda só tem 15/18 jogadores prontos (a maior preocupação é o par de médios, com Faf de Klerk a necessitar de uma total protecção nos próximos 10 meses) e a Austrália não sabe em que ponto está, mas uma equipa que gosta de fazer uso de rugby anárquico pode entrar em sincronia durante o Mundial (ou ser uma completa catástrofe).

Voltando ao ponto feito, a Irlanda fez uma exibição genial a defender, principalmente naquilo que se chama rush defence, forçando a Nova Zelândia a entrar em desespero em certos momentos. Todavia, os All Blacks tiveram quatro ocasiões de ensaio claras e voltaram a falhar nesse perímetro da mesma forma que o fizeram contra a África do Sul em Wellington e Inglaterra em Twickenham. Ou não sai o último passe, ou o apoio é demasiado lento, ou há um erro de handling, ou há uma descombinação entre linhas.

Contra a África do Sul existem os avants de Rieko Ioane e Patrick Tuipulotu em cima dos últimos 4 metros (culpas para Aaron Smith e TJ Perenara) e a descombinação de Damian McKenzie no sopro final do jogo (boa subida de Cheslin Kolbe a fazer pressão, apesar de algo arriscada); contra a Inglaterra há os avants de Rieko Ioane e a indecisão final de Ben Smith; e contra a Irlanda há uma falta de apoio a Ben Smith quando estava nos últimos 10 metros com a Irlanda a correr para trás e um passe interceptado de Beauden Barrett por Rob Kearney.

Isto não tira mérito à Irlanda, mas ajuda a explicar que um dos problemas actuais dos All Blacks é a eficácia a marcar pontos na área contrária… conseguem montar boas fases, movimentações claras e rápidas, quebras-de-linha fulminantes, só que falham sempre nos metros finais. A Irlanda foi genial na intensidade de jogo, não teve medo de dominar a posse de bola durante certos períodos de jogo e sempre que pôde arriscou.

Por duas ocasiões podiam ter ido aos postes, optando por jogar ao alinhamento… acabariam por conquistar duas penalidades que Sexton converteu. O ensaio de Stockdale tem origem num erro defensivo e numa falha inconsciente: imprevisibilidade e inversão de jogo e queda aparatosa de Kieran Read.

Os All Blacks subiram bem a linha do lado aberto, esperando que do lado fechasse fizessem o mesmo e impossibilitasse Bundee Aki de ter espaço. Broadie Retallick deixa-se ficar para trás e há espaço mais que suficiente… porque também Kieran Read está no chão, depois de uma queda aparatosa no alinhamento.

Com espaço e solto, Stockdale só teve que fazer um pontapé por cima e apanhar toda a última linha de defesa neozelandesa desprevenida, ensaio e 16 pontos. Na imagem disposta, os jogadores com bola vermelha deslizam para o sentido das setas de forma a fechar, o bloco de 5 a verde sobe também mas há três jogadores numa bola amarela que ficam para trás: Kieran Read (no chão), Samuel Whitelock (distrai-se momentaneamente com a queda do nº8) e Broadie Retallick (fica estático). Ou seja, a Irlanda faz um contra-movimento que resulta ainda melhor pela inexistência de uma linha sólida de defesa no lado fechado.

Os All Blacks nos últimos dois jogos realizaram excessivos erros no manuseamento de bola (14), no apoio ao portador da bola e auxílio no breakdown (12), alinhamentos (2), formações-ordenada (2), para além de 11 penalidades realizadas contra a Irlanda. Erros de handling e faltas excessivas, não é típico dos All Blacks mas aconteceram e fazem parte de um processo de crescimento e de adaptação.

Joe Schmidt sabia e sabe quais os pontos mais frágeis da Nova Zelândia, tem os homens suficientes para explorá-los, mas mesmo assim desesperaram os últimos 20 minutos pela vitória, que só uma defesa inteligente, ágil e com um tremendo tempo de reacção ao breakdown podia fazer a diferença.

Os neozelandeses só conseguiram aumentar a velocidade de jogo quando TJ Perenara entrou (Aaron Smith está mais lento e com menos poder de aceleração de apoio) para além de terem passado a jogar com dois manobradores de bola com Mo’unga e Barrett, em oposição ao facto de Damian McKenzie ter tentado ficar numa posição de aproveitamento de erros ou auxílio táctico durante grande parte do encontro.

Tanto contra a África do Sul ou Irlanda, os All Blacks acabaram o jogo com a bola nas mãos durante largas fases de jogo, mas perderam o seu controlo a certo ponto. O cansaço entrou em “campo” e a capacidade de rasgo ou soluções para atacar já não era a mesma. Mas há quem diga que os All Blacks perderam o seu factor X, ou seja, aquele espírito indomável que era capaz de virar uma derrota impossível numa vitória na bola de jogo.

OS ALL BLACKS JÁ NÃO TÊM O MESMO ESPÍRITO E EMPENHO

É uma questão delicada e que tem bastantes tonalidades de falso mas força a pensar e a discutir: o empenho e espírito de luta dos All Blacks mudou? Se observarmos os resultados dos últimos três anos, foram raros os jogos em que a Nova Zelândia a perder não conseguiu dar a volta, a começar pela visita à África do Sul em Outubro passado. Com 12 pontos de diferença e com só 18 minutos pela frente, os bicampeões mundiais tinham de fazer quase o impossível, muito porque do outro lado estava uma equipa una e compacta.

A verdade é que os All Blacks deram a volta e dominaram os 15 minutos finais de jogo, altura em que tanto Faf de Klerk (ao contrário do que se pensou na altura, o formação já não estava em condições com uma série de queixas nas pernas), Malcolm Marx (ficou sem conseguir respirar devido a uma pancada nas costelas, revelando sinais de cansaço evidentes) saíram do campo, tirando o aspecto “agressivo” e de maior intensidade imposta por estes dois.

Mas a vitória nos últimos minutos não é uma façanha neozelandesa rara, já que tanto em 2016 ou 2017 (Austrália em casa no Rugby Championship) conseguiram-no fazer e com aquela emotividade que todos “exigem”. Os All Blacks continuam a ser a equipa com melhor qualidade técnica a nível global, mantêm os mesmos princípios de jogo e colocam sempre uma intensidade em alta em tudo o que fazem.

Contudo, em Novembro de 2018 tanto no jogo com a Inglaterra ou Irlanda, a formação das antípodas mostrou-se menos veloz, menos capaz de acudir ao portador da bola, sem aquela “fome” de bater na linha de vantagem e de criar uma mudança de velocidade de jogo repentina e improvável. Isto não se deveu à falta de espírito ou emoção, deveu-se sim a três razões: teste de novas estratégias de jogo; cansaço evidente de algumas peças importantes; falta de adaptação de alguns novos jogadores.

A Nova Zelândia tem optado por “esconder” parte da estratégia para fazer um contra à chamada táctica do blitz, um estratagema bem aplicado pelos Springboks de Rassie Erasmus que regressaram assim a um campo de jogo mais ao seu estilo (existem várias variações como o Warrenblitz, desenvolvido pelo seleccionador do País de Gales, Warren Gatland).

Nas Ilhas Britânicas, os All Blacks meteram em prática uma tipologia de jogo mais de pontapé e de pressão defensiva, dando ao adversário primazia da posse de bola. Não foi totalmente bem sucedida, mas permitiu-lhes perceber o uso sistemático do kick and rush, de procurar menos a criação de sucessivas fases, de menos ocorrência de offloads e passes de rápida tiragem.

O cansaço foi notado em qualquer uma das selecções do Hemisfério Sul, especialmente na Argentina (se contra a Irlanda disputou o resultado durante 40 minutos, já com a França foi completamente dominada), Austrália (falta de coesão entre-linhas, atletas sem a mesma capacidade de rasgo), África do Sul (Marx é o exemplo claro de um atleta que precisa de férias, depois de uma época extraordinária nos Lions e boa nos Springboks) e Nova Zelândia.

Broadie Retallick, Samuel Whitelock, Rieko Ioane, Aaron Smith, Ben Smith, Owen Franks Jack Goodhue, são alguns casos de jogadores que precisam de descanso, depois de uma época longa, difícil e dura no Super Rugby, Internacionais de Junho e Rugby Championship. Foi, também, dos anos em que os All Blacks tiveram mais lesões e jogadores a regressarem dessas mesmas como Dane Coles, Sonny Bill Williams, Kieran Read, Joe Moody ou mesmo Broadie Retallick, e a falta de “pernas” nota-se quando têm de aguentar 80 minutos de alta intensidade. Não esquecer que foi o ano em que a Argentina e África do Sul ofereceram mais disputa nos jogos, em comparação com 2017.

Ou seja, a Nova Zelândia não está no máximo das forças, Steve Hansen optou por dar minutos a quem não os teve durante largos meses e nada melhor que os lançar em jogos do mesmo grau de dificuldade que vão se deparar no Mundial 2019.

O ponto final vai para o facto de Liam Squire, Damian McKenzie, Karl Tuinukuafe estarem a revelar dores de crescimento. Se o asa não parece ter a mesma qualidade evidenciada por Jerome Kaino no passado (Vaea Fifita entraria melhor, mas também teve uma época carregada de pequenas lesões), já o defesa e pilar precisam de mais minutos para perceber como se têm de adaptar ao nível de test matches a nível contínuo. É um processo de renovação e revitalização, e os All Blacks deram mostras desse facto com a equipa “C” que apresentaram no Japão.

Ou seja, na soma destes factos todos há pontos importantes a ter: a Irlanda ganhou à Nova Zelândia com total mérito, apesar de existirem atenuantes a nível do cansaço; os All Blacks em 2011 e 2014 não ganharam dois jogos ou perderam de forma consecutiva por duas vezes antes dos Mundiais; apresentaram por vezes uma intensidade de jogo duvidosa e sem a chama do costume, mas também mostraram o contrário; e não estão em pânico no ter que ganhar o jogo a qualquer custo.

Perder faz parte do ciclo desportivo de uma equipa e os All Blacks já provaram que sobrevivem a momentos menos positivos. Lembrar que durante 1987 e 2011, não ganharam qualquer título mundial… ou seja, domínio a nível de títulos só a partir de 2010… será que o Império está só a meio, a começar ou no fim?

O espírito de recuperação kiwi em 2018


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