Rugby Championship 2019: “sabor” a Mundial em testes decisivos?
Esta aí o Rugby Championship 2019, prova que antecede o Mundial de Rugby e devido a esse facto vamos ter uma competição mais curta, de apenas uma volta o que vai aguçar a trama e colocar uma pressão total nas quatro selecções participantes.
Mas o que há para saber do torneio que reúne Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e Argentina desta edição? Os destaques, a análise, o calendário e algumas curiosidades a reter neste artigo!
ENGUIÇO PARA O CAMPEÃO E UM CALENDÁRIO ESTRATÉGICO
O subtítulo que abre esta secção aponta exactamente para uma maldição associada ao maior torneio de rugby do Hemisfério Sul em que os campeões das Tri-Nations/Rugby Championship (passou a Rugby Championship quando a Argentina se juntou ao torneio em 2012) nunca conseguiram ganhar o Campeonato do Mundo no mesmo ano. Ou seja, entre os Mundiais de 1999 e 2015 a equipa que levantou o troféu acabou por ficar por aí… curiosamente, em 2011 e 2015 a Nova Zelândia perdeu sempre o Rugby Championship, mas acabou por superar tudo e todos na competição mais importante do Planeta Oval para se sagrar campeão.
Por isso, que selecção vai ficar com a o título de campeão nas mãos como se tratasse de uma “batata quente”? Veremos, mas a forma como o calendário está montado poderá ter alguma “palavra” a dizer em como tudo vai terminar. Com o Campeonato do Mundo a apertar (começa no final de Setembro) só vai haver espaço para três jornadas, com a África do Sul e Nova Zelândia a saírem “prejudicas” no calendário, uma vez que jogam duas vezes fora de casa, oferecendo uma ligeira vantagem emocional à Austrália e Argentina.
Por isso as jornadas estão agendadas da seguinte forma:
1ª (20 de Julho): África do Sul-Austrália (16h05) | Argentina-Nova Zelândia (19h05)
2ª (27 de Julho): Nova Zelândia-África do Sul (08h35) | Austrália-Argentina (10h45)
3ª (10 de Agosto): Austrália-Nova Zelândia (10h45) | Argentina-África do Sul (20h40)
São três semanas de jogos, sendo que há uma semana de pausa entre a 2ª e 3ª jornada da competição e potencialmente só vamos ter campeão na última jornada e nada melhor que uma Bledisloe Cup para fechar a competição, o jogo que concerne a Wallabies e All Blacks. Normalmente é o par de encontros (em anos de Mundial é só a uma volta, como já vimos) entre australianos e neozelandeses que abre a competição e em 2019 vai praticamente fazer o contrário, tomando contornos frenéticos, uma vez que mais do que os All Blacks são os Wallabies a precisar de uma vitória, no sentido de os estimular para o Mundial.
A “sorte” dos australianos é que o encontro deste ano é em sua casa, pois se fosse em território kiwi não seria de todo bom presságio, já que não sabem o que é ganhar lá desde 2001. Em território australiano em ano de Mundial corre de normalmente de feição aos Wallabies, tendo sido campeões do Rugby Championship em 2011 e 2015. Já para os argentinos o facto de terem dois jogos em casa pode catapultá-los na direcção de algo histórico… conquistar o Rugby Championship, algo nunca antes atingido. Mas até que ponto o público de casa pode influenciar os jogos?
Isso é uma resposta a dar pelas equipas participantes, desde os jogadores aos seleccionadores e que é explorada já na secção seguinte.
ESTRELAS EM ASCENSÃO, MITOS EM SUSPENSO E TESTES INTERESSANTES
Ora as convocatórias para os primeiros jogos e restante competição já saíram e não há grande espaço para dúvidas em relação a quem vai ou não começar do início e quem vai ficar de fora a ver o Rugby Championship 2019.
Há que destacar desde logo a ausência de dois jogadores: Siya Kolisi, capitão dos Springboks, e David Pocock, vice-capitão dos Wallabies e um dos principais líderes da formação australiana. Ambos vão falhar o início da competição e não se sabe bem quando regressarão às convocatórias, estando dependentes da recuperação, não querendo Michael Cheika e Rassie Erasmus arriscar agora um prolongamento da baixa forçada.
De resto, todas as quatro selecções participantes não têm quase nenhum jogador lesionado (Aphiwe Dyantyi é baixa de última hora para a África do Sul) e entram para o Rugby Championship praticamente na sua máxima força.
Perante isto, que novidades se deram nas convocatórias e que podem de certa forma “interferir” com o XV titular? Vamos então por selecções:
NOVA ZELÂNDIA
Nos 39 jogadores convocados contam-se algumas novidades como Asafo Aumua, Atunaisa Moli, Luke Jacobson, Josh Ioane, Braydon Ennor e Sevu Reece. Todos estes jogadores não tem qualquer internacionalização e chegam assim pela primeira vez aos All Blacks. Outras novidades vêm na forma da inclusão de Sam Cane (deslocou duas vértebras há 10 meses e quando se pensava que não conseguira voltar ao máximo das suas capacidades, o asa decidiu fazer o contrário), Brad Weber (temporada sensacional no Super Rugby valeu-lhe a convocatória mais que merecida), Dane Coles (esteve 2018 praticamente todo de baixa por lesão) e Dalton Papalii (foi dos principais nomes dos Blues durante toda a época).
É uma selecção que voltou a contar com todos os seus melhores jogadores desde Kieran Read a Sonny Bill Williams (questionou-se a chamada quando Ma’a Nonu podia ter ficado com o lugar), de Dane Coles a Broadie Retallick. Durante todo o ano os bicampeões mundiais realizaram uma série de training camps para afinar “espingardas” e portanto apresentam-se para os jogos numa forma interessante.
Haverão sempre grandes mudanças e potenciais experiências no XV titular, com a mais que possível inclusão de Sevu Reece numa das pontas, jogando com Rieko Ioane na outra e Ben Smith na posição de defesa. Outra possibilidade é lançar Jordie Barrett na posição de ponta, trocando e rodando com Ben Smith nesta posição, de forma a criar uma espécie de confusão a quem defende do outro lado. A grande discussão está em quem ficará com o lugar de nº6 nos All Blacks? Possivelmente poderá ser Luke Jacobson a receber o “prémio” de bolter (inclusão inesperada) nos All Blacks.
O asa dos Chiefs realizou uma temporada espectacular, dominando bem a partir desta posição com exibições inesquecíveis como foi contra os Highlanders ou Crusaders, oferecendo não só uma fisicalidade totalitária, como uma panóplia de “truques” e pormenores técnicos de elevada valência, isto para além de possuir uma compreensão de como o jogo se processa de outro nível.
Outros candidatos ao lugar vêm na forma de Shannon Frizell e Vaea Fifita, com ambos a ter uma clara possibilidade de ganhar o lugar por se aproximarem fisicamente do que era Jerome Kaino. Ao contrário de outros anos, os All Blacks não têm a pressão total de ganhar a competição, sendo que o mais importante é afinar a plataforma defensiva, abordar novos tipos de estratégia (contra-blitz, contra-Warrenball, etc) e garantir que não existem 15 titulares e 15 suplentes, mas sim 30 titulares a tempo inteiro.
Equipa protótipo para o Rugby Championship 2019: Owen Franks, Dane Coles, Joe Moody, Broadie Retallick, Samuel Whitelock, Luke Jacobson, Sam Cane, Kieran Read, Aaron Smith, Beauden Barrett, Sevu Reece, Ryan Crotty, Jack Goodhue, Rieko Ioane e Ben Smith. Relembrar que contra a Argentina não vão actuar 8 jogadores dos Crusaders nem Shannon Frizell.
A limpeza dos All Blacks frente aos Wallabies em 2018
ÁFRICA DO SUL
42 atletas sul-africanos foram seleccionados com a maioria a chegar provinda do Super Rugby, mas Rassie Erasmus foi buscar, naturalmente, vários reforços ao Hemisfério Norte. Os “novatos” seleccionados são Lizo Gqoboka (Super Rugby sensacional do pilar dos Bulls), Rynhardt Elstadt (fez uma excelente época ao serviço dos campeões em título do TOP14, Toulouse) e Herschel Jantjies (foi o melhor formação sul-africano no Super Rugby), podendo se considerar a inclusão de Kwagga Smith e Marvin Orie como “rookies” já que têm só 2 caps pelos Springboks juntos.
É uma selecção recheada com jogadores experientes, seja pelo The Beast Tendai Mtawarira, Duane Vermeulen, Eben Etzebeth, François Louw, François Steyn, mas sustentada muito pelos nomes que surgiram nos últimos quatro anos como Malcolm Marx (pedra basilar na avançada, seja pela sua mobilidade, fisicalidade ou capacidade táctica), Faf de Klerk, Handré Pollard (depois de um Mundial 2015 em que prometeu ser revelação é altura para liderar os Springboks) e Jesse Kriel.
Não há dúvidas de que se trata de uma selecção competente, fisicamente dura e que conseguiu ter várias semanas de recuperação, “graças” ao fracasso das franquias sul-africanas no Super Rugby (Lions e Stormers caíram logo na fase-regular e Bulls e Sharks ficaram de fora após os quartos-de-final) para além da época ter terminado bastante “cedo” para a maioria dos atletas que estavam a jogar em Inglaterra e França.
Rassie Erasmus conta com um grupo bem alargado com inclusões interessantes como Kwagga Smith, Herschel Jantjies, Cheslin Kolbe ou François Steyn e podemos talvez começar por falar no caso do polivalente 3/4’s. Jogador fisicamente e tecnicamente dotado, Steyn é verstátil ao ponto que pode jogar a qualquer uma das posições das linha atrasadas (excepto a formação) oferecendo outra dimensão ao jogo da África do Sul, criando constantes dúvidas aos adversários que abordem os jogos do ponto de vista uni-dimensionalmente.
Já Kwagga Smith pode dar um “sabor” completamente diferente à 3ª linha dos boks, oferecendo mais capacidade de rasgo, potencialidade para quebrar-a-linha, pormenores técnicos mágicos, entre outros detalhes. Por fim, Cheslin Kolbe tem e merece o lugar de ponta nos Springboks mesmo que Dyantyi esteja em forma e sem lesões pois é um jogador categoricamente diferente, com outra potência, versatilidade, possuidor de uma visão de jogo de topo e com capacidade de actuar em mais que uma posição.
E como vai Rassie Erasmus edificar a equipa dos Springboks para o Rugby Championship 2019? O esquema XV titular poderá não fugir muito de um Lizo Gqoboka, Malcolm Marx, Steven Kitshoff, Franco Mostert, Eben Etzebeth, François Louw, Pieter-Steph du Toit, Duane Vermeulen, Faf de Klerk, Handré Pollard, Cheslin Kolbe, Damian de Allende, Jesse Kriel, S’busiso Nkosi e Wille Le Roux, sendo que Tendai Mtawarira, Loo de Jager, François Steyn podem ser nomes prováveis a “roubar” qualquer um destes lugares a qualquer momento da competição.
Uma vitória inesquecível da África do Sul em 2018
ARGENTINA
Ano espectacular para o rugby das Pampas já que os Jaguares conseguiram chegar a uma improvável final do Super Rugby, provando que a franquia argentina tem não só valor, como merece ficar na competição durante vários e longos anos. Foi um ano essencial para os jogadores Pumas que conseguiram criar rotinas muito importantes beneficiando de uma ligação importante entre Gonzalo Quesada (treinador dos Jaguares) e Mario Ledesma, executando um plano bem planeado apesar de ter vários riscos associados ao mesmo.
Os atletas que alinharam no Super Rugby durante toda a temporada podem vir a apresentar sinais de cansaço acumulado no Mundial de Rugby 2019, já que desde Janeiro que não param de treinar/jogar, e isto é um pormenor minimamente preocupante para a equipa técnica dos Pumas. Enquanto que All Blacks, Springboks e Wallabies (principalmente os neozelandeses) rodaram os seus principais jogadores durante toda a época, foi raro isso acontecer nos Jaguares, que vão assim optar por canalizar o alto ritmo dos atletas para promover um jogo intenso, dinâmico e veloz desde o 1º minuto da competição, numa tentativa de apanhar de surpresa os adversários.
Outra das grandes dificuldades dos Pumas no passado passou essencialmente pela falta de disciplina nas fases tácticas, a falta de cultura para transitar bem entre os timings de jogo e da capacidade em aguentar o alto ritmo que All Blacks ou Springboks apresentavam durante a maior parte dos encontros.
Com Ledesma este tipo de problemas foram parcialmente corrigidos e agora há uma boa possibilidade da Argentina lutar efectivamente pelo 1º lugar da competição e não podemos dizer que seja de forma inesperado ou improvável, uma vez que a temporada do Super Rugby permitiu que 90% da selecção criasse mecanismos e rotinas constantes e consistentes que serão usadas quer no Rugby Championship ou Mundial de Rugby.
Olhando para a lista de convocados há alguns regressos à liça seja o caso de Nicolás Sanchéz, Juan Figallo, Santiago Cordero e Facundo Isa. A inclusão destes “europeus” deve-se à necessidade de preencher lacunas tácticas que os atletas dos Jaguares não conseguem corresponder: não há nenhum abertura com sequer metade da qualidade Sanchéz em território argentino (um autêntico “mago” do rugby mundial, rápido a tomar decisões, possuidor de um jogo ao pé genial e uma entrega inspiradora), nem um nº8 do patamar de Isa, sendo que o chamar de Cordero prende-se sobretudo em dar outra verticalidade à equipa na hora de atacar a linha-defensiva adversária e Juan Figallo é um pilar que oferece uma solução coerente a Ledesma no que toca ao trabalho na formação-ordenada ou pós-rucks.
O XV titular da Argentina será com toda a certeza o seguinte: Nicolas Chaparro, AgustinCreevy, Juan Figallo, Guido Petti, Tomas Lavanini, Pablo Matera, Marcos Kremer, Facundo Isa, Tomas Cubelli, Nicolas Sanchez, Santiago Cordero, Jeronimo de la Fuente, Matías Orlando, Matias Moroni e Emilliano Boffelli. É uma das selecções mais cativantes em 2019 e veremos se não vai haver história nesta edição do Rugby Championship.
Uma super vitória da Argentina em 2018
AUSTRÁLIA
Michael Cheika não se pode queixar de falta de apoio por parte da Federação de Rugby da Austrália, já que não só recebeu apoio a nível técnico com a inclusão de Scott Johnson, como ainda foi recuperar alguns jogadores “esquecidos” ou que estavam no Hemisfério Norte, caso de Adam Ashley-Cooper, Nic White e, agora, James O’Connor, para além de que Quade Cooper voltou a receber um contrato com uma das franquias do Super Rugby.
O leitor com maior conhecimento sobre a Austrália poderá apontar que mesmo assim há uma ausência que se fará notar no âmbito ofensiva e na capacidade de perseguição ao pontapé alto… falamos claro de Israel Folau.
Tirando a parte humana do defesa da equação (que ao contrário do que poderá pensar o leitor mais conservador, os efeitos negativos da opinião do atleta prejudicaram algumas academias de rugby com pais a recusar introduzir os seus protegidos num desporto com um discurso não-inclusivo e excessivamente controverso), a parte a nível do jogador será sentida em só três aspectos: capacidade para ir atrás do pontapé alto e recuperar assim a bola, velocidade nas transições entre a recepção dos pontapés e o ponto de aceleração e a versatilidade que apresenta na exploração da linha.
Contudo, Folau tem caído de forma constantemente e apesar dos ensaios marcados é dos casos mais penosos no que toca à situação defensiva, uma vez que não só não se envolve de forma correcta ser ou estuda mal a jogada do adversário, como não se compromete lealmente com os restantes colegas da equipa.
Entre outras questões tácticas-técnicas e mesmo de postura (cada vez mais Folau achava que vivia num Mundo à parte, em que ele era o centro de todo o jogo dos Waratahs ou Wallabies), o problema vai para o facto de não ter existido uma preocupação em formar um novo nº15 de qualidade para os Wallabies. As soluções imediatas podem passar por três atletas: Thomas Banks que está a evoluir para um jogador de qualidade (sofre de uma péssima leitura defensiva e ao contra-pontapé); Dane Haylett-Petty um ponta que sabe jogar na posição; e Kurtley Beale, aquele que será com toda a certeza o “dono” da camisola.
Será talvez por aqui que o regresso apressado de James O’Connor (assinou contrato com os Reds) se aceite e perceba, pois Cheika poderá optar por dar os corredores a dois jogadores mais experientes, “musculando” o três-de-trás a nível de leitura táctica e de manutenção de posse de bola, não caindo tanto no risco de lançar a titular Jack Maddocks (inconsistente) por exemplo.
O seleccionador australiano tem ainda outras questões por resolver, sejam os problemas físicos que têm castigado David Pocock, a falta de beleza ao jogo ofensivo de Bernard Foley (Quade Cooper não é a solução necessária, e a época mediana no Super Rugby é a prova para perceber que o fantástico nº10 passa espectacular para banalíssimo de forma repentina) ou a pouca coesão entre-linhas que compromete em larga medida os processos ofensivos da equipa.
Por outro lado, esta Austrália tem outros pormenores que podem salvar o conjunto e empurrá-los na direcção certa de ganharem não só jogos, como de sobreviveram à difícil fase-de-grupos do Mundial: poder físico de perfuração que pode ser levado a cabo por Marika Koroibete, Tevita Kuridrani, Samu Kerevi ou Matt Toomua, o poder de contra-reacção na placagem e velocidade de capturar a oval no breakdown, seja com Peter Samu (o melhor reforço possível para os Wallabies), Liam Wright (muita atenção a este jovem de 21 anos, fez uma temporada de alto nível nos Queensland Reds), David Pocock ou Luke Jones, e capacidade em exercer uma pressão ofensiva no 5 da frente de belo impacto e que faz a diferença nos primeiros 40 minutos de jogo, com especial olhar para Folau Fainga’a, Rory Arnold, Luke Jones ou Isi Naisarani.
Perante isto Michael Cheika deverá optar por Scott Sio, Folau Fainga’a, Sekope Kepu, Rory Arnold, Luke Jones, Liam Wright, Michael Hooper e Isi Naisarani, Will Genia, Bernard Foley, Marika Koroibete, Reece Hodge, Samu Kerevi, Dane Haylett-Petty e Kurtley Beale.
E está aqui todo o manual de informações que precisam de ter em mão para acompanhar o Rugby Championship 2019, competição que o Fair Play acompanhará do princípio ao fim. Quem vai ser para ti campeão da competição em 2019?
A melhor vitória dos Wallabies em 2018