Risco-recompensa: o binómio de sempre

Rodrigo FigueiredoSetembro 28, 20177min0

Risco-recompensa: o binómio de sempre

Rodrigo FigueiredoSetembro 28, 20177min0
O Rugby desafia os seus intervenientes a constantes tomadas de decisões. Terá sempre vantagem aquele que melhor avaliar os riscos das suas acções e as recompensas que delas advêm. O binómio risco-recompensa tenta explicar o porquê de parecer que uns arrisquem sempre mais e eventualmente, melhor que outros.

Nas últimas três décadas, o Rugby evoluiu de tal forma que muitos poderão pensar que o jogo se alterou na sua essência. Vejamos que jogadores dessa época muito dificilmente competiriam com os da actualidade, a tecnologia existente permite um escrutínio dos agentes intervenientes outrora impensável e até as regras continuam a ser pensadas e implementadas pela World Rugby para a manutenção da fluidez e espectacularidade do jogo.

Com a profissionalização no virar do último século, os jogadores tornaram-se atletas de excelência e as estruturas dos clubes organizadas como autênticas empresas. As Federações investiram em infraestruturas e estratégias a longo prazo para que o desporto se tornasse (e mantivesse) sustentável.

Se até aqui ainda não se percebeu que o Rugby é um desporto de riscos e recompensas, daqui para a frente não restarão certamente dúvidas que assim é.

Na verdade, a filosofia de cada treinador é espelho de todas as influências passadas bem como da sua interpretação do jogo. Há treinadores que arriscam mais e outros que arriscam menos. Parece, no entanto, haver treinadores que arriscam sempre na altura certa e com resultados percentualmente mais satisfatórios. (Nestas últimas duas frases poderíamos substituir treinador por jogador que a observação não se alterava consideravelmente.)

E porque é que assim é?

Uma das hipóteses mais fortes será da constante ponderação do risco-recompensa de cada decisão ou acção em jogo, muitas vezes só ao alcance de alguns (daqueles que parece que arriscam sempre melhor).

Façamos um exercício:

Pense na selecção de topo Mundial que menos arrisca, ou que tem por norma um plano de jogo mais previsível.

Pense noutra que nos últimos anos mudou o seu estilo de jogo (para melhor).

Agora pense numa selecção que a seu ver arrisca mais, que por mais complicada que seja a situação parece encontrar uma solução.

Pense no jogador que tem feito a diferença nesta última.

Se pensou na África do Sul, na Inglaterra de Eddie Jones e em Beauden Barrett da Nova Zelãndia, a sua análise de risco-recompensa estará próxima da afinação máxima.

Neste primeiro exemplo vemos uma tomada de decisão simples. A cerca de oito minutos do final, a jogar em casa e com uma penalidade frontal, a África do Sul decide tentar empatar o jogo em vez de procurar o alinhamento a 5 metros. A decisão não está certa nem errada, mas vejamos:

Riscos: perder o alinhamento, perder a posse de bola e a oportunidade de empatar o jogo. Falhar o pontapé e perder o jogo.

Recompensas:  Converter o pontapé e empatar o jogo. Receber o pontapé de reinício e controlar a posse de bola. Eventual hipótese de dispor de outra penalidade. Marcar ensaio e passar para a frente do marcador.

Não há, como dissemos, uma decisão mais acertada. Podemos, não obstante, aferir que esta equipa mais conservadora “prefere” empatar o jogo, a tentar ficar à frente do marcador naquele momento. Decisão conservadora sim, mas que se pode justificar pela ideia que esta equipa tem dos riscos e recompensas associados à decisão.

Já sobre a Inglaterra pré e pós Eddie Jones. Situação semelhante na fase de Grupos do Mundial de 2015 (ainda com Stuart Lancaster no comando) em que no jogo contra o País de Gales uma penalidade daria o empate e até a possível qualificação para a fase seguinte, com uma partida ainda por disputar contra a Austrália. A penalidade não era fácil mas Owen Farrell tinha até então 100% de eficácia (6/6) nos pontapés aos postes e parecia com a confiança elevadíssima. No entanto, a decisão foi tentar um alinhamento a 5 metros em que a defesa galesa ao maul inglês foi “by the books”.

Neste caso:

Riscos: Perder o alinhamento, a posse de bola ou falhar o pontapé de penalidade e perder o jogo e a possível qualificação ficar dependente de uma vitória diante a Austrália.

Recompensas: Converter a penalidade e empatar o jogo. Receber o pontapé de reinício ou de 22m (caso falhasse a tentativa aos postes). Marcar ensaio de maul dinâmico ou nas fases seguintes e ganhar o jogo assegurando a passagem aos quartos de final.

Stuart Lancaster no Mundial 2015 (Foto: Sky Sports)

Apesar das situações dos Springboks e da Selecção da Rosa serem diferentes, têm algumas semelhanças. As diferentes decisões não reflectem apenas o grau de risco que cada equipa assume, mas sim o binómio risco-recompensa como factor diferenciador. Neste caso, a equipa inglesa não mediu de forma acertada o proveito que podia tirar do risco que estava a correr, enquanto que a África do Sul presumivelmente teve em conta que a recompensa do empate era superior ao risco de tentar ganhar o jogo naquele momento.

Será importante reforçar que não há decisão mais acertada que outra porque seguramente o resultado final da decisão será aquilo que é alvo de escrutínio de todos, isto é, se a Inglaterra tivesse efectivamente marcado ensaio, a decisão teria sido classificada de corajosa. Ora o resultado final de algo é, exactamente como o nome indica, um resultado de várias decisões/acções (da mais pequena até à mais significativa) que conduz a um efeito final satisfatório ou não. Aqui procura-se explorar o conjunto de decisões que levam até ao resultado.

Já com Eddie Jones no comando da Selecção Inglesa, os processos parecem ter-se alterado significativamente. A conquista de um Grand Slam no torneio das Seis Nações em 2016 apenas meses após a eliminação do Mundial confirmaram o impacto do treinador Australiano. Mais uma vez, os resultados são fáceis de analisar, mas os processos são aquilo que o treinador conseguiu alterar e no nosso ponto de vista o binómio risco-recompensa tem uma grande influência naquilo que têm sido as conquistas da Selecção Inglesa.

Por fim e como não poderiam faltar num artigo sobre risco, falemos dos All (Mighty) Blacks. São o exemplo da análise constante de risco em cada situação de jogo e a prova que o Rugby é mesmo “uma cascata de decisões”.

Exemplo recente: Aaron Smith com uma penalidade a 5 metros da linha de ensaio dos Lions leva 10 segundos, apoiando-se na comunicação dos seus companheiros, a decidir jogar “rápido” à mão. A este nível, 10 segundos e “rápido” parecem não ser compatíveis, mas o que a Nova Zelândia faz é uma análise ponderada da situação, executando primordialmente aquilo que arriscou fazer, colhendo a recompensa com um ensaio junto à linha lateral.

Isto acontece porque os All Blacks têm cravado na pedra de estratégia colectiva que o risco só vale a pena se a recompensa for de igual ou superior dimensão. E isto não quer dizer que arrisquem pouco, antes pelo contrário, confiam no discernimento individual e certamente treinam até à exaustão este tipo de situações.

Por fim, reconhecer e apreciar a genialidade de Beauden Barrett que ao longo dos anos tem vindo a demonstrar o que um médio de abertura moderno deve ser.

Aqui fica um vídeo do alto nível de risco que Barrett corre: Pontapés cruzados a 10-5m da linha de ensaio adversária, dentro da sua área de 22m, enfim, para todos os gostos e de deixar qualquer treinador perto de um ataque de nervos. Apesar disso, a recompensa fala por ela própria.


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