Retrospectiva dos continentais, parte 2: AmeriCup

Lucas PachecoAgosto 24, 20256min0

Retrospectiva dos continentais, parte 2: AmeriCup

Lucas PachecoAgosto 24, 20256min0
Lucas Pacheco encerra a cobertura à AmeriCup com a segunda parte da análise ao torneio ganho pelos Estados Unidos da América

Do mais alto nível de basquete para o mais baixo: assim poderíamos definir a transição da parte 1 desta retrospectiva para este segundo texto. Tomamos um avião saindo de Atenas em direção a Santiago do Chile, com bastante tempo para oxigenar a cabeça e diminuir as expectativas.

Se no Eurobasket (quase) todas as partidas primam pela competitividade, na Americup testemunhamos a confirmação dos prognósticos. Na prévia do continental das Américas (Chegou o tempo das seleções no basquete feminino), acertamos tanto o pódio quanto as demais seleções classificadas ao pré-mundial (Argentina, Colômbia e Porto Rico). Conforme afirmado então, trata-se menos de poder de clarividência, afinal estamos na área mais estagnada do basquete feminino.

Estados Unidos, Brasil e Canadá conquistaram as medalhas, nesta ordem. Tanto as estadunidenses quanto as canadenses enviaram seleções alternativas à competição: enquanto os EUA formaram um esquadrão todo universitário, as canadenses estavam desfalcadas das quatro principais jogadoras (Bridget Carleton, Laeticia Amihere, Aaliyah Edwards e Kia Nurse). O domínio da dupla de seleções no continente é tão avassalador que  ambas se dão ao luxo de usar a Americup como teste para novas jogadoras.

O Canadá beliscou o pódio no último Mundial em 22 e depois fez uma Olimpíada bem abaixo do esperado em 24. Foi o suficiente para justificar a demissão do técnico Victor Lapeña e a chegada de Nell Fortner. No espírito de teste, a seleção encontrou algumas respostas, como a afirmação da jovem ala Syla Swords, sem deixar escapar o bronze. O Canadá perdeu para o Brasil ainda na fase de grupos e dos EUA na semi-final – a prova dos nove aconteceu na disputa do bronze, contra a Argentina.

As argentinas já haviam atingido seu objetivo na competição – classificar para o pré-mundial – e jogaram sem peso após desbancar o favoritismo porto riquenho nas quartas (Porto Rico pode ser apontado como a grande decepção da Americup, ficando fora da semi e perdendo a disputa pela quinta colocação para a Colômbia). O time jogou solto e encaixou os arremessos de três pontos, elevando a média de 25% do torneio para 32% (11/34) nesse jogo. A Argentina obrigou o Canadá a um confronto duro, físico e equilibradíssimo.

O Canadá, que vencera a Argentina por 23 pontos de diferença na fase de grupos, foi forçado ao limite, conquistando a vitória somente após duas prorrogações. Quem passou no teste de fogo foi Syla Swords, autora de 23 pontos e responsável por protagonizar o ataque. Embora tenha feito parte do elenco olímpico, ela possui apenas 19 anos, estando ainda no nível universitário e jogando em alto nível contra atletas profissionais.

Meli Gretter, craque argentina, converteu uma linda bola no fim da segunda prorrogação, com direito a lance livre extra por sofrer falta. Com 2.8 segundos restantes, o Canadá precisaria de uma cesta salvadora; a messias não poderia ser outra que não Swords (eleita para o quinteto ideal da competição). Em uma jogada muito bem desenhada, executada à perfeição, com muitos bloqueios indiretos antes mesmo da bola ser reposta, Swords recebeu a bola próxima ao aro, sozinha (a defesa argentina, escalada pelo critério de altura pelo técnico Gregorio Martinez, trocou tudo e se confundiu na comunicação), para decretar a vitória mínima por 76 x 75 e o bronze.

A outra partida digna de nota da AmeriCup foi a final entre Brasil e EUA, repetição da final da edição passada, desta vez com resultado diverso. O Brasil enfim pôde saborear o comando técnico de Pokey Chatman, chegada em cima da hora e que em pouquíssimo tempo deu um padrão simples e eficiente ao esquete canarinho. Ela apostou na fórmula óbvia, centralizando o jogo na dupla de garrafão egressa da WNBA, Damiris Dantas e Kamilla Cardoso (ambas no quinteto ideal da Americup); o conjunto jogou em função delas, sem marcadoras à altura no torneio.

 

À dupla, Pokey somou uma defesa individual forte e jogadas que colocavam Damiris e Kamilla em suas posições favoritas para pontuar. O time evoluiu durante a competição e chegou à final gabaritada por um atropelo na semi contra as arqui-rivais argentinas (40 pontos de vantagem). Quem mais se aproveitou da gravidade no garrafão foi a ala Bella Nascimento, em sua primeira experiência na seleção brasileira; sua coragem em arremessar e em criar o próprio arremesso era um atributo a muito em falta na seleção do Brasil.

A destemida ala não se envergonhou em chutar as bolas livres que recebia e dessa forma trouxe um desafogo fundamental ao garrafão. O trio foi responsável por 78 dos 84 pontos brasileira na final! Bella teve surreais 55% na linha de três (5/9) e a vitória não veio, em grande parte, porque Kamilla carregou-se de faltas e jogou menos de 18 min (com plus minus positivo de 13). Damiris arcou com o peso e correspondeu, com 35 pontos, 8 rebotes e 4 assistências.

Ainda assim, a vitória escapou. Para o pré-mundial, Pokey precisará de mais tempo junto ao elenco, a fim de envolver o restante do elenco. Vitória parece ter assumido a vaga de titular e sua defesa surpreendeu positivamente, mas faltou jogada e arremesso para ela; Aline segurou a onda de substituir Kamilla, mas precisa converter os arremessos livres embaixo da cesta; as armadoras não podem se dar ao luxo de desperdiçar a bola antes de atravessar o meio da quadra. O desnível no elenco é um fato que precisará ser trabalhado pela comissão técnica; qualquer avanço nesse sentido será bem-vindo.

Já os Estados Unidos souberam sofrer contra a dupla de pivôs brasileira, contando com intensa e ampla rotação, que manteve a defesa forte durante os 40 minutos. Quando o Brasil deu mostras de cansaço, já no último quarto, as estadunidenses deram o bote e tomaram a frente. A partir daí, viram o Brasil apenas pelo retrovisor e garantiram o ouro com o triunfo por 92 x 84.

Contra qualquer elenco estadunidense, um descuido pode ser fatal. Simplesmente não se pode abaixar a intensidade em momento algum. Os maiores destaques dos EUA na competição foram a ala Mikayla Blakes (autora de 27 pontos na final e MVP do torneio) e as armadoras Hannah Hidalgo (eleita para o quinteto ideal ao lado de Blakes) e Olivia Miles.

O título classificou os Estados Unidos para o Mundial e deu sobrevida a Brasil, Canadá, Argentina, Colômbia e Porto Rico, que buscarão vaga no Mundial pelo pré. Com exceção das canadenses, que com elenco completo devem se classificar sem dificuldade, as demais seleções das Américas terão que treinar muito e buscar alternativas técnicas. A estagnação e a disparidade no continente irão cobrar seu preço no pré-mundial.


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