Retrospectiva dos continentais, parte 1: Eurobasket

Lucas PachecoAgosto 24, 20258min0

Retrospectiva dos continentais, parte 1: Eurobasket

Lucas PachecoAgosto 24, 20258min0
A Bélgica conquistou o EuroBasket 2025 e Lucas Pacheco conta-te o que se passou pela competição que já apurou equipas para o Mundial

Tudo que é bom dura pouco: a temporada de seleções do basquete feminino mundial mal começou e já se encerrou, deixando um gosto de expectativa para os pré-mundiais e ao próprio Mundial. A primeira competição continental realizada foi o Eurobasket, reunindo 16 seleções do continente mais forte da modalidade.

O nível médio é alto, auxiliado pelo eurocentrismo da Federação Internacional e pelo amplo intercâmbio visto durante todo o ano, seja em clubes, seja na base, seja entre seleções adultas. O Eurobasket iniciou com uma partida excelente, vencida pela favorita França sobre a despretensiosa Turquia por míseros 2 pontos de diferença. As turcas levaram as francesas às cordas logo na estréia do torneio e só não saíram vitoriosas por detalhes. Tal como iniciou, a competição findou: na final, outro jogo eletrizante, também vencido por apenas 2 pontos, fruto de virada no quarto decisivo.

Nas prévias dos continentais (Chegou o tempo das seleções no basquete feminino), o europeu foi descrito como o “mais competitivo, qualificado e imprevisível”. Parte desse prognóstico mostrou-se equivocado, pois a final da edição atual repetiu a de 2023; assim como a dois anos atrás, a Bélgica alcançou o lugar mais alto do pódio ao vencer a Espanha por 67 x 65. Foi um jogo épico: as espanholas buscavam vingar não somente o vice de 2023 como a desclassificação olímpica do ano passado para as belgas; já estas queriam consolidar ainda mais seus nomes no panteão do esporte nacional. O jogo esteve à altura das ambições.

A Espanha deu as cartas durante 37 minutos e chegou à reta final (2:49 para o término) com uma cômoda liderança de 12 pontos. Miguel Mendez manejando o elenco completo em busca da melhor formação – assim como fez durante toda a competição, defesa pressionada e ataque confiante. Parecia que a desforra enfim aconteceria. Ledo engano: as belgas têm coração de campeão, calejado em grandes jogos. O ataque  oscilante deslanchou, engatou boas sequências (ofensiva e defensiva) e o time contou com a inexperiência espanhola: a armadora Marionna Ortiz errou um passe bobo para Alba Torrens e forneceu a bandeija livre para Antonia Delaere, sacramentando a virada e o bi-campeonato da Bélgica.

Emma Meeseman flertou com o triplo-duplo na grande decisão (16 pontos, 11 rebotes e 7 assistências, além de 5 roubos e 2 tocos), exibição que garantiu o troféu de MVP do Eurobasket. No quinteto ideal, recebeu a companhia de sua conterrânea, a armadora Julie Allemand, cestinha da Final com 19 pontos. A Bélgica repetiu, na decisão, a reviravolta nas posses finais vista na semi-final, contra a Itália, quando (novamente ela) Delaere converteu o arremesso de três pontos da zona morta responsável pela virada (66 x 64). Sim, você não leu errado: as belgas precisaram das posses finais tanto na semi quanto na final. Com todos os sustos, a Bélgica saiu campeã invicta.

Às espanholas, ficou o gosto amargo do ‘quase’, da certeza de ter feito tudo corretamente, com exceção dos três minutos finais. Ao contrário da algoz Bélgica, com um quinteto cascudo e experimentado, a Espanha introduziu uma nova geração no cenário adulto, mesclando talentos e criando um mix cada vez mais entrosado (a experientíssima Torrens, sétima maior pontuadora na história do Eurobasket, juntou-se à jovem Raquel Carrera no quinteto ideal do torneio). A trajetória até a final oscilou na mesma medida da juventude do elenco; a seleção precisou de prorrogação para vencer a Suécia na fase de grupos e, nas quartas, suou sangue para eliminar a Tchéquia (em uma virada no quarto final). Na semi, contra a arqui-rival França, contou com a sorte, quando a pivô Iliana Rupert errou lance livre que empataria o duelo (65 x 64).

O quinteto to Eurobasket 2025 (Foto: FIBA)
O quinteto to Eurobasket 2025 (Foto: FIBA)

Na final, o resultado acabou escapando; nada que apague, porém, o brio, o excelente basquete praticado e a esperança no futuro. Mendez possui à disposição um elenco todo talentoso, sendo que cada uma pode florescer em um dado confronto. Contra as tchecas, por exemplo, a armadora reserva Aina Ayuso (terceira opção no começo do torneio) jogou o segundo tempo inteiro e foi fundamental  para a virada; Awa Fam, o jovem diamante, superou o péssimo desempenho das quartas com uma atuação de gala na semi (quando colocou Rupert no bolso). A prata teve sabor agridoce, mas a cada competição as novas gerações espanholas mostram que logo brigarão pelo ouro no nível mundial.

A seleção detentora do bronze, confirmando meu prognóstico de imprevisibilidade, não era apontada por ninguém como candidata a medalha. Desde 1995 a Itália não atingia o pódio; o feito coloca Cecilia Zandalasini (completou o quinteto ideal) em patamar semelhante ao da lendária Catarina Pollini. Alocada em um grupo muito equilibrado, as italianas surpreenderam e eliminaram as favoritas Sérvia e Eslovênia; a primeira posição do grupo B as afastou (por ora) de um duelo eliminatório contra a França – engana-se quem imaginou que o caminho rumo à medalha seria mais tranquilo.

Outro grande momento da competição, Itália e Turquia fizeram um jogo para cardíacos. As turcas, com um basquete centrado em Teaira McCowan, mas não dependentes dela, contaram com a consistência e a segurança de suas três armadoras (Sevgi Uzun, Alperi Onar e Olcay Cakir) para levar à prorrogação, graças a uma cesta no estouro do tempo regulamentar de Uzun.

 

Talvez as duas maiores surpresas do Eurobasket, Itália e Turquia demonstraram que o talento individual precisa de um coletivo encorpado para alcançar resultados positivos. McCowan é o eixo turco, mas o elenco soube dosar a centralidade da gigante – a ponto do time jogar melhor quando ela ia pro banco e as demais assumiam o protagonismo. A Itália também não dependeu exclusivamente de seu maior talento: sem o crescimento, durante a competição, de Lorela Cubaj, ou sem a explosão da armadora Constanza Verona, ou sem a fagulha da  ala Martina Fassina na reta final (até então ela preenchia o fim da rotação), a medalha não teria vindo.

Derrotada a Turquia (praticante de um basquete sólido e empolgante, que encerraria na honrosa e impensável sétima posição, assegurando a última vaga européia no pré-mundial), por 76 x 74,as italianas lutaram até a posse final contra a virtual campeãna semi. Ainda havia o adiado duelo contra a França, valendo agora o terceiro lugar. Mesmo com múltiplos desfalques, as francesas estão um degrau acima no continente (ao lado de Bélgica e Espanha); entretanto, falta imprevisibilidade e variação ofensiva ao conjunto hiper atlético dirigido por Jean Aime Toupane. Quando a defesa não segura o jogo e este mostra-se mais aberto, a França sofre. Sem suas principais playmakers (Gabby Williams, Marine Johannes e Carla Leite optaram por dispensa), o time não foi páreo para a Itália na disputa do bronze (54 x 69).

A intrusa Itália comemorou a conquista como se fosse um título; a seleção chegou em um lugar improvável antes da competição. De quebra, ainda garantiu vaga no pré-mundial, juntando-se a Bélgica (vaga assegurada no Mundial), Espanha, França, Alemanha (sede do Mundial, com vaga garantida), Tchéquia e Turquia.

O sucesso no continental não assegura êxito vindouro, antes indica um caminho de trabalho para se chegar ao Mundial. No topo europeu, belgas, francesas e espanholas devem conquistar vaga com facilidade – a Alemanha, seleção que mais próximo está de romper o triunvirato nos próximos anos, jogou desfalcada de suas duas estrelas e pôde dar rodagem a talentos novos e ascendentes. A Tchéquia, sem nenhum nome de primeira prateleira, segue com um basquete seguro e ciente de suas fragilidades.

Terminado o europeu, as seleções começam a se planejar para os pré-mundiais. A competição recém finalizada mostrou que todas as seleções podem surpreender, comprovando o altíssimo nível de basquete na Europa. As duas semi-finais tiveram diferença somada de 3 pontos e a final, de 2 pontos. O equilíbrio, a competitividade e a Bélgica reinam no Eurobasket.


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