O que esperar nos 1/4s do basquete feminino neste Paris 2024?
Em Jogos Olímpicos, tudo é muito rápido e vários esportes ocorrem concomitantemente. Some o fator de torcida e diminui consideravelmente a capacidade de acompanhar uma única modalidade de forma minuciosa. Sim, este texto começa com uma explicação sobre a falta de unidade dos últimos textos (e dos próximos); às vezes, olhar outros esportes relativiza as certezas sobre nossa modalidade favorita. O basquete feminino, cuja fase de grupos foi disputada em Lille, ao norte de Paris, perto da fronteira com a Bélgica, teve alguns resultados surpreendentes e históricos, apesar da pergunta principal da modalidade se sustentar: alguma seleção será capaz de vencer os Estados Unidos? Muito se comenta sobre as várias formações do Dream Team, a mais recente o elenco atual (que enfrentará o Brasil nas quartas-de-final), e pouco se fala sobre uma das maiores hegemonias do esporte. Desde Barcelona, em 1992, mais de três décadas atrás, a seleção feminina de basquete estadunidense não perde uma partida em Olimpíadas.
São 7 ouros consecutivos, conquistados de maneira invicta, sequência que a equipe comandada por Cheryl Reeve procura prolongar. Para isso, nada menos que A’ja Wilson, Breanna Stewart, Alyssa Thomas, Diana Taurasi (pode conquistar sua sexta medalha de ouro) e companhia. Individualmente, não há sequer comparação com os demais elencos; a expectativa, baixa, é que coletivamente alguma seleção consiga equiparar a disputa.
No segundo grupo de seleções tivemos algumas surpresas. As atuais vice olímpicas (Japão) fizeram uma campanha fraca e foram eliminadas com três derrotas incontestáveis; as atuais vice mundiais (China) caíram com somente uma vitória e perderam no critério de desempate (saldo de pontos das terceiras colocadas em seus grupos).
O continente americano classificou somente a potência estadunidense, mas o sabor é diferente às eliminações asiáticas. Para o Canadá, eliminado sem vencer nenhuma jogo, as expectativas eram altas – o projeto, porém, segue se renovando e a seleção terminou a olimpíada com várias atletas novas, já preparadas para o próximo ciclo (Syla Swords, Cassandra Prosper, Aaliyah Edwards, Laeticia Amihere, Yvonne Ejim). Para Porto Rico, seleção que roubou o posto de terceira potência continental, uma eliminação esperada, resultado de derrotas apertadas – a cada torneio, as caribenhas evoluem e, logo, competirão de igual para igual.
Se, por um lado, as seleções asiáticas não estiveram bem, por outro, a única seleção africana atingiu um feito histórico: a Nigéria venceu, na estreia, a tradicionalíssima Austrália e somou outro triunfo ao derrotar as quartas colocadas no último Mundial (Canadá). Simplesmente, a primeira vez que uma seleção africana avança à fase eliminatória em uma olimpíada, seja no naipe masculino, seja no feminino. Apesar do (justo) hype recebido pela seleção masculina do Sudão do Sul, quem tratou de colocar o nome na história foram as mulheres nigerianas.
First ever African team (Men or Women) to play in #Olympics Quarter-Finals:
It's Nigeria! 🇳🇬#Paris2024 x #Basketball pic.twitter.com/pQCofpPXWq
— FIBA (@FIBA) August 4, 2024
Como nem tudo são flores e o destino é cruel, a Nigéria foi prejudicada pela vitória australiana sobre a França (único resultado que evitaria a precoce eliminação australiana) na última partida da fase de grupos e classificou-se na terceira posição no grupo B. A colocação fez com que as adversárias nas quartas sejam… os Estados Unidos.
Já a Austrália, após duas partidas iniciais periclitantes, cheias de turnovers, renasceu das cinzas e deu sorte no confronto das quartas: jogará contra a Sérvia, outra seleção cotada a eliminação e que surpreendeu ao vencer de forma tranquila a China. As sérvias, sem talentos individuais acima da média, como nos acostumamos a ver nas últimas competições, superaram as lacunas com forte jogo coletivo; sua técnica Marina Maljkovic novamente mostrou porque é uma das melhores da atualidade e montou esquemas sólidos. O favoritismo estará do lado da Austrália, mas convém não descartar a Sérvia, equipe perigosíssima. Na edição do Rio de Janeiro, elas venceram justamente as australianas para conquistar o bronze; em Tóquio, outra semifinal obtida de forma inesperada. Será um confronto equilibrado.
Do outro lado do chaveamento, somente seleções europeias, revertendo a péssima campanha do continente no Mundial de 22. Espanha e Bélgica reeditarão a final do último Eurobasket, vencido pelas belgas. A Espanha sofreu na estreia, obrigada a empatar nos últimas posses contra a China (graças à ótima exibição da ala Leonor Rodriguez e da pivô naturalizada Megan Gustafsson) e vencer somente na prorrogação; depois, mais duas vitórias tranquilas. Ao contrário da Bélgica, surpreendida pela Alemanha na estreia e que teve que vencer na despedida, além de tirar um saldo negativo de 27 pontos contra Porto Rico. Nos momentos difíceis, craques aparecem e carregam suas companheiras rumo à glória – Emma Meesseman jamais deixaria sua seleção fora das quartas e, empurradas por um grande público em Lille, venceram pela exata diferença para se sobrepor ao saldo chinês. Nas quartas, um clássico continental onde tudo pode acontecer.
Bélgica necesitaba un +27 contra Japón para pasar a cuartos de final de #Paris2024
🤯🔥 HAN QUEDADO 58-85 🔥🤯
Exhibición de Meesseman: 30 puntos, 11 rebotes, 4 asistencias y 39 val. GOAT. pic.twitter.com/edlhxgbBw9
— Anaïs López (@anaislopez23) August 4, 2024
Fecha as quartas a partida entre Alemanha e França. De um lado, as anfitriãs, cujo talento bruto é o mais capacitado para pleitear o ouro; a performance oscilante, entretanto, faz com que qualquer resultado possa ocorrer. Nas duas primeiras rodadas no grupo B, vitórias convincentes e fáceis sobre Nigéria e Canadá, quando apresentou uma defesa pressionada, usando da mobilidade de suas atletas para impedir a criação ofensiva das rivais; na última rodada, uma derrota para a Austrália que colocou uma dúvida sobre as pretensões da França. De qualquer maneira, elas jogam em casa e, se encaixarem seu padrão defensivo e não concentrarem as ações ofensivas em Gabby Williams, podem derrotar qualquer equipe.
Terão, porém, uma seleção estreante em olimpíadas que cresce de forma orgânica no cenário internacional. A Alemanha chegou com tudo e classificou-se de forma antecipada; seu maior problema (armação, posição 1) foi amenizado pela súbita naturalização de Alexis Peterson. Com uma Satou Sabally saudável (uma das melhores jogadoras da atualidade), com uma excelente conectora como Leonie Fiebich e um trio de boas pivôs (Marie Gulich, Luisa Geiselsoder e Nyara Sabally), não surpreenderia se as alemãs vencessem e atingissem as semi-finais, na caça de uma medalha.
ROAD TO GOLD 🥇
Women’s #Basketball Quarter-Finals are here 🔥#Paris2024 pic.twitter.com/fRJCaPeLRI
— FIBA (@FIBA) August 4, 2024
As quartas-de-final ocorrem na próxima quarta-feira (08) e as semifinais no dia seguinte (09). As medalhas (disputa do bronze e a grande final) são disputadas no domingo, dia 11. A fase eliminatória migra para Paris, deixando Lille.
Alguma seleção conseguirá outro feito histórico e vencerá os Estados Unidos ou Diana Taurasi encerrará sua carreira na seleção invicta em olimpíadas? Em poucos dias teremos as respostas e o desenrolar de outro capítulo da história do basquete feminino.