O primeiro passo da reformulação de Iowa

Lucas PachecoMarço 31, 20257min0
Iowa está de fora da luta pelo título da NCAA de basquetebol feminino e Lucas Pacheco pensa que é a altura indicada para surgirem mudanças

Na iminência do Final Four, o basquete feminino universitário dos Estados Unidos, reunido em torno da NCAA, está naquele momento de transição. Na data em que escrevo este artigo, South Carolina e UCLA garantiram vaga no Final Four e aguardam suas adversárias (Texas x TCU e USC x Uconn, respectivamente); restarão apenas 4 universidades em atividade, na busca do tão sonhado título nacional.

Para todas as outras, a hora é de analisar o desempenho na temporada recém finalizada e projetar a próxima. O portal de transferências pode remodelar uma equipe, sem contar mudanças no comando técnico, a chegada das jogadoras recrutadas do ensino médio (high school) e até mesmo mudanças no estilo de jogo.

Poucas universidades sofreram tantas alterações entre as temporadas 2023-24 e 2024-25 como Iowa. O elenco perdeu Caitlin Clark, uma das melhores jogadoras já vistas no circuito universitário, Gabby Marshall e Kate Martin; o trio deixou um buraco difícil de ser preenchido. Além delas, a técnica Lisa Bluder passou o bastão de técnica para sua assistente Jan Jensen, aposentando-se depois de 24 anos à frente do programa.

O conjunto responsável pelo tri-campeonato da conferência Big 10, por levar a universidade a duas finais consecutivas do torneio nacional, em suma, por trazer visibilidade e notoriedade à universidade, saiu. No início da temporada 2024-25, ninguém poderia prognosticar com precisão a temporada.

Iowa optou por seguir na linha sucessória de Bluder, diminuindo mudanças drásticas no comando tático, na gestão do vestiário e nas atitudes de recrutamento. Outra permanência muito comemorada foi a da pivô Hannah Stuelke, a última da linhagem de boas pivôs desenvolvidas por Iowa; sem contar Sydney Affolter, a outra titular do último vice-campeonato nacional. Na inter-temporada, um bom trabalho de recrutamento resultou em uma boa classe – sem nenhum prospecto de cinco estrelas, mas recheado de talento em várias posições.

A cereja do bolo veio quando Lucy Olsen, terceira maior cestinha da temporada 2023-24 por Villanova, escolheu a universidade de Iowa para se transferir. O posto de estrela da companhia estava preenchido. Restava as demais posições e o principal, o teste da quadra.

De cara, Jensen instituiu uma mudança tática tão necessária, abandonando a defesa zona (utilizada em 99% por Bluder) em prol da individual. Bluder claramente privilegiava o ataque, opção sensata quando se conta com Caitlin Clark no elenco, e acabava relegando o aspecto defensivo. Jensen logo mudou isso, escolha que resultou na titularidade da veterana (senior) Kylie Feuerbach, a melhor defensora no perímetro. Outra alteração tática significativa ocorreu no garrafão, com Stuelke iniciando a temporada ao lado de outra pivozona (Addison O’Grady) e migrando da posição 5 para a 4. Com isso, a jogadora de ligação Affolter migrou da posição 4 (espaçando a quadra) para a 3. Vindo do banco, a equipe de Jensen ganhou muito em profundidade, possibilitando variações impensáveis em anos anteriores.

Na etapa pré-conferência, a equipe fez uma boa campanha e desempenhou bem, com a única derrota para a tradicional universidade de Tennessee. As reais dificuldades apareceram junto com a disputa da forte Big 10; Iowa estreou com derrota frente a Michigan State e chegou a ter campanha negativa, com cinco derrotas consecutivas na primeira quinzena de janeiro.

Olsen não conseguia se estabelecer como desafogo ofensivo; o time penava na defesa com duas pivôs lentas; e o estilo ofensivo travado, que apregoa um ritmo cadenciado, não surtiu efeito. Eram necessárias mudanças e Jensen não se furtou a sua responsabilidade: sacou O’Grady, sua pivô mais lenta, e inseriu a ala especialista em três pontos Taylor McCabe no quinteto titular. As mudanças impactaram no padrão tático e deram liberdade e espaço para Stuelke trabalhar no garrafão. Ainda que não tenha repetido a performance da temporada anterior (normal e esperado devido à ausência de Clark), sua participação cresceu. Affolter voltou à posição onde brilhou no vice-campeonato, sendo a figura de dobra e ajuda no garrafão contra pivôs dominantes, ao mesmo tempo em que espaçava a quadra no ataque.

Olsen assumiu o protagonismo esperado e floresceu. McCabe introduziu um perigo iminente de tiros longos e o banco, em sua maioria formado por calouras, estabilizou a rotação. Taylor Stremlow, Ava Heiden, Aaliyah Guyton, Teagan Mallegni, todas egressas do high school tiveram altos e baixos, determinantes para que suas minutagem crescessem ou diminuíssem no desenrolar da temporada. Heiden, por exemplo, despontou no playoff da conferência, tomando à frente de O’Grady na rotação do garrafão.

O marco da virada de chave foi a vitória sobre a poderosíssima (uma das principais candidatas ao título nacional) USC, por 76 x 69. O resultado demonstrou que o time poderia disputar contra qualquer outra universidade; na sequência, derrotas mínimas para Ohio State (78 x 86, na prorrogação) e UCLA (65 x 67), outras fortes universidades.

Especial atenção em Aaliyah Guyton, armadora com dupla nacionalidade (estadunidense e brasileira), uma das promessas do próximo ciclo olímpico da seleção brasileira. Se não chegou a brilhar em seu ano de caloura, precisamos ver o contexto: ela mal jogou o último ano do high school e retornava de uma grave lesão. Claramente, ela adquiriu confiança durante o desenrolar do ano e chegou a ter o arremesso decisivo na partida contra Nebraska – infelizmente ela errou e a partida foi para a prorrogação. Ainda assim, seu potencial está longe de ser explorado.

Atrás de Feuerbach, trata-se da armadora (ou ala-armadora) melhor defensora, com explosão e mobilidade lateral para conter as adversárias. A mais explosiva do perímetro, as  infiltrações devem aumentar e ela precisa trabalhar as finalizações. Sua principal arma ofensiva apresenta níveis mais que satisfatórios, com 37% de conversão nos arremessos de três pontos (terceira melhor do elenco, acima de Olsen). Um bom ano de caloura, que precisa de mais consistência para ganhar minutos e convencer a comissão técnica de mantê-la em quadra; sem contar recursos (como as finalizações próximas ao aro) que precisam de evolução.

Jensen manteve um padrão mais cadenciado, mesmo com as mudanças (que não foram poucas) durante seu ano de estreia. Nossa ânsia por resultados imediatos (no caso do público brasileiro, anseio por ver mais e mais de Aaliyah Guyton em quadra) não pode apagar o resultado positivo da campanha de reformulação e reinício de Iowa.

Nos playoffs da Big 10, Iowa caiu nas quartas-de-final, em nova derrota mínima para Ohio State (59 x 60); sem a sequência negativa, a equipe teria melhor ranqueamento e poderia ter enfrentado um adversário menos perigoso. No torneio nacional, vitória tranquila na estreia sobre Murray State (92 x 57) e novamente o ranqueamento colocou a universidade no caminho de uma universidade melhor classificada. Como sexta equipe dentro de sua chave, cruzou contra Oklahoma, ranqueada na terceira colocação, e acabou superada, com tranquilidade, por 62 x 96.

 

Para uma torcida acostumada à final, pode parecer decepcionante. Não se engane: a universidade se reconstruiu rapidamente e possui um núcleo promissor para os próximos anos. A torcida sabe o quanto os anos de Caitlin Clark foram a exceção, antes dela a universidade atingir o Final Four apenas uma vez. Com mais rodagem, com todos os atores evoluindo, a equipe pode almejar voos maiores; que eles venham junto com a evolução de Guyton.


Entre na discussão


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS



O primeiro passo da reformulação de Iowa

Lucas PachecoMarço 31, 20257min0