O Mundial sub-17 de basquete feminino
de Basquete feminino sub-17, organizado pela Fiba entre 13 e 21 de julho. A FIBA (federação internacional) realiza um campeonato mundial de base, por naipe, por ano, alternando a categoria sub-17 com a sub 19. 2024 foi a vez do sub 17, primeira oportunidade para uma nova geração aparecer em cenário mundial.
Sediada no México, a edição coroou, mais uma vez, a seleção dos Estados Unidos, ampliando a hegemonia estadunidense no esporte. A cada nova competição, renova-se a esperança por uma derrota dos Estados Unidos, independente da categoria e do naipe; ao fim do torneio, voltamos a ter a expectativa não cumprida. A potência conseguiu ser ainda mais dominante na edição de 2024: na campanha invicta de sete vitórias, a menor diferença no placar ocorreu na semi-final, contra a França, por 18 pontos.
Do ponto de vista coletivo, a seleção estadunidense apresentou um esquema defensivo muito forte, com aposta no atleticismo e mobilidade de seu elenco, aliado aos fundamentos muito bem cultivados. A superioridade técnica possibilitava marcação pressionada quadra toda, espremendo as adversárias e abrindo vantagem logo no início das partidas. No ataque, as individualidades prevaleceram e desmontaram as estratégias rivais, sem necessidade de sistemas táticos complexos. Com tamanha superioridade, simplificar conduziu a seleção ao sucesso.
Os dois maiores destaques da seleção (maiores eficiências, além de principais cestinhas e reboteiras do elenco) figuraram no quinteto ideal do Mundial. A ala-pivô McKenna Woliczko uniu-se à MVP, a ala Jerzy Robinson, sniper cuja forma de arremesso acelera o movimento e cria oportunidades rápidas de finalização (e pontuação). Ela não é a mais veloz do elenco e supre a lacuna com poder de decisão – na hora do aperto, a bola ia para suas mãos. Não se engane, o quinteto ideal poderia tranquilamente ser selecionado dentro do elenco dos Estados Unidos, tamanha a qualidade e equilíbrio do conjunto. As alas reservas Jordyn Palmer e Addison Bjorn seriam titulares – e estrelas – em qualquer outra seleção da competição.
Uma vez que o ouro é propriedade dos Estados Unidos, a prata ganha contornos mais significativos. Desde os primórdios do Mundial sub 17, em 2010, os Estados Unidos perderam somente uma vez, na edição de 2016, quando ficaram na terceira posição. O Canadá, escola ascendente no circuito mundial, subiu um degrau, melhorando a melhor colocação da história na categoria sub 17. Bronze em 2012, a geração liderada pela ala-armadora Agot Makeer e pela ala Savannah Swords chegou à final, assegurando a honrosa prata.
Makeer juntou-se no quinteto ideal do Mundial após anotar seus dois duplos-duplos na reta final. Na semi, em partida equilibradíssima e decidida no final contra a Espanha, seus 21 pontos e 12 rebotes foram fundamentais; na final, 10 pontos e 10 rebotes contra a melhor defesa da competição. Swords poderia ter sido nomeada para o quinteto, assim como a fogosa ala Deniya Prawl; tal qual seu vizinho geográfico, o Canadá possui um conjunto atlético e fundamentado.
A Espanha fechou o pódio, com uma campanha excelente. Nas categorias de base, com menos intercâmbio internacional na fase inicial de formação, ficam mais nítidas as características de cada escola de basquete; a escola espanhola mostrou-se em sua plenitude na campanha no México. Sem dispor das jogadoras mais atléticas e móveis, impressiona a maturidade das jogadoras individualmente e do conjunto em seu coletivo. A armadora titular Gina Garcia dita o ritmo de sua equipe, imprimindo intensidade e defesa pressionada, além de distribuir sua equipe; as alas Mireya Sanz e Leyre Urdiain cumprem funções distintas e suas carcaterísticas complementam-se, sem que uma assuma funções da outra. Urdiain, com experiência no adulto, é mais definidora; Sanz cumpre todas as funções de uma role player, sem fugir da responsabilidade quando a situação se lhe depara. Assim como a ala-pivô Ines Monje, Sanz usa a fisicalidade a favor de suas habilidades – e defendem como poucas. Fecha o quinteto espanhol titular o maior prospecto da geração, a pivô Sara Okeke, outra escolhida para o quinteto ideal do Mundial.
Okeke é o eixo do time, a principal arma ofensiva, capaz de atrair a defesa e espaçar suas companheiras. Mesmo quando ela não brilhou na pontuação, sua gravidade abriu brechas, muito bem exploradas e atacadas. A Espanha apresentou mais uma geração com muito talento e expectativas altas, não resumida a um ou dois nomes – a formação é tão qualificada, os fundamentos tão sedimentados, que qualquer jogadora do elenco pode dar um salto e desbancar a concorrência interna. Reservas sem grandes atributos físicos contribuem e se acomodam num esquema muito bem planejado e executado. Iyana Martin e Awa Fam mal chegaram na seleção adulta e uma nova geração já abre as portas e mostra que a renovação espanhola é constante.
Por fim, a França quedou fora do pódio por muito pouco, ao perder na disputa do bronze para a arqui-inimiga Espanha. Os dois países criaram uma rivalidade recente, chegando às finais na maioria dos torneios, independente da idade. A geração deste Mundial pareceu um degrau aquém de elencos anteriores, sem tanto refino técnico; o atleticismo, a envergadura e a defesa estiveram presentes, mas o padrão tático rígido, com posições bem definidas, tornou o time previsível. A wing Ainhoa Risacher tem um longo caminho de desenvolvimento pela frente, abrilhantado pela escolha para oi quinteto ideal do Mundial.
A Austrália ficou na quinta posição, resultado insatisfatório, ainda que não alarmante, para uma potência do basquete feminino. Surpreendente foi a ausência da China do Mundial, seleção eliminada na etapa continental; a atual vice-campeã mundial adulta vê a continuidade quebrada, preterida por seleções bem menos tradicionais, como a Nova Zelândia e Taiwan. O Japão finalizou na sexta colocação, apresentando um padrão idêntico ao da seleção adulta – profusão e preferência pelos chutes de três pontos, armadoras habilidosas exímias no pick and roll, defesa com muitas dobras e recuperação rápida para compensar a baixa estatura. Uma escola para ser copiada, que mesclou o mais moderno do basquete com suas características físicas e biótipo.
As demais seleções europeias (Itália, Finlândia e Croácia) tiveram bons momentos e ficaram no bolo intermediário. Dependentes de suas protagonistas, venceram os duelos equilibrados e acabaram acima das africanas, americanas (com exceção da dupla medalhista) e asiáticas – o nível mediano europeu está acima do resto do mundo.
As últimas seleções vieram da América: Porto Rico em 14º, México em 15º e Argentina em 16º. O basquete americano respira por aparelhos e depende inteiramente do circuito interno dos EUA para sobreviver. Caso nenhuma atitude de fomento seja tomada, as vagas continentais diminuirão – a África hoje tem melhores resultados, por exemplo. O Brasil sequer se classificou, eliminado na etapa continental pelas lanternas do Mundial.
A primeira experiência internacional dessa geração produziu partidas excelentes e merece ser analisada com calma. Muitos prospectos que prometem tomar as rédeas do basquete feminino mundial, além de seleções com excelente padrão tático, conscientes de suas fraquezas e suas potencialidades. A competição está disponível no youtube da Fiba (recomendamos a semi-final entre Espanha e Canadá, ótimo aperitivo).