O desempenho dos internacionais portugueses
Prestes a dar início à época 2017/2018, ainda olhamos em retrospectiva para a época que se encerrou na natação portuguesa
*Alguns dados analisados neste artigo foram recolhidos pelo Professor Carlos Freitas a quem o Fair Play agradece a prestimosa colaboração.
Na época 2016/2017 foram convocados para representar a selecção nacional de natação pura um total de 73 nadadores, oriundos de 32 clubes, para nadar em, pelo menos, uma das 20 competições onde Portugal esteve representado.
De entre todos eles, a nadadora mais vezes internacional na época passada foi Victoria Kaminskaya (Estrelas de São João de Brito) que representou as cores lusas em oito ocasiões, seguida por Gabriel Lopes (Louzan Natação), internacional por 7 vezes em 2016/2017 e a fechar o top-3 ficaram, com seis internacionalizações, Tamila Holub (Sporting de Braga) e Miguel Nascimento (Benfica).
No que diz respeito a clubes, o Sporting foi aquele que esteve mais vezes representado na selecção nacional, com 21 participações, da responsabilidade de 9 nadadores. Com o mesmo número de nadadores, mas menos uma internacionalização surge o Algés logo a seguir, e o Porto fecha o top-3 com 14 participações intermediadas por 5 nadadores.
As 20 competições onde a selecção nacional marcou presença destinavam-se aos escalões de juvenis, juniores e absolutos, mas dessas 20, apenas 5 estavam assinaladas pela FPN como competições prioritárias da época, para os diversos escalões – Campeonatos do Mundo de Piscina Curta, Campeonatos da Europa de Juniores, Campeonatos do Mundo de Piscina Longa, Festival Olímpico da Juventude Europeia e Campeonatos do Mundo de Juniores.
É sobre essas 5 competições prioritárias que incidirá o foco da abordagem deste artigo, onde Portugal esteve representado com 29 nadadores, segundo a seguinte distribuição:
Em busca da constante evolução
Independentemente dos objectivos que se podem traçar para cada uma dessas provas, sendo elas prioritárias para os escalões a que respeitam, o objectivo primeiro é sempre estabelecer recordes pessoais.
Para aferir sobre o desempenho geral da selecção em cada uma dessas competições, fomos calcular o rácio entre provas nadadas e recordes pessoais estabelecidos. O panorama é o seguinte:
Importa referir que no quadro anterior apenas são contabilizadas as provas individuais e, por conseguinte, apenas considerados os recordes pessoais conseguidos em provas individuais.
Das 5 competições, o campeonato mundial de Piscina Curta, decorrido em Windsor, no Canadá – e única competição prioritária em piscina curta – destaca-se como aquela em que a selecção nacional obteve um maior rendimento em termos de recordes pessoais. Um resultado que também muito se deveu ao facto dos convocados terem nadado provas que há muito não nadavam e que, com naturalidade, conseguiram máximos pessoais por larga margem. Casos de Gabriel Lopes que em 6 provas estabeleceu 5 recordes pessoais e Miguel Nascimento que fez 3 em 4.
A competição com menor rendimento foram os Campeonatos do Mundo de Juniores, mas essa foi uma competição onde Portugal apenas esteve representado por Raquel Pereira, que nadou 4 provas, não sendo, por isso, uma amostra suficientemente consistente.
No entanto, os resultados obtidos pelos mais jovens devem ser objecto de análise e reflexão. Para os escalões onde se pretende que a evolução seja constante e sustentada, menos de um terço de recordes pessoais nas provas nadadas pelos nadadores juvenis no FOJE e nos Europeus de Juniores fica aquém do desejável.
De resto, o Director-Técnico Nacional, José Machado, foi bastante clarividente na análise aos resultados obtidos em competições como os Europeus de Juniores ou os Mundiais de Budapeste. Apesar de haver pontos positivos a destacar, o DTN foi bastante incisivo nos pontos em que a prestação portuguesa ficou aquém do desejado, revelador do nível de exigência que se pretende para a natação portuguesa, o que por si, é um princípio onde importa alicerçar os fins.
Até porque para a natação portuguesa se aproximar dos padrões internacionais, terá de evoluir mais depressa do que os padrões internacionais…e estes não estagnam.
Como foi a época da elite europeia?
Para situar a natação portuguesa no contexto internacional, analisamos 10 selecções europeias de primeira linha mundial. O critério recaiu apenas em selecções europeias para que a comparação possa ser feita em todas as 5 provas prioritárias, de igual forma.
Assim, compilamos os mesmos indicadores para Espanha, França, Itália, Alemanha, Grã-Bretanha, Holanda, Dinamarca, Rússia, Hungria e Polónia, 10 países que se podem considerar estar entre a elite mundial, mas que estão em diferentes momentos no que refere ao nível da sua natação.
E os dados recolhidos são bastante reveladores desses momentos e, acima de tudo, das estratégias que estão a ser adoptadas.
Como se percebe pela tabela acima, a Grã-Bretanha é uma nação que está num ciclo de desenvolvimento bastante acelerado. Ciclo esse iniciado em 2012 com os Jogos Olímpicos caseiros, mas que desde então tem sido reforçado numa estratégia reconhecidamente bem sucedida pela Federação Britânica. Uma estratégia que não está ao alcance de todos já que desde 2012, a Brittish Swimming recebe entre 22 e 27 milhões de euros anuais de financiamento público, destinado prioritariamente à conversão de piscinas de 25 metros em piscinas olímpicas.
No entanto, na principal competição de absolutos, a Grã-Bretanha não esteve bem, comparativamente à maioria das selecções europeias…ainda assim, chegou para 4 ouros, 7 medalhas e dois recordes do mundo.
A atravessar um momento menos fulgurante estão as clássicas potências europeias França e Alemanha. Apesar de França até ter sido a nação com o segundo melhor desempenho entre os países considerados nos Mundiais húngaros, nos escalões de formação os indicadores não são animadores.
A Alemanha abdicou da presença nos Europeus de Juniores para apostar nos Mundiais do mesmo escalão e foi essa a sua competição mais bem sucedida. Ainda assim, apenas com 31% de rendimento.
Espanha e Dinamarca aparentam estar a seguir a estratégia certa nos escalões de formação com os seus nadadores juvenis e juniores a estarem bem nos momentos certos. Veremos que frutos serão colhidos dessa estratégia a médio prazo.
Quanto a Portugal, à excepção dos Mundiais de Piscina Curta, onde teve o segundo melhor rendimento entre os 11 países europeus, em todas as outras competições a posição relativa de Portugal neste “ranking” não é na linha da frente: 5º melhor nos Mundiais de Budapeste, 7º no FOJE e nos Europeus de Juniores e 10º nos Mundiais de Juniores.
Em termos gerais, Portugal melhora para o 4º lugar com 33,64% de aproveitamento no rácio recordes pessoais/provas nadadas:
Realça-se que neste rácio, países com nadadores que alcancem mais finais nestas competições acabam por sair prejudicados porque muitas vezes nadam as eliminatórias e meias finais sem necessitar de fazer o seu melhor e, dessa forma, conta como uma prova nadada sem record pessoal estabelecido.
Inverter a tendência, já esta época
Em suma, na época 2016/2017 houve vários pontos positivos – alguns até históricos – no que se refere às classificações internacionais dos nossos nadadores, mas houve também indicadores que deverão levar a uma reflexão da estratégia do alto rendimento.
Tendo em conta que as diversas selecções nacionais de natação pura participaram em 20 competições internacionais (15 no estrangeiro e 5 em Portugal), não se pode a maioria dos nadadores portugueses que chegam às grandes competições queixar-se falta de experiência. Mas indiscutivelmente haverá algo a corrigir, nomeadamente nas selecções jovens.
A participação numerosa nos Europeus de Juniores (apesar de contrastar com a diminuta participação nos Mundiais do mesmo escalão) foi um dado positivo, que previsivelmente se repetirá este ano. Uma participação em Mundiais Absolutos com 7 nadadores (8 obtiveram mínimos) foi um número condigno para uma equipa como Portugal. Ou seja, o objectivo de chegar às principais competições internacionais está ser cumprido. O próximo passo será vermos a nossa selecção no seu melhor e a chegar cada vez mais longe.
Torcemos que seja já na época que agora se inicia.
2 comments
Guillem Alsina i Soto
Outubro 10, 2017 at 2:34 pm
Eu tenho uma estadística feita desde faz muitos anos, mais exactamente desde 1995 até 2017, na qual tabulo as melhores marcas de cada ano para todos os nadadores espanhois que, desde o 1995 até 2017 participaram nos Campionats Europeus da categoria júnior. Algums destes nadadores e nadadoras tem conseguidos medalhas nestes Eurojúniors, outros foram finalistas, e a maioria só participaram neles, sem conseguir passar das eliminatorias ou semifinais. Deste estudio de pode deduzir, además, que uma grande percentagem destes Eurojúniors, um 70-75%, não conseguem melhorar nunca mais os tempos conseguidos no ano em que participam nos Eurojúniors, e muitos deles abandonam inclusive a competição dos ou tres años depois. Só um 10-15% deles chegam à categoria absoluta melhorando os seus tempos, o que é um índice d’abandonament muito grande e explica que a natação espanhola, muito bem considerada nas categorias mais jovens, não o seja tanto na categoria absoluta, onde únicamente tem alguna que outra grande figura, mas não de acordo com os 47 milhões de habitantes da Espanya. Poderiam dizer-me se a natação portuguesa tem este mesmo problema ?.
Muito obrigado pelo seu interesse, e desculpem a maçada do meu escrito.
João Bastos
Outubro 10, 2017 at 3:19 pm
Caro Guillem, muito obrigado pelo seu comentário que não maça. Antes pelo contrário, traz à discussão um problema transversal à natação portuguesa, espanhola e à de muitos outros países que tem a ver com aquele que se torna o “ano barreira”, ou seja, o primeiro ano de sénior, coincidente com o ano de entrada na universidade que é onde se começam a verificar grandes assimetrias de resultados entre países.
Por exemplo, só no século XXI, Portugal obteve 3 títulos e 13 pódios em Campeonatos da Europa de Juniores. Em absolutos, no mesmo período, só conseguiu um pódio (em europeus de piscina longa).
Ou seja, o nível da natação portuguesa até ao escalão de juniores – no contexto europeu – é muito superior àquele que consegue em absolutos.
Eu penso que aqui os problemas são muito profundos porque qualquer estratégia de desenvolvimento que as federações nacionais possam ter acaba por cair por terra se não for acompanhada pela vontade política de quem tutela o Ensino Superior.
Temos muitos exemplos de países onde o acesso ao ensino superior ou até à carreira militar é facilitador da prossecução da carreira desportiva…e são os países onde encontramos esses exemplos que acabamos por encontrar no topo dos medalheiros das grandes competições. Não será por acaso!
Mais uma vez muito obrigado pelo seu comentário. Continuação de bons escritos no “Natació Catalana i Internacional” que vou seguindo com entusiasmo 😀