[Aqua Moments] Ascenção e queda de Ian Thorpe
O Fair Play continua a sua série de artigos que recordarão momentos históricos da natação. O Aqua Moments olhará para o retrovisor e reviverá marcos incontornáveis da história da modalidade
O Aqua Moments de hoje recorda um dos maiores nomes da História da natação mundial que teve uma carreira pautada de momentos (muito) altos e (muito) baixos. Falaremos do australiano Ian Thorpe.
A lenda do Thorpedo
Em 1998 a Austrália acolheu a oitava edição dos Campeonatos do Mundo de Desportos Aquáticos. Na cidade de Perth, estreava-se em Mundiais, aos 15 anos, Ian James Thorpe e estreou-se com estrondo, vencendo os 400 metros livres à frente do seu compatriota e grande favorito, Grant Hackett, (faz hoje exactamente 20 anos) protagonizando uma recuperação nos últimos 100 metros absolutamente notável.
Com os Mundiais a serem disputados na Austrália, dois anos dos Jogos Olímpicos de Sydney, obviamente que Thorpe passou a ser o novo herói nacional e cabeça de cartaz de uma geração de nadadores australianos que encaravam os Jogos caseiros na perspectiva de lá saírem com o primeiro lugar do medalheiro.
O jovem thorpedo virou uma espécie de rock star das piscinas e desde logo as marcas adoraram-no ainda mais que o público. Pela primeira vez um nadador atraía patrocínios de marcas mundialmente conhecidas como Audi, Adidas, Armani, Qantas ou Telstra.
Vieram os Jogos Olímpicos de 2000 e Thorpe não defraudou as expectativas tornando-se tri-campeão olímpico com três recordes do mundo (400 livres, 4×100 livres e 4×200 livres). Nos 200 livres perdeu o grande duelo para o holandês Pieter van den Hoogenband que igualou nessa final o recorde do mundo que tinha estabelecido nas meias finais (1:45.37).
Depois de Sydney, a popularidade de Thorpe chegou até Hollywood fazendo várias aparições em vários programas de televisão americanos, com destaque para a sua participação num episódio de Friends.
Por esta altura, Thorpe tinha apenas 18 anos e o mundo a seus pés…e assim continuou nos Mundiais de 2001, em Fukuoka, a melhor competição de toda a sua carreira. No Japão, Thorpe subiu ao lugar mais alto do pódio por 6 vezes (todas as vezes que nadou) e de lá trouxe 4 novos recordes do mundo (200, 400, 800 e 4×200 livres), sendo o principal responsável por levar a Austrália ao primeiro lugar do medalheiro (única vez na História dos mundiais).
Ainda em 2001 ficou célebre a história de Thorpe ter estado no World Trade Center na manhã do fatídico dia 11 de Setembro. O destino quis que Thorpe estivesse na entrada do edifício umas horas antes do atentado, estando previsto que voltasse a estar no 107º andar mais ou menos à hora do atentado, mas um atraso no hotel onde estava hospedado salvou-lhe a vida.
Vida essa que, do ponto de vista desportivo, foi sempre sorridente até aos Jogos Olímpicos de 2004. Em Atenas foi campeão olímpico dos 200 livres – na melhor prova de sempre – e dos 400 livres.
Tinha apenas 21 anos mas foi a sua última grande competição internacional. Apesar de ter voltado a tentar o regresso para os Jogos de 2008 e ainda para os Jogos de 2012, da mesma forma que apareceu com estrondo, o torpedo caiu com estrondo.
Da depressão ao risco de vida
Ainda adolescente, Ian Thorpe viu-se confrontado com o facto de ser uma figura pública à escala planetária e durante toda a sua carreira nunca precisou de enfrentar o fracasso porque nunca soube o que isso era.
Tal como tantas outras histórias, quando as coisas começaram a correr mal ao australiano, este não soube lidar com isso e enfrentou sozinho um processo de destruição interna que o levou a ter problemas de alcoolismo e depressão. Esses episódios foram-se tornando cada vez mais recorrentes até que em Janeiro de 2014 (10 anos depois da sua última competição internacional), Ian Thorpe foi internado.
Parecia ter sido este o ponto em que Thorpe batia no fundo, mas na verdade não foi. Em Julho do mesmo ano, Thorpe foi operado ao ombro esquerdo, uma intervenção que à partida não acarretaria grandes riscos, mas o que é facto é que o estado debilitado de Thorpe levou ao desenvolvimento de uma infecção no período pós-operatório que o deixou em risco de amputação do braço.
Estes dois episódios – internamento e operação – representaram para o australiano verdadeiras epifanias. A sucessão de desgraças da sua vida tinham origem numa única razão: é que há anos vivia em sofrimento pelo facto de não assumir abertamente a sua orientação sexual.
Aos 31 anos, Ian Thorpe assumiu a sua homossexualidade e a sua relação com o modelo australiano Ryan Channing.
Esta revelação mudou a vida de Ian Thorpe, pondo termo a um conflito interno que para ele durou desde sempre, mas com o qual conseguiu viver enquanto foi tendo outras conquistas na vida. Acabando-se tudo o resto, Thorpe não conseguia viver sem que antes se conseguisse aceitar e a verdade é que um dos maiores campeões de todos os tempos esteve perto do fim.
Em boa hora Thorpe derrotou os seus fantasmas e voltou à vida, vivendo agora, finalmente, em felicidade plena, fazendo planos de casar e ser pai em 2018.