Campeonatos Nacionais de Judo: Que futuro?

João CamachoNovembro 13, 20186min0
Os sucessos do Judo português dos últimos 20 anos podem ter aberto caminho para alguns desafios do presente. O exemplo dos Campeonatos Nacionais de Judo 2018 usado como exemplo. Concordas?

Realizaram-se no fim-de-semana de 10/11 de Novembro, no multiusos de Odivelas, os Campeonatos de Apuramento das Seleções Nacionais Seniores, competição que se chamou, até há pouco tempo, Campeonato Nacional de Séniores, tema que será abordado num artigo futuro.

Numa iniciativa inédita, a Federação Portuguesa de Judo agregou à prova rainha do calendário Nacional os Campeonatos Nacionais de Judo Adaptado e de Cegos e Baixa Visão, contribuindo para a divulgação das diversas vertentes do Judo e colocando no tapete (tatami) atletas de diversas realidades e com objetivos bem distintos, mas com a mesma paixão.

O Judo (via da suavidade) é uma modalidade desportiva que nasceu no Japão, no século XIX (1882), pela mão de Jigoro Kano. O Judo tem a sua principal origem na arte marcial jujutsu, arte praticada pelos Samurais entre os séculos XII e XIV, mas também inclui ensinamentos provenientes de outras artes marciais e formas de luta. Hoje o Judo está presente nos cinco continentes e estima-se que tenha mais de 55 milhões de praticantes.

A criação do Judo teve como principal objetivo criar um desporto assente na educação física e não numa luta violenta em que fosse permitido utilizar todos os métodos para vencer o adversário. Assim, Jigoro Kano modificou o tradicional jujutsu, estudando os golpes e relacionando-os com as leis da dinâmica, da ação – reação. Seleccionou e classificou cuidadosamente as melhores técnicas do jujutsu, eliminando as que podiam provocar lesões graves, atribuiu princípios básicos e estabeleceu normas lógicas para tornar a aprendizagem do Judo mais intuitiva e ao alcance de todos.

Para o público em geral, o Judo é uma luta em que dois atletas de fato de Judo (um branco e o outro azul), Judogui, tentam derrotar o adversário através da utilização de técnicas de projeção, imobilização, luxação da articulação do cotovelo e técnicas de estrangulamento, as duas últimas de forma a obrigar o parceiro à submissão.

No entanto, o Judo vai mais longe que esta vertente competitiva pois, para além da competição pura, que a titulo de curiosidade está incluída no programa dos Jogos Olímpicos desde 1964 em Tóquio, inclui as vertentes de Judo Paralímpico, Surdolímpico , Adaptado, veteranos e Katas (formas).

Sobre os Campeonatos de Apuramento das Seleções Nacionais Seniores, a competição contou com a participação de apenas alguns, poucos, dos melhores judocas nacionais.

Alguns não participaram por se encontrarem a disputar o circuito Mundial, que permite amealhar preciosos pontos para o ranking de qualificação Olímpica para Tóquio 2020, além de premiar os atletas medalhados com generosos prize moneys.

Outros terão preferido ficar de fora, por motivos relacionados com a gestão de esforço, ou por lesão. A prova apelidada de Rainha ficou assim marcada por sinais preocupantes e que requerem uma profunda reflexão por parte de todos os agentes envolvidos, Federação Portuguesa de Judo (FPJ), Associações Distritais de Judo, Clubes e IPDJ-Instituto Português do Desporto e da Juventude, uma vez que nenhuma categoria de peso, tanto no género feminino como no masculino, conseguiu que fossem preenchidas as vagas previstas, com algumas categorias a apresentarem dois ou três atletas, tendo, inclusive, sido cancelada uma das categorias por falta de participantes.

Um bom exemplo é a categoria masculina de 73Kg, a categoria de referência, no que respeita à qualidade e ao número de participantes, que este ano contou com a inscrição de apenas 16 atletas.

Foto: FPJ

GERAÇÃO DE OURO

Na década de noventa, foi obtido um conjunto de resultados impressionantes e, de alguma maneira, inesperados, para quem estava fora da realidade do Judo Nacional e do trabalho desenvolvido.

O Judo Português passou a um patamar de notoriedade e excelência, nacional e internacional, com títulos nas mais importantes competições do mundo, onde se destacaram atletas como Pedro Soares, Michel Almeida, Guilherme Bentes, Pedro Caravana, Filipa Cavallieri, Paula Saldanha, Catarina Rodrigues, entre outros, e que culminou com o Bronze de Nuno Delgado nos Jogos Olímpicos de Sydney (2000).

Tais resultados inspiraram e mostraram que era possível chegar ao topo, motivando novos talentos como João Pina (Bi campeão da Europa e 3 presenças em Jogos Olímpicos), João Neto (campeão da Europa e bronze nos Mundiais), Joana Ramos, Pedro Dias e, a maior referência do Judo Português, Telma Monteiro, Bronze nos Jogos Olímpicos do Rio (2016) e uma das atletas mais medalhadas na história do Judo a nível mundial.

Graças a estes resultados, criou-se a convicção de que o Judo estava bem estruturado, tinha um plano e uma estratégia para médio e longo prazo. Ora, apesar de continuarem a surgir novos talentos, como é o caso de Jorge Fonseca, de Anri Egutidze, de Nuno Saraiva, de Célio Dias e, recentemente, de Mariana Esteves, de Catarina Costa e de Patricia Sampaio (sem desprimor para os que não são mencionados e a quem apresento as minhas desculpas), o que se passou nesse fim-de-semana, em Odivelas, fez disparar o alarme, já que para ter um atleta de alto nível, que lute por medalhas nas principais competições internacionais, como os Jogos Olímpicos ou os Campeonatos do Mundo e da Europa, é fundamental, critico, ter uma base muito diversa/sólida, em quantidade e qualidade, ou seja, um modelo em “Pirâmide”. Uma base forte de onde possam surgir mais atletas com o Nível e resultados da Campeã Telma Monteiro.

Para construir uma base sustentável e rica em talentos, é necessária uma divulgação eficaz do Judo.

É determinante a realização de eventos de promoção, a articulação com o desporto escolar, incentivos à prática e à introdução da modalidade em locais mais desfavorecidos geograficamente e socialmente, com disponibilização de equipamentos imprescindíveis à prática (tapetes, fatos), a negociação de apoios e patrocínios que ajudem a financiar todas estas atividades, e cabe à Federação tomar a liderança neste processo, que já conta com algumas iniciativas interessantes, mas que, aparentemente, está com dificuldade em arrancar e, sobretudo, em  “massificar-se” pelo país inteiro .

Como ex-competidor anseio por voltar a ver o Campeonato Nacional de Séniores como uma prova empolgante, com muitos participantes, uma autêntica promoção do Judo. O que aconteceu no último fim-de-semana não o foi…

Foto: FPJ

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