Judo português: Depois da bonança vem a tempestade

João CamachoNovembro 1, 202211min0

Judo português: Depois da bonança vem a tempestade

João CamachoNovembro 1, 202211min0
De um Mundial com prestações abaixo do esperado, a uma crise federativa, João Camacho olha para a actualidade do judo português

Depois da “aparente” tranquilidade, consequência de uma reunião entre a Federação Portuguesa de Judo (FPJ) e Comité Olímpico de Portugal (COP), com mediação do Secretário de Estado do Desporto João Paulo Correia, Telma Monteiro voltou à carga, com fortes críticas e denúncias direcionadas à FPJ. Para os mais distraídos, tinha fica a ideia de que tudo estaria resolvido, mas como tive oportunidade de escrever, as medidas resultantes deste encontro, anunciadas com pompa e circunstância, estavam longe, muito longe, de resolver este diferendo.

A dispensa, na véspera da partida para o Grand Slam de Abu Dahbu da treinadora responsável pela Seleção Olímpica, Sénior e Sub 23, Ana Hormigo, que se tinha solidarizado com os atletas subscritores da carta aberta que deu origem ao diferendo, provocou uma forte reação, com novas acusações, por parte de Telma Monteiro. Pelo meio, tivemos um Campeonato do Mundo, onde Portugal conquistou mais uma medalha de bronze, Parabéns Barbara Timo!

Campeonatos do Mundo judo 2022

A capital do Uzbequistão recebeu, entre os dias 6 e 13 de outubro, a elite do judo mundial. Muitas caras novas, muitas surpresas e uma confirmação: o Japão continua a dominar o panorama do judo mundial. Com 12 medalhas, 5 delas de ouro, e respetivos títulos mundiais, o Japão voltou a dar provas de que é a maior potência deste desporto e que ninguém, neste momento, terá capacidade de colocar em causa esta hegemonia. A equipa japonesa era constituída por um misto de judocas que são a primeira escolha da equipa técnica, por muito difícil que seja definir primeiras escolhas no Japão, dada a enorme oferta de qualidade e quantidade, onde se destacavam alguns Campeões Olímpicos e do Mundo, e alguns ilustres desconhecidos, ou desaparecidos, que surpreenderam.

A final da categoria dos 66Kg foi histórica, colocou frente a frente dois japoneses; ABE, Campeão Olímpico, e Maruyama, Campeão do Mundo. Abe derrotou o seu compatriota, numa final carregada de emoção, pois a discussão sobre quem deveria ter representado o Japão nesta categoria de peso nos Jogos Olímpicos de Tóquio, está longe de estar resolvida. O memorável combate de mais de 24 minutos, que em dezembro de 2020 colocou frente a frente estes dois judocas, teve um desfecho polémico, com uma decisão da arbitragem questionável. Ao contrário desta final, onde Abe foi mais consistente e levou o combate para o registo onde se sente mais confortável, surpreendendo Maruyama com um contra-ataque.

De resto, destaco o Brasil, com uma merecida segunda posição no quadro de medalhas, com dois títulos mundiais, em 4 medalhas. O regresso de Rafaela Silva aos grandes resultados, com o título mundial dos 57Kg, após uma suspensão de 2 anos por um controlo positivo, com muito drama e polémica à mistura, foi uma clara demonstração de que podem contar com ela para Paris 2024.

Por último, destaque para o país organizador, o Uzbequistão, que terminou num honroso terceiro lugar do quadro de medalhas, com dois títulos mundiais, um deles, na minha opinião, muito polémico. O novo Campeão do Mundo dos 100Kg, Turoboyev, categoria em que Jorge Fonseca defendia o título, teve uma exagerada proteção por parte da arbitragem, ao que não terá sido alheio o fator “casa”.

Foi evidente durante os vários combates que disputou, mas em especial na final, onde defrontou o Canadiano Reyes, que esteve irrepreensível e acabou por ser uma das agradáveis surpresas desta categoria. Quando faltava menos de um minuto para o final dos 4 minutos de duração do combate, a mesa (onde está a supervisão) decidiu “substituir”, não no sentido literal da palavra, a árbitra italiana Roberta Chyurlia, indiscutivelmente uma das melhores do mundo, e decidiu não atribuir o terceiro castigo, evidente, ao judoca do Uzbequistão, que daria o título mundial a Reyes. Não é inédito, e certamente não será a última vez, mas a verdade desportiva, na minha opinião, não prevaleceu.

Bárbara Timo de bronze!

A decisão de descer da categoria dos 70Kg para os 63Kg, após os Jogos Olímpicos de Tóquio, depois de um período muito complicado, com uma depressão e uma perda inexplicável de peso, parece ter sido acertada e os resultados estão à vista. Bárbara Timo, que recordo foi medalha de prata nos campeonatos do mundo de Tóquio de 2019, mas na categoria dos 70Kg, voltou a provar que é uma judoca muito consistente, com muitas soluções, e qualidade para continuar a marcar nas mais importantes competições do circuito mundial. Bárbara deu uma cabal demonstração do seu valor e só a japonesa Horikawa, que se sagraria Campeã do Mundo, conseguiu travar a Portuguesa, na meia-final. Parabéns, Bárbara!

Foto: IJF

Análise da participação portuguesa em Tashkent

Além da medalha de Bronze de Bárbara Timo, destaque para o sétimo lugar de Jorge Fonseca, que chegou aos quartos-de-final da categoria dos 100Kg. Jorge foi derrotado pelo judoca Kotsoiev, do Azerbaijão, com quem tem recorrentemente dificuldades, uma vez que o Azeri tem um estilo de judo muito peculiar que causa muitas dificuldades aos seus adversários, entre eles Jorge.

No combate para aceder à luta pela medalha de bronze, repescagens, Jorge foi surpreendido pelo Georgiano Sulamanidze, cometendo um erro, totalmente evitável, após ter marcado um Wazari, que o colocava na frente do marcador. Jorge termina em 7.º, mas fica evidente que é um dos melhores judocas desta categoria e que dentro de pouco meses, em Doha, terá condições para regressar novamente ao pódio dos campeonatos do mundo.

A restante comitiva teve uma prestação sofrível, com destaque para o regresso, após uma longa recuperação de uma lesão no joelho, de Rochele Nunes, que se apresentou com um bom nível, mas ainda sem o ritmo que uma competição destas exige. Catarina Costa e Anri Egutidze, acabaram por ter prestações aquém das expectativas.

Catarina Costa terá de se reinventar, pois, apesar de ser uma das judocas mais fortes da categoria dos 48Kg, está muito estudada, e apresenta um judo propício a ser contrariado e, acima de tudo, que a expõe a ser castigada com frequência, o que condiciona a sua estratégia e tem impacto na sua prestação. No que respeita a Anri Egutidze, ficou evidente que está a atravessar um momento menos bom, evidenciado muitas dificuldades, especialmente no que respeita à condição física, apesar de ter sido derrotado por um adversário muito complicado, a Neerlandesa Noel Van T End.

Em 2021, Anri foi medalha de bronze nos Campeonatos do Mundo de Budapeste, mas ainda na categoria dos 81Kg, acabou por decidir subir para os 90Kg após os Jogos Olímpicos de Tóquio, decisão que pareceu acertada, pois na primeira competição em que participou nesta categoria, o prestigiado grand slam de Paris, conquistou uma medalha de bronze. Atualmente falta consistência, condição física, explosão, apresentando um judo muito previsível e fácil de contrariar. Tenho reiteradamente escrito que Anri é um judoca que tem condições para aspirar a grandes resultados, mas terá de refletir se esta será mesmo a melhor categoria de peso para o seu judo e para as suas características físicas.

Foto: IJF

Grand Slam Abu Dhabi

Ainda na ressaca dos Campeonatos do Mundo de Tashkent de judo, o circuito mundial visitou a capital dos Emiratos Árabes Unidos, Abu Dhabi, entre os dias 21 e 23 de outubro. Uma etapa propicia para que muitos judocas, que tiveram uns campeonatos do mundo aquém das expectativas, aproveitassem o momento de forma para tentar amealhar pontos, sempre importantes e em especial agora que já contam para o ranking de qualificação para os Jogos Olímpicos de Paris 2024, além de um apetecível e generoso prize Money.

Portugal esteve presente, com destaque para os regressos, após lesão da supercampeã Telma Monteiro e da Jovem Patrícia Sampaio, que acabaram eliminadas na fase preliminar da competição. Nesta fase é importante ganhar ritmo a este nível e ficaram boas indicações da prestação das duas judocas.

O destaque vai para Bárbara Timo, mais uma vez, que depois de uns memoráveis campeonatos do Mundo, com pouco mais de uma semana, voltou ao pódio ao conquistar a prata nesta etapa, e para Rochele Nunes, que terminou de bronze ao peito, e com uma fenomenal projeção no combate para atribuição da medalha de bronze, frente à chinesa XU. Recomendo, entusiasticamente, o leitor a procurar o vídeo do combate porque vale a pena. Também destaco o quinto lugar de Catarina Costa, que já apresentou algumas mudanças na condução do combate e na estratégia, mostrando que o que disse, ainda a quente após a eliminação nos campeonatos do mundo, é para levar a sério.

Raquel Brito

Os campeonatos da Europa de sub.23 decorreram em Sarajevo entre os das 28 e 30 de outubro. O grande destaque da participação portuguesa vai para Raquel Brito, que conquistou a medalha de bronze da categoria dos 48Kg. Foi uma competição muito exigente, Raquel Brito teve na meia-final uma maratona de 13 minutos, 4 regulamentares mais 9 de golden score, que acabou por perder por wazari. No combate para a medalha de bronze, derrotou a espanhola Eva Perez Soler por Ippon.

Depois de um fantástico percurso no escalão de cadetes e na passagem ao escalão de juniores, Raquel precisava de voltar aos grandes resultados internacionais, que teimavam em não aparecer. Foi um período duro, de quase dois anos, e esta medalha foi a prova que com trabalho e muito sacrifício, pode tardar, mas os resultados vão aparecer! Parabéns, Raquel! Também destaque para a judoca Carolina Paiva, que terminou num honroso 5º lugar, na categoria dos 78Kg.

Foto: IJF

Dias de tempestade

Volto ao tópico com que iniciei este artigo, e apesar de me custar voltar a escrever sobre este assunto, o conflito entre a FPJ e o grupo de atletas subscritores da carta aberta, divulgada a 16 de agosto, está de novo a fazer manchete nos media portugueses. Um post de Telma Monteiro, sobre o afastamento de Ana Hormigo em véspera da viagem para o grand slam de Abu Dhabi, com mais acusações, muito graves (ter pago para estar presente em estágios internacionais, ter pago despesas relativas a uma cirurgia ao joelho, despesas que o seguro que a federação pediu para acionar não cobriu), tornou evidente que este conflito está longe de estar resolvido.

Se é compreensível que a federação afaste Ana Hormigo, por uma obvia quebra de confiança na sequência da posição pública que a treinadora responsável pela equipa olímpica feminina tomou a favor do grupo de atletas subscritor da carta aberta, alegadamente sem tentar qualquer abordagem das questões nela elencadas ao nível da estrutura federativa, as acusações descritas no post de Telma obrigaram a uma tomada de posição do IPDJ, que ordenou uma auditoria à FPJ, que vai estar concluída no prazo de três semanas. Vários partidos, entre eles o PS, PSD e BE, solicitaram uma audição com o presidente da federação, Jorge Fernandes.

Temo que esta audição parlamentar reúna todas as condições para cair, com muita facilidade, num registo idêntico aos que assistimos, no passado, com outros protagonistas. Se por um lado este novo alerta deu força aos atletas subscritores da carta, o facto de Catarina Costa se ter retratado e pedido desculpa, numa carta enviada ao presidente e à tutela (Secretário do Estado, presidente do IPDJ e ao Presidente do Comité Olímpico), em que se afasta da declaração inicial e do grupo, poderá ser sinal de alguma divisão.

A confirmarem-se as acusações, Jorge Fernandes terá a sua continuidade à frente da Federação Portuguesa de Judo em risco, mas caso se prove que as acusações dos atletas são infundadas e a auditoria conclua que está tudo em conformidade com as regras, dado que os atletas não se retrataram e não pediram desculpa, como foi exigido por Jorge Fernandes na assembleia geral da FPJ do passado dia 16 de outubro, para ultrapassar e encerrar o diferendo, o processo seguirá para os tribunais…. Quem sairá a ganhar? Não sei, mas certamente não será o Judo….


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