As mulheres que pararam o Brasil – três crónicas olímpicas
O Brasil foi a Tóquio em busca de fazer história, e conseguiu. Já com dez medalhas na competição, e outras duas garantidas, algumas foram inéditas e até surpreendentes, com uma mulher de 13 anos, uma judoca desacreditada e uma jovem ginasta. Entenda o significado de três das conquistas brasileiras nos jogos olímpicos de 2020.
A criança que parou o Brasil
Há seis anos, apareceu para o Brasil uma menina de sete anos. Viralizou na internet essa maranhense que tentava, e errava, tentava, e errava, até acertar aquele ‘maldito’ Heel Flip. Uma menina que queria porque queria andar de skate, ser o que a Letícia Bufoni foi (é) para ela – a maior referência na modalidade.
Emocionou, na época, o Brasil inteiro numa tarde de domingo. Vestida de fada, como no vídeo no qual parecia voar no ar após tantas quedas, chorou ao conhecer uma das maiores skatistas que o país teve. Que nem todos, inclusive, conheciam, dado que este esporte não é (era) muito reconhecido. Foi assim que Rayssa Leal, a ‘Fadinha’, apareceu para o mundo.
Emocionou de novo, tantos anos depois, todos os brasileiros. Numa madrugada fria de julho, no segundo dia do esporte sensação das Olimpíadas, três brasileiras subiram no skate em busca de medalha. Pamela Rosa, atual campeã do mundo, não conseguiu chegar às finais. Letícia, a inspiração, tampouco.
Sobrou ela, a fada de anos atrás, a criança que ainda é e que, quando sobe no skate, pouco aparenta ser. Descontraída, dançando e feliz como se andasse nas ruas de sua cidade, Rayssa voltou a voar. Voar mais alto que qualquer pessoa poderia imaginar.
E assim chegou à final. Contra outras crianças, outras adultas. Seguiu com um sorriso no rosto – dela e de milhões. Seguiu observada por um país que, às 2h da manhã, não era capaz de olhar para algum lugar além da TV. Seguiu em busca do pódio, do abraço e das lágrimas. Seguiu em busca da história.
Coração verde e amarelo, como as unhas, bateu mais forte quando confirmou o pódio. Em casa, com a queda japonesa, praticamente parou por alguns segundos. A voz saía do corpo em tom de alívio e alegria, assim como deixava de sair em respeito aos que dormiam, ou tentavam. Pulos sem skate nas salas das casas, nos quartos e em Tóquio.
Lágrimas que saíram ao ver a medalha chegando, o hino tocando, o pescoço segurando. O sorriso no rosto e a leveza nos pés de quem acabou de chegar ao topo do esporte, mesmo sem ouro e idade. Emoção que ninguém nunca pensou que poderia sentir com um esporte sem visibilidade, que ninguém chegou a acompanhar.
Rayssa Leal, com a prata no pescoço, deixou claro que não é mais só uma criança.
É uma lenda.
Deixou de ser fada. É, de uma vez por todas, foda.
O bronze que vale ouro
Sob olhares de desconfiança, Mayra Aguiar aterrissou em Tóquio. Ia em busca de uma medalha que ninguém acreditava, que ninguém achou que poderia chegar. Foram meses de reabilitação após uma cirurgia em 2020. Era incerto o seu futuro no esporte. Era certo o seu futuro vencedor. Era certa a emoção que estava por vir.
Uma história das mais lindas, que palavra nenhuma é capaz de descrever. Mayra tentou, mas, atrapalhada pelas lágrimas da mais pura felicidade foi, também, incapaz.
Na transmissão, o narrador gritava: “Você é histórica, Mayra”. Palavras que entraram no coração, mesmo daqueles que não conheciam a história de superação da judoca. Palavras que ficarão marcadas para sempre, enquanto a atleta conquistava sua terceira medalha olímpica.
Foram três bronzes, mas bronzes diferentes. Para ela, a de 2020(21) foi, de longe, a melhor. Para a torcida, também não há nem discussão. Aquele bronze que tem gostinho de ouro. Que de terceiro lugar não tem nada. É o topo, mesmo não ficando no lugar mais alto do pódio.
Aquela lesão que poderia ter acabado com a carreira ficou para trás. Aquela cirurgia que deixou o futuro indefinido foi superada. Aquela tensão ao cair na semifinal não existe mais. Aquele alívio ao ouvir o fim da luta decretado pela arbitragem é inigualável.
Símbolo máximo do esporte nacional. Símbolo máximo do que o esporte pode fazer. Emocionar.
A mais bela das histórias, com o mais belo dos finais, de uma das mais importantes atletas de um país continental.
Tantos milhões, mas tinha de ser ela.
Tinha de ser Mayra Aguiar, para o bronze.
O pulo de Guarulhos para a história
Em busca de uma medalha olímpica, Daiane dos Santos, maior ginasta que o Brasil viu, pulou em 2004, 2008 e 2012. Em busca de uma medalha, sem disputar a competição, pulou novamente, agora em 2021.
Daiane não se segurou na cabine de transmissão da Globo. Viveu a emoção como se estivesse dentro do ginásio, ajudando Rebeca a pular cada vez mais alto. Cair cada vez mais precisa. Errar cada vez menos.
As notas conseguiram algo que parecia impossível. Superaram a tensão de carregar nas costas anos sem conquistas e de assistir uma apresentação em busca de algo inédito. Superaram quase todas as adversárias, quase todos os erros – que, mesmo existindo, não conseguiram tirar a medalha do pescoço da menina que, em Guarulhos, ainda criança, via Daiane treinar com um brilho nos olhos. Sonhava em fazer aquilo que a ginasta tornava fácil aos olhos dos menos conhecedores.
O sonho se tornou realidade. Do outro lado do mundo, fez saltos impossíveis parecerem fáceis. Dançou com um sorriso no rosto e funk no ginásio. Encantou o Brasil, o Japão e o mundo.
A emoção de um feito inédito, uma medalha que o Brasil não conhecia. De uma nova geração vitoriosa como a anterior foi, e até não conseguiu ser. Tudo transbordou dos olhos de Daiane, o ícone, e de tantos outros que ouviram os gritos de “É prata!”, que Galvão Bueno soltou a plenos pulmões.
Uma história que será contada por muitos anos, e que poderá ser recontada em Paris 2024.
Mais uma vez com Rebeca Andrade, a primeira medalha feminina do Brasil na ginástica artística.
Ginga Canarinha# Como têm sido os Jogos para o Brasil? https://t.co/eAWy0feWLS
— Fair Play (@FairPlaypt) July 30, 2021