A Taça Latina, a formação e o melhor campeonato do Mundo

José NevesAbril 12, 201810min1

A Taça Latina, a formação e o melhor campeonato do Mundo

José NevesAbril 12, 201810min1
Portugal alcançou na última Taça Latina o seu pior resultado de sempre. Poderá estar isto relacionado com o elevado número de estrangeiros nas principais equipas portuguesas?

Nos últimos anos o campeonato português tem sido apelidado de “O melhor campeonato do Mundo”  e os argumentos para o afirmar são válidos. Craques oriundos de outros países como Jordi Adroher, Jordi Bargalló ou Matías Platero, que chegaram ao nosso país nas recentes temporadas, vieram certamente aumentar o nível de qualidade das suas respectivas equipas e, por conseguinte, no campeonato português.

Para lá das equipas candidatas ao ceptro de campeão nacional, também grande parte das restantes acabou por aumentar o seu nível, muitas delas aproveitando jogadores que outrora vestiram as camisolas dos 4 grandes, e que perderam lugar depois do ingresso de jogadores estrangeiros.

Portugal conseguiu ser representado por 4 equipas nos quartos de final da Liga Europeia (FC Porto, SL Benfica, UD Oliveirense e Sporting CP), e por outras 4 nos quartos de final da Taça CERS (OC Barcelos, Juventude Viana, HC Turquel e SC Tomar). É por isso seguro dizer que em termos de clubes, o hóquei português está bem e recomenda-se, e os jogadores estrangeiros vieram aumentar a qualidade de todas as equipas que competem na primeira divisão, mas poderá isso trazer repercussões à selecção portuguesa?

Nas idades de formação Portugal é actualmente campeão da Europa de sub-17, tetra campeão da Europa de sub-20 e tri campeão do Mundo de sub-20, mas a prestação na última Taça Latina voltou a levantar questões sobre a transição dos jovens ao escalão de seniores, e sobre a política de contratações dos grandes.

A pior prestação de sempre

Portugal apresentou-se no passado dia 30 de Março em Saint Omer, França, para disputar a Taça Latina, competição de sub-23, com os últimos dois títulos na bagagem (2014 em Viana do Castelo e 2016 em Follonica), e como país com mais troféus conquistados, 14, contra os 11 espanhóis e os 3 italianos. Prontos para defender as cores lusitanas estavam 10 jovens talentosos, com muito potencial e que davam condições para lutar pelo tri, mas em comparação às três selecções oponentes, Portugal era aquela que trazia jogadores com menor experiência na alta roda Europeia.

Pela selecção portuguesa apenas 2 jogadores possuíam experiência de competições europeias, Vieirinha que desde os 17 anos fez vários jogos a contar para a Taça CERS, entre HC Braga e OC Barcelos, chegando mesmo a vencer a competição nas temporadas de 2015-16 e 2016-17 com a camisola dos barcelenses. Na última destas conquistas teve a companhia de Alvarinho, ele que também acabou por desempenhar um papel decisivo nessa conquista.

Actualmente Vieirinha e Alvarinho jogam pelo Benfica e Porto respectivamente, mas estão longe de ser jogadores preponderantes em ambos os conjuntos. Alvarinho é o jogador com menos minutos de utilização pelos dragões no campeonato, Vieirinha tem oscilado entre a titularidade e o fundo do banco encarnado.

O currículo dos restantes jogadores que compuseram o plantel da equipa portuguesa não chega aos calcanhares destes seus dois colegas de seleção. Apesar de Braga e Valongo terem “emprestado” alguns jogadores que vão ganhando o seu espaço nos respectivos conjuntos, apenas seis dos dez convocados fazem parte de equipas da primeira divisão portuguesa, sendo que ambos os guarda-redes jogam em divisões e escalões inferiores, Pedro Freitas defende a baliza da Académica de Espinho da segunda divisão, e Alejandro Edo de apenas 16 anos joga na formação do Barcelona.

Fazendo uma pequena comparação com as três selecções que derrotaram Portugal nesta Taça Latina, a vencedora do certame Espanha apresentou-se com nove dos dez jogadores pertencentes a equipas da OK Liga, sendo a única excepção Ferran Font, que joga em Portugal, no Sporting.

Destaque para Cesar Carballeira, titular do Liceo da Corunha, Ignacio Alabart, jogador do Barcelona, e Nil Roca, figura do Noia onde está por empréstimo dos blaugrana, estes últimos dois contam já no seu palmarés com um campeonato do Mundo de serniores conquistado no último ano de 2017. Com vários jogadores a alinhar nas principais equipas do seu país há vários anos, não é surpreendente ter assistido à diferença de intensidade de jogo que ficou patente na goleada de 9-4 sofrida pelos portugueses aos pés dos vizinhos espanhóis

Na selecção italiana, que terminou na segunda posição, todos os jogadores actuam no seu campeonato, destacam-se Giullio Cocco, que apesar dos seus 21 anos conta com várias épocas na elite do hóquei italiano, e que já é reforço confirmado do FC Porto; Francesco Compagno e Davide Gavioli, ambos internacionais A italianos, ambos com apenas 19 anos e ambos jogadores importantes em equipas que lutam pelo título em Itália; e Bruno Sgaria, guardião titular do Breganze, um dos grandes candidatos não só ao título italiano como à Taça CERS.

Giulio Cocco será um dos próximos estrangeiros a chegar a Portugal (foto: hockeypista.it)

No caso da seleção francesa estamos perante uma geração de ouro, liderada pelos irmão Di Benedetto, Carlo joga no Liceo, Bruno e Roberto no Lleida, ambos clubes espanhóis. Todos os outros jovens gauleses são figuras não só do seu campeonato como da própria seleção A, já que seis dos jogadores que representaram a selecção de sub-23 estiveram presentes no último Mundial sénior, Mundial esse em que os jovens gauleses estiveram bem próximos de eliminar Portugal na fase grupos. Experiência internacional é coisa que não falta aos franceses.

A formação em Portugal

Nos escalões de formação Portugal está perante um período de forte domínio, mas a dificuldade dos jovens talentos em se afirmar nas principais equipas parte precisamente nos escalões mais jovens, e nas equipas que desde cedo tentam concentrar em si o máximo de jovens talentos possíveis, e o máximo de títulos nacionais e regionais nos diferentes escalões.

Uma realidade que é principalmente sentida na região de Lisboa, onde os dois grandes da capital, Benfica e Sporting, têm de há vários anos a esta parte batalhado pelos principais talentos de equipas como Oeiras, Sintra ou Paço de Arcos, chegando mesmo a assegurar jovens fora do conselho lisboeta, em Turquel ou em Tomar, ou até no norte do país. Nos casos dos dois rivais de Lisboa há também já alguns jogadores espanhóis e sul-americanos nas suas equipas de formação.

Numa modalidade como o hóquei em que o número de jogadores num plantel sénior é habitualmente limitado a oito jogadores de campo e dois guarda-redes, torna-se complicado para os talentosos atletas encarnados e verde-e-brancos de receber uma oportunidade na equipa sénior, daí a necessidade de ambos os clubes criarem equipas b, apesar do nível competitivo da segunda divisão estar bem longe do da primeira. Mas quando a política de contratações dos clubes é de contratar no estrangeiro sem se olhar para a própria formação, as probabilidades de receber essa oportunidade ficam próximas de zero.

Dos seis jogadores que representaram Portugal na Taça Latina, e que jogam no nosso principal campeonato, apenas um passou pela formação de um dos grandes de Lisboa. Gonçalo Nunes passou algumas épocas no Benfica antes de se mudar para o Sporting, actualmente representa o Paço de Arcos por empréstimo dos leões.

E se Gonçalo Nunes está bem colocado para, mais tarde ou mais cedo, ser chamado pelos responsáveis leoninos, o mesmo pode não acontecer com os seus colegas que estão neste momento ligados contratualmente a Benfica ou Sporting.

No caso das águias, vários foram os jogadores no passado recente que saíram por empréstimo para nunca mais voltar. Guilherme Silva, Diogo Neves, Xanoca e Tiago Jorge são casos de jogadores que saíram do clube da Luz com esperança de regressar, mas não voltaram a envergar a camisola dos encarnados. No caso dos leões André Pimenta, André Gaspar e Pedro Delgado são também exemplos de jogadores que deixaram o clube de Alvalade para jogar com maior regularidade mas não mais voltaram.

Diogo Neves prepara-se para se desvincular do Benfica, após 4 épocas de empréstimos (foto: arquivo pessoal)

Nesta Taça Latina estiveram presentes Gonçalo Pinto e Pedro Batista, ambos ligados contratualmente ao Benfica e a alinhar na sua primeira temporada de seniores no campeonato italiano, mas mesmo estes dois talentosos jogadores, que contam com internacionalizações em todos os escalões de formação, terão dificuldades em chegar ao principal plantel encarnado num futuro próximo, não por falta de qualidade já que ambos estão a rubricar boas temporadas de estreia em Itália, mas por falta de espaço.

Estrangeiros a mais nas equipas de topo?

Voltando ao “melhor campeonato do Mundo”, jogam actualmente na primeira divisão portuguesa 18 jogadores estrangeiros, sendo que a esmagadora maioria (15) alinham nas equipas do top-4. Um dado que levanta uma nova questão, será que todos os jogadores estrangeiros acrescentam algo às suas equipas que nenhum jogador português acrescentaria?

Oliveirense é a equipa que mais jogadores estrangeiros apresenta (5)  (foto: arquivo pessoal)

Jogadores como Jordi Bargalló, Carlos Nicolia ou Reinaldo Garcia são claramente jogadores que trazem algo às suas equipas e ao nosso campeonato, mas pode-se dizer o mesmo de habituais suplentes como Guillem Trabal, Ton Baliu, Pablo Cancela ou Toni Perez? Não haverá jovens jogadores portugueses com qualidade para desempenhar o papel que estes habituais suplentes desempenham?

As respostas a estas perguntas não são de todo claras, há quem ache que existem jovens talentos nacionais que poderiam ter o seu espaço nos planteis dos grandes, há quem ache que esses talentos não dão garantias imediatas e que os jogadores oriundos de Espanha e Itália são melhores opções. Alheios a esta discussão estão clubes como Valongo, Barcelos, Turquel, Braga ou Tomar que vão apostando em jogadores de tenra idade, alguns deles ainda com idade de júnior, e os vão desenvolvendo e dando-lhes desde cedo minutos na primeira divisão.

É impossível concluir-se com toda a certeza se os fracos resultados da seleção, e em particular desta seleção de sub-23, estão ligados à aposta, ou falta dela, dos grandes clubes em jovens jogadores portugueses, portanto só podemos terminar com a mesma interrogação com que iniciamos, os resultados e a fraca participação na última Taça Latina têm algum tipo de relação com o número de jogadores estrangeiros nas equipas de topo do campeonato?


One comment

  • José Carvalho

    Abril 13, 2018 at 6:41 pm

    Boa tarde, se calhar concordo com o texto escrito e bem documentado mas acho muito pouco para um desastre tão grande. Porque só se olha para jogadores de primeira divisão e que já tenham jogado em seleções? São os melhores? Será que a evolução de outros atletas JOGANDO nos seus respetivos clubes e que não tivessem passado por seleções não sejam tão competentes ou até mais do que os que estão nos plantéis dos ditos grandes ou imigrados sabe-se la porque e fazem como disse e muito bem poucos minutos nos respetivos clubes? Enfim será tema para uma grande discussão e de certeza uma grande reflexão. E para ser cincerro só o senhor a quem de direito deve esclarecer de forma cabal e honesta todo este imbróglio.

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