João Gonçalves. ” Tento sempre estar activo na areia todo o ano.”
Mais conhecido nos areais por Von, João Gonçalves é jogador da Casa do Benfica de Loures e uma das caras novas da selecção nacional a partir de 2017. Com 5 golos em 6 jogos vitoriosos pela selecção nacional na liga europeia, Von esteve à conversa com o Fair Play, partilhando a sua história e as suas visões sobre o jogo.
Apesar de se ler “João Gonçalves” na tua camisola, no panorama do futebol de praia és mais conhecido por Von. A que deves tal alcunha?
V: A alcunha já vem desde pequeno, tendo sido herdada do meu irmão mais velho. Começaram a chamar-lhe Von porque ele adorava a selecção holandesa de futebol de 11, onde alguns jogadores iniciavam os nomes por Van. Para fugir um pouco à regra, os amigos começaram a chamar-lhe Von e passados alguns anos também tomei essa alcunha, pela qual até sou mais conhecido do que mais propriamente pelo meu nome, João.
A tua estreia na selecção nacional acontece este ano, mas começaste a jogar futebol de praia em 2013. Como resumirias o caminho que traçaste no futebol de praia ate hoje?
V: Eu comecei no futebol de praia mais como um hobby. Lembro-me bem do meu primeiro treino em Carcavelos a convite do meu grande amigo José Limão, que foi guarda-redes da minha primeira equipa, o Clube Futebol Benfica. Ao início não me apaixonei de caras pela modalidade, mas ao longo do tempo o gosto foi crescendo e agora tornou-se uma parte gigante da minha vida. Resumidamente, penso que fui crescendo e provando o meu valor com passos curtos, não querendo caminhar demasiado rápido e quis humildemente ouvir de quem sabia mais do que eu. Comecei por ser treinado pelo André Coroado que foi sem dúvida uma das referências no meu crescimento e paixão por esta modalidade: ajudou-me nos passos iniciais e sempre acreditou no meu potencial desde início, pelo que lhe devo muito. Mais tarde enquadrei os planos da Casa do Benfica de Loures, tendo sido treinado por Jorge Escada e José Miguel Mateus. Penso que terá sido aí que dei o meu maior salto enquanto atleta, que culminou com a minha chamada à selecção nacional, algo que tenho a agradecer eternamente a todos os meus companheiros e equipa técnica.
Um ano depois, como olhas para a tua primeira chamada a um estágio da selecção? Que impressões tiveste na altura e o que mudou em 12 meses?
V:Quando fui chamado senti uma dualidade de emoções. Por um lado uma enorme felicidade por envergar o emblema nacional, mas por outro um enorme nervosismo porque iria jogar ao lado de muitos jogadores que em miúdo via nos Mundialitos de Futebol de Praia e que para mim eram ídolos na área desportiva. Quando saí do meu primeiro estágio percebi logo que a selecção se trata de uma família e que o ambiente é muito forte, tanto entre jogadores como com a equipa técnica, o que torna a integração dos jogadores muito mais fácil. Apesar de ainda estar a começar a construir o meu caminho na selecção penso que me sinto mais “à vontade” à medida que vou integrando os estágios. Contudo, não deixo de observar quem sabe mais que eu e tentar corrigir aspectos que posso melhorar.
Tiveste a tua estreia pela seleccao na etapa portuguesa da liga europeia, realizada na Nazaré. Foi um sentimento especial cumprir a primeira internacionalização em casa?
V:Para mim não haveria melhor maneira de me estrear pela selecção nacional. Ter o apoio do público nazareno, dos meus amigos, dos meus familiares, foi algo que me motivou ainda mais quando estava em campo. O factor casa é algo muito interessante de analisar: quando se joga em casa parece que tudo é mais fácil, a tensão não é tanta, a energia parece inesgotável, e o apoio do público incita os jogadores a alcançar a vitória e ver o sorriso no rosto das pessoas que tanto os apoiam. Um dos momentos mais marcantes foi ver o rosto de gratificação das crianças quando pediam autógrafos e fotografias a seguir aos jogos. Foi sem dúvida algo que me marcou na vida, a etapa jogada na Nazaré.
No primeiro jogo da prova, Portugal venceu a França por 10-5 e marcaste 2 golos. Que memórias guardas dessa primeira experiência com as quinas ao peito?
V:Apesar do resultado dilatado, não foi um jogo fácil. Estivemos numa situação de 5-5 depois de sofrermos 3 golos consecutivos. Foi o meu primeiro jogo e guardo muitas recordações desse dia. Mais do que os golos marcados, guardo as palavras de apoio dos meu companheiros, antes e depois do jogo. Deixaram-me à vontade, disseram para fazer o meu jogo e que tudo iria correr bem. Claro que os 2 golos no jogo de estreia foram algo indescritível, tal como a felicidade das pessoas nas bancadas quando os comemoravam a nosso lado. Foi um dia muito especial na minha vida e, mal acabou o jogo, só pedia para rebobinar, para voltar a sentir toda aquela emoção de jogar com o símbolo das quinas ao peito.
Jogaste em duas etapas da liga europeia, nas quais Portugal defrontou algumas das melhores selecções do continente, com um pleno de vitórias em ambas. Quais foram os adversários mais marcantes e como analisas o sucesso da selecção?
V:Nas duas etapas defrontei a França, Suiça, Itália, Azerbaijão, Polónia e Bielorrússia. Na primeira etapa o jogo mais marcante foi sem dúvida frente à selecção suiça. Joga durante todo o encontro no sistema 2-2, o que tornou o jogo muito desgastante para a nossa equipa. Além disso, cada bola que o Stankovic ou o Ott recebiam eram sempre lances de grande perigo, visto que são jogadores exímios na finalização. Foi um jogo muito bem jogado por ambas as equipas, decidido apenas no prolongamento, em que teve de haver muita paciência, espírito de sacrifício e entreajuda nossa, até porque a certa altura ficámos a jogar com um jogador a menos.
Na segunda etapa houve 2 jogos que me marcaram muito, contra a Polónia e frente à Bielorrússia. Frente à Polónia enfrentei uma realidade que não encaro tanto no campeonato português: a agressividade que os jogadores Polacos colocam em cada lance disputado. Apesar de não serem uma equipa tecnicamente muito evoluída, fisicamente são muito fortes, algo a que não estava habituado e que num curto de espaço de tempo tive de tentar arranjar armas para contrariar. Quanto à Bielorrússia, também apresentou um jogo bastante físico mas tecnicamente mais evoluído, tendo sido o jogo em que senti mais dificuldades de todos os encontros que disputei pela selecção. Pressionavam sempre forte e nunca davam um lance por perdido, ganhando quase sempre as bolas divididas, o que tornou o jogo muito mais complicado para nós. Resumindo, a etapa em que tive mais dificuldades foi sem dúvida a segunda devido à capacidade física das equipas de leste.
Penso que no geral fizemos uma boa campanha na Liga Europeia, quase excelente diria, só caindo frente à Rússia na final. Acho que o sucesso se deve tanto à técnica dos jogadores e à qualidade da equipa técnica como ao espírito de grupo que existe entre todos, o que se reflecte também muitas vezes em campo.
O Portugal vs Suica da etapa portuguesa foi um verdadeiro épico do futebol de praia, dada a qualidade do espectáculo e a recuperacão protagonizada pela seleccao lusa. A vitória surgiu a 2 segundos do fim do prolongamento com um golo teu. Como analisas esse jogo e como viveste esse momento?
V:Foi um jogo de loucos. Foi o jogo mais emotivo que joguei em toda a minha carreira enquanto desportista. Houve equilíbrio do primeiro ao último minuto e penso que uma das peças decisivas desse jogo terá sido o Madjer. Fez 3 dos golos e levantou a equipa quando esta se encontrava em desvantagem. Acreditámos sempre na vitória, mesmo depois de estarmos a perder. O público também contribuiu para a vitória, como já disse penso que o factor casa foi determinante nesse encontro. Quanto ao meu golo, é um momento que é muito difícil de explicar. Só me lembro de o Andrade lançar a bola para o Coimbra, que me fez o passe e eu sabia que o tempo se estava a esgotar… Só pensei mesmo em rematar naquele momento, e como estava de costas achei que poderia fazer golo, que foi o que aconteceu a 2 segundos do final. Quando vi que a bola tinha entrado perdi-me um pouco, parecia que o tempo tinha parado naquele momento. Só quis festejar com os meus colegas e com os meus amigos que tinham ido ver o jogo nesse dia. Foi sem dúvida o momento mais marcante que já vivi em termos desportivos. Vencemos o jogo porque nunca desistimos e porque nos mantivemos unidos até ao fim, isso foi o que mais importou.
Como já mencionaste, na etapa húngara da liga europeia em Siófok tiveste a oportunidade de representar Portugal no exterior, defrontando equipas muito diferentes das da primeira etapa. Que imagens marcaram esse teu primeiro torneio fora de portas?
V:Quando recebi a notícia de que iria poder representar o meu país lá fora, fiquei muito contente. É um clima diferente daquele que vivi na Nazaré porque não estava a jogar em casa. Apesar de estar longe sempre recebi um apoio incondicional dos meus amigos e familiares, o que torna sempre tudo um pouco mais fácil. Um dos factores que complicaram um pouco foi o calor que se fez sentir nessa altura. Jogámos quase sempre com temperaturas a rondar os trinta e muitos graus, o que dificulta muito fisicamente. Como já tinha referido, nesta etapa defrontámos equipas muito fortes fisicamente, o que para mim constituiu uma adversidade, mas também um maior desafio. Uma das coisas que me marcou foi ter recebido a visita de um grande amigo que veio de propósito para nos apoiar na etapa (não esperava de maneira nenhuma a visita de ninguém devido ao facto de nos encontrarmos na Hungria, portanto para mim foi um dos factores marcantes na minha experiência ao serviço da selecção em Siófok).
No mesmo ano em que vestiste a camisola da selecção, a Casa do Benfica de Loures falha o acesso à final four nacional, conseguindo ainda assim a manutenção no principal escalão. A teu ver, o que faltou para chegar mais longe?
V:Quem vê futebol sabe que todas as equipas têm épocas menos conseguidas do que outras. A nossa época este ano foi um exemplo disso mesmo. É complicado saber exatamente o que correu mal porque se o soubéssemos teríamos corrigido ao longo do campeonato. Contudo, penso que acusámos um pouco o favoritismo que poderíamos ter em alguns jogos. Tínhamos ficado em 3º lugar no ano anterior, éramos um dos alvos a abater e, de facto, quando as equipas entravam em campo, vinham com tudo para nos derrotar. Talvez alguma displicência em alturas do jogo ou mesmo falta de concentração da nossa parte tenham tido influência nos resultados finais. Às vezes basta isso para perder um jogo e no nosso caso penso que foi o que aconteceu.
Na Casa do Benfica de Loures ja tinhas jogado ao lado de internacionais como Luís Vaz, Alan e Belchior. Na selecção juntaste-te à elite portuguesa da actualidade. Como tem sido partilhar o campo com estas figuras da modalidade? O que difere entre jogar no clube e na selecção?
V:Para mim é um orgulho jogar ao lado destes profissionais. Como já disse, quando era mais novo, só os via pela televisão e sempre os encarei como referências no âmbito desportivo. Neste momento, posso dizer que sou um privilegiado, pois posso estar lado a lado com eles, treinar e aprender todos os ensinamentos que eles me podem transmitir. Sempre que podem corrigem-me e eu agradeço muito, porque sei que só assim posso evoluir e talvez um dia poder chegar ao nível e traçar um caminho equivalente ao que eles já traçaram. No meu clube acabo por treinar com alguns internacionais, tal como na selecção. Penso que o factor que mais distingue o clube da selecção é o ritmo de treinos e de exigência. Não que no clube não sejam exigentes, muito pelo contrário: no clube, a qualidade de treino e de jogo é elevada e somos todos muito dedicados e focados na preparação da época. Contudo, na selecção jogam os melhores atletas do país portanto penso que o nível médio e a exigência talvez sejam um pouco maiores.
Tens a oportunidade de ser treinado pelos dois treinadores portugueses com maior projecção no mundo do futebol de praia: Zé Miguel, emblemático timoneiro da equipa das quinas durante largos anos e até hoje o técnico com mais partidas em mundiais, e Mário Narciso, considerado melhor treinador do planeta em 2015 e 2016. Como tem sido trabalhar com ambos?
V:Poder ser treinado pelos dois é muito bom para o meu crescimento. Ambos me dão ensinamentos que me completam e ajudam a crescer enquanto jogador. Para mim é um orgulho ser treinado pro eles porque são dois grandes profissionais e dois dos homens mais entendidos em Futebol de Praia do país e eu tenho o prazer de poder partilhar os seus ensinamentos. Como os sistemas de jogo implementados por ambos são idênticos (ou seja, 3-1 e 2-2), é-me fácil adaptar-me quando jogo pelo clube ou pela selecção. Contudo, e como todas as pessoas, têm ideias e visões diferentes do jogo e isso possibilita-me ter diversas noções da modalidade.
No passado fim-de-semana integraste um estágio de observação da selecção nacional na Figueira da Foz, em que eras um dos poucos internacionais num universo de jovens promessas. Qual foi a sensação e que balanço fazes do estágio no plano individual e no colectivo?
V:Foi um enquadramento diferente daquele ao qual estou habituado. Normalmente sou o mais novo e o menos “experiente”, mas no estágio da Figueira era um dos 5 jogadores que já eram internacionais. Penso que me deu uma perspectiva diferente daquela à qual estou habituado visto que estive numa posição que me permitiu ajudar a integrar os atletas que vieram pela primeira vez, e esclarecer-lhes as dúvidas normais acerca dos equipamentos, horários, etc… Faço um balanço positivo ao estágio, porque permitiu dar continuidade não só ao meu crescimento e dos meus companheiros, bem como à observação de jovens que poderão vir a integrar a selecção futuramente.
Quais os jogadores que mais te marcaram como colega de equipa e como adversários ao longo destes últimos anos?
V:Como colegas de equipa teria de referenciar muitos nomes. Penso que o primeiro seria o José Limão, por ter sido a pessoa que me introduziu a esta espectacular modalidade. Sem ele, nunca teria chegado aqui. O Lauro Borda d’Água e o João Gonçalo Rolo que me têm acompanhado desde os tempos do Clube Futebol Benfica e que sempre me apoiaram. O Luis Vaz é também uma das referências que tenho enquanto jogador, por ser a maior segurança defensiva que já tive numa equipa e pela excelente pessoa que é. Como profissionais também tenho a referenciar claramente o Alan, que me ensinou muito desde que começou a jogar pela CBL, o Madjer, por ser o grande ícone da selecção portuguesa e o jogador mais marcante de todos os tempos na modalidade, o Jordan, que é um dos jogadores que mais admiro pela técnica e inteligência que traz para o jogo, e o Belchior, que é claramente a minha referência atacante enquanto pivot, por ser um jogador que possui uma qualidade técnica invejável e por sempre me corrigir em algo que esteja menos bem. Por fim, os adversários que mais me marcaram são o Catarino e o Rui Coimbra, não só por serem autênticas “muralhas” defensivas, mas também pela qualidade técnica que têm, e ainda o Datinha, que é dos jogadores mais rápidos contra quem já joguei, tornando-se muito difícil de marcar.
Quais consideras serem as tuas principais armas no futebol de praia, que te distinguem enquanto jogador?
V:Penso que as minhas principais armas são o pontapé de bicicleta, o passe de peito e ser fisicamente forte.
Apesar de o clima português ser bastante benévolo, nem sempre é fácil manter a actividade no futebol de praia durante todo o ano. Como pode esta situação ser contornada individual e colectivamente?
V:No meu caso, tento sempre estar activo na areia todo o ano. Levo o meu material e treino na praia. Os meus amigos contribuem muito para estes treinos visto que me acompanham quase sempre, esteja sol ou esteja frio. Contudo, no meu clube também começamos normalmente os treinos pela altura de Janeiro, conseguindo assim uma preparação prolongada até ao campeonato.
A curto e a longo prazo, quais sao os teus objectivos no futebol de praia?
V: A curto prazo tenho o objetivo de continuar a integrar os estágios e a estar activo nas chamadas para as competições que se avizinham para poder crescer ainda mais enquanto jogador. A longo prazo, espero uma dia poder ganhar uma Liga Europeia e um Campeonato do Mundo pelo meu país.