2019: O Ano da Mulher nos Areais
A igualdade entre homens e mulheres no desporto tem vindo a ser mais frequentemente debatida nos últimos dias, a propósito do Mundial de Futebol Feminino FIFA 2019 a decorrer em França. Se a nível de futebol de 11 as desigualdades são gritantes, em resultado da incomparável popularidade e mediatismo financeiro da versão masculina do desporto, no futebol de praia o maior motivo de surpresa residia, não há muito tempo, na quase total inexistência de competições oficiais femininas. No entanto, o paradigma está a mudar, e 2019 tem vindo a configurar-se como o ano da afirmação das mulheres nos areais um pouco por todo o planeta.
Os primórdios
Se recuarmos 10 anos no tempo, deparamo-nos efectivamente com um cenário muito pobre no que à competição feminina diz respeito. As únicas movimentações a nível internacional cingiam-se a um conjunto de jogos amigáveis que algumas selecções europeias realizavam entre si, geralmente impulsionadas pela selecção Suíça, que convidava outras federações a formar equipas de femininas propositadamente para o efeito. Foi o caso de Portugal, que defrontou a Suíça em Winterthur em Agosto de 2009 com uma selecção de jogadoras de futebol de 11, e da Alemanha, com quem as helvéticas costumavam digladiar-se.
Naturalmente, tal esterilidade provém da aridez dos cenários nacionais: eram raros os países que investiam efectivamente em ligas domésticas, sendo a Suíça uma das raras excepções. Também nos EUA o futebol de praia feminino se encontrava um passo à frente das demais regiões do globo, uma vez que as mulheres não eram esquecidas pela organização de torneios na costa oeste, nomeadamente os célebres Beach Soccer Championships de Oceanside (San Diego, Califórnia).
No entanto, a pouco e pouco, começaram a surgir um pouco por toda a Europa iniciativas no sentido de desenvolver a modalidade a nível interno, numa tendência que se intensificou nos últimos 5 anos. Desta forma, países como Itália, Rússia, Inglaterra e Espanha foram estruturando ligas progressivamente mais competitivas, que possibilitaram um efectivo crescimento da modalidade e deram o exemplo a outros países.
2016: o berço do futebol de praia feminino
O desenvolvimento do jogo em si e o aparecimento de um maior número de atletas gerou uma base de recrutamento que possibilitou o surgimento de selecções competitivas, tendo as primeiras competições oficiais femininas da BSWW arrancado em 2016. Nesse ano, pelas primeira vez a Euro Winners Cup (campeonato europeu de clubes de futebol de praia) incluiu uma competição feminina, com 12 equipas do velho continente, que culminou com a conquista das suíças do Grasshoppers (orientadas pelo português Fernando Magalhães, único representante luso no torneio).
Por seu turno, o Mundialito de Futebol de Praia em Carcavelos incluiu a primeira competição feminina de selecções, conquistada pela selecção espanhola, que assim se sagrou a primeira campeã europeia de futebol de praia feminino. Portugal participou no evento e até alcançou o 3º lugar, mas mais uma vez com uma formação de jogadores de futebol de 11 e futsal, mercê da inexistência de um campeonato interno. Foi a última vez que uma selecção portuguesa figurou em eventos internacionais femininos.
Nos anos seguintes, assistiu-se a um crescimento continuado de ambas as competições, tanto de clubes como de selecções. Se a selecção suíça e os seus clubes perderam algum fulgor, melhores notícias chegaram de Inglaterra e da Rússia, campeãs europeias em 2017 e 2018, respectivamente, e origem das duas vencedoras até ao momento do prémio de melhor jogadora do mundo atribuído pela BSWW: Sarah Kempson e Alina Fedorova. O sucesso destas duas selecções está intrinsecamente ligado ao dos clubes dos respectivos países na Euro Winners Cup, tendo Portsmouth Ladies e WFC Zvezda atingido um estatuto de peso (foram os dois finalistas da edição de 2018). Também os clubes espanhóis (Higicontrol Melila, Playas de San Javier, Platja Roses) davam provas do bom trabalho desenvolvido dentro de portas, assim como os clubes franceses.
Contudo, se o futebol de praia já dava sinais de desenvolvimento muito positivos na Europa, faltava ainda uma mundialização do desporto. É certo que existem ligas femininas cada vez mais um pouco por todo o mundo, das quais vale a pena destacar, por exemplo, o campeonato iraniano, organizado sistematicamente há vários anos e com um nível altamente competitivo; todavia, era importante criar quadros competitivos globais que possam, por um lado, aumentar a competitividade no panorama internacional e, por outro, globalizar efectivamente a prática do futebol de praia.
2019: a mundialização do Women’s Game
2019 chega com a promessa de cumprir esse objectivo, graças à inclusão de duas competições femininas no panorama global: a primeira World Winners Cup, que vai incluir uma competição feminina reservada às campeãs nacionais de vários países de todo o mundo, e a prova de futebol de praia feminino dos Jogos Mundiais de Praia (ANOC Beach Games), a realizar em meados de Outubro no Qatar, que por sua vez implica a realização de torneios de apuramento nas várias confederações!
Trata-se, sem dúvida, de um marco histórico no crescimento do futebol de praia feminino, que tem gerado muita expectativa. Até ao momento, já se disputou a qualificação europeia para os ANOC Beach Games, que ditou o apuramento de Inglaterra e Espanha, assim como a Women’s Euro Winners Cup 2019, pela terceira vez na Nazaré. A maior prova europeia de clubes dominada desta feita pelas equipas espanholas, sobretudo pelas AIS Playas de San Javier, que desfeitearam as campeãs em título do WFC Zvezda nos oitavos de final e acabaram por derrotar as compatriotas do Madrid CFF na final.
Na Europa, falta ainda saber quem sucederá à Rússia como campeã europeia, num ano em que o equilíbrio dos jogos e a maturidade táctica das equipas tem sido nota dominante – algo notável tendo em conta que o quão recente se nos apresenta o futebol de praia feminino. Porém, a maior expectativa consiste em saber como se vão apresentar as equipas americanas, africanas, asiáticas e oceânicas, tanto nas provas de selecções como a nível de clubes!
Portugal: aproveitamos a maré?
Em Portugal, no ano passado, a FPF voltou a organizar um torneio de demonstração de futebol de praia no feminino durante a fase final do campeonato, com as formações do Sporting CP, do CD Nacional e do Vitória FC (um evento de cariz semelhante já fora realizado durante a fase final de 2012). Já este ano, a ACD “O Sótão” participou na Women’s Euro Winners Cup, alcançando um honroso 12º lugar, sucedendo ao Sporting CP enquanto representante português na competição feminina. Existem, por isso, projectos de futebol de praia feminino em Portugal, mas é imperioso que a FPF crie as bases para um campeonato nacional devidamente estruturado e incentive a criação de novas equipas que possam dinamizar a modalidade.
Em meados de Junho, num ano em que pela primeira vez os homens disputarão uma Taça de Portugal e as mulheres de todo o mundo estão a mostrar que nada as impede de praticar futebol de praia, é altura de olharmos de forma séria para a modalidade no feminino em Portugal e fazermos a nossa parte para tornar este belo desporto verdadeiramente inclusivo, diversificado e igualitário! Se as mulheres sempre estiveram presentes no futebol de praia como cheerleaders, é chegado o momento de trocarem os biquínis pelos equipamentos dos seus clubes e das nações que as viram nascer. É esse o verdadeiro lugar da mulher nos areais, e o futebol de praia não perde beleza por isso: antes pelo contrário!
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