Fumo Negro para o judo e desporto internacional
Quando a guerra ao vírus dava sinais de estar a terminar, com o levantamento de praticamente todas as restrições em vigor e o retorno quase a 100% da atividade desportiva, o conflito armado que rebentou na Ucrânia, depois de uma invasão por parte do seu vizinho, a Rússia, forçou o mundo a dar, novamente, um passo atrás. As consequências são imprevisíveis, no desporto, e mais concretamente no Judo, já se fazem sentir…
Consequências imediatas da guerra na Ucrânia no Judo
Uma tragédia! Humana, civilizacional, económica e desportiva. O que nos reserva o futuro? Sinceramente não sei, não tenho uma bola de cristal, mas o impacto brutal deste conflito começa a marcar este ano e, provavelmente, terá pesadas consequências no futuro.
No que respeita ao Judo, observei, com alguma perplexidade e estranheza, a total ausência dos atletas Russos nas três provas que marcaram o arranque do Circuito Mundial de 2022. Esta coincidência é, no mínimo, duvidosa, especialmente quando falamos de um país com o historial da Rússia. Será que foi uma decisão para proteger os atletas Russos, pois a escalada da tensão entre estes dois países era evidente? …. mistério…
As reações e retaliações à invasão Russa foram quase imediatas. No dia 27 de Fevereiro, a Federação Internacional de Judo (FIJ) anunciou a suspensão do presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, do cargo de presidente honorário e embaixador desta que é a organização mais importante do Judo Mundial. Putin é um antigo praticante, adepto de artes marciais e segue o Judo de perto. Esteve presente na competição olímpica de Judo, dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, ano memorável do Judo Russo, pois conquistou 5 medalhas Olímpicas, três ouros, uma prata e um bronze, tendo terminado no topo do quadro dos países medalhados, por exemplo, à frente da superpotência Japão. Putin viu também a sua graduação de cinto negro (dan) de Taekwondo, ser retirada pela Federação internacional deste desporto.
No dia 28 de Fevereiro, Sergey Soloveychik, presidente da União europeia de Judo (UEJ), cidadão Russo, apresentou a sua demissão do cargo, numa mensagem muito emotiva, explicou que está empenhado em manter a unidade desta importante instituição e não poderá ser uma fonte de destabilização, terminando a comunicação mencionando que o seu coração está no Judo, mas também no seu país, a Rússia. Soloveychik é também vice-presidente da FIJ e da Federação Russa de Judo, que contou com um investimento, sem precedentes, desde que Putin assumiu a liderança do governo deste país.
As ligações entre o Judo e a Rússia são demasiado próximas, diria quase promíscuas… . Recentemente a UEJ apresentou 3 novos patrocinadores, todos de origem Russa, e o mesmo já se verificava na FIJ. O pacote de sanções decretado em consequência da invasão Russa terá um brutal impacto. O Grand Slam de Kazan, marcado para Maio, foi cancelado, e os patrocínios que deixarão de existir, poderão condicionar, e de que maneira, o calendário dos próximos anos, com a diminuição substancial do número de etapas e a consequente perda de visibilidade. Poderá, também, colocar a dinâmica que atualmente observávamos no Judo em risco. Esperamos que a FIJ tenha uma almofada que permita minimizar este impacto e já esteja empenhada e comprometida em conseguir novos patrocinadores, preferencialmente, menos expostos a estas “imprevisibilidades”.
Além das implicações no futuro, a realidade no terreno já é dramática. Na Ucrânia grandes atletas deixaram os tapetes para se juntarem às forças armadas Ucranianas, como é o caso do Campeão do Mundo Georgii Zantaraia que está na frente da luta que se trava em Kiev, ou da bicampeã do Mundo e bronze Olímpico Daria Bilodid, que está a servir refeições à população mais carenciada. Relembro, dois atletas que estiveram no projeto Olímpico do Sporting Clube de Portugal.
São notícias terríveis que deixam no ar que se avizinham tempos muito difíceis para o Judo e para a humanidade.
Circuito Mundial de 2022 arranca em Almada
Como tive oportunidade de destacar no artigo do mês de Janeiro, o Circuito Mundial arrancou, pela primeira vez, em Portugal, tendo a competição decorrido na cidade de Almada, por indisponibilidade do pavilhão multiusos de Odivelas.
Apesar da preocupação da etapa decorrer numa infraestrutura com aproximadamente 30 anos, a organização superou claramente as expectativas! Foram 3 dias em que Almada, e o Mundo, tiveram oportunidade de ver em ação alguns dos melhores Judocas da actualidade. A etapa Portuguesa foi, inclusive, a que contou até à data com mais Judocas em ação, comparativamente com as etapas já realizadas em 2022, Grand Slam de Paris e Telavive.
No que respeita à participação Portuguesa, o 3.º lugar no quadro de Medalhas evidencia a excelência da prestação da equipa, com grande destaque para Catarina Costa, que brilhantemente conquistou o ouro nos 48Kg femininos e para o Bicampeão Mundial, Jorge Fonseca, que deu uma épica demonstração do seu valor, ao conquistar o ouro dos 100Kg masculinos. Desta vez, diante do público Português, que foi literalmente ao rubro com mais uma cabal demonstração da sua enorme qualidade e do seu Judo sempre espetacular. Destaque, também, para Joana Diogo, bronze na categoria dos 52Kg, e para a atleta da casa, literalmente pois cresceu a escassas centenas de metros deste complexo desportivo, Telma Monteiro, que conquistou o bronze da categoria feminina dos 57Kg.
Durante a competição, Telma teria uma merecida homenagem prestada pelo município de Almada. A Presidente da Câmara de Almada, Inês de Medeiros, destacou que Telma Monteiro já recebeu todas as distinções municipais na área do desporto, inclusivamente a medalha de ouro de mérito desportivo, mas que a judoca, passamos a citar com inteira concordância, “continua a surpreender-nos, a entusiasmar-nos e a empolgar-nos [por isso] não podíamos deixar de associar este grande evento a uma homenagem à figura maior do judo almadense”.
Em Fevereiro o Circuito seguiu para Paris, que não contou com a presença de atletas Portugueses, o que é compreensível. A aposta foi a participação na prova inaugural que decorreu no nosso país, e depois visitou a cidade Israelita de Telavive, que contou com duas Portuguesas em prova, Telma Monteiro, que caiu na fase das eliminatórias e Patricia Sampaio, que depois de uma frustrante eliminação precoce no Grand Prix de Portugal, num embate fabuloso e emotivo, resolvido no golden score, contra a Italiana Alice Bellandi, recém chegada da categoria dos 70Kg, onde teve um percurso com grandes resultados.
Patricia conquistou o bronze, com uma notável prestação, derrotando, logo na primeira ronda, a atual líder do ranking Mundial, a Vice-Campeã Olímpica de Tóquio, a Francesa Madeleine Malonga.
No final de Março, está previsto que o Circuito visite Tiblíssi, capital da Geórgia, ainda com muitas incertezas, dada a atual instabilidade na região, próxima da zona onde decorre este terrível conflito armado. Espero que tudo se resolva rapidamente, restando a esperança que Putin, como grande admirador e ex-praticante, relembre e aplique o código moral do Judo na sua conduta como líder de uma nação com a grandeza da Rússia…