Sistemas Energéticos e o Desporto: da teoria à prática
No meu artigo anterior discorri sobre os sistemas energéticos, mas de um ponto de vista mais teórico, focando-me nos diversos processos fisiológicos que ocorrem para a obtenção de energia. Nesta segunda parte, irei escrever sobre a aplicação e o contexto “real” destes conceitos.
Os 3 sistemas energéticos que falamos na primeira parte, têm contribuições distintas para as diferentes modalidades, tal como podemos ver na Tabela 1, retirada do livro “The Physiological Basis for Exercise and Sport”. A partir do conhecimento dos sistemas energético poderemos otimizar o planeamento e a periodização dos treinos de forma mais específica para cada modalidade, aumentando a eficácia e a eficiência das sessões de treino na procura da melhoria da performance desportiva.
Pegando no exemplo do basquetebol, vemos na Tabela 1 uma grande contribuição das vias anaeróbias, especialmente do sistema anaeróbio alático (ATP-PCr), e uma contribuição aeróbia muito reduzida. Neste caso, na estruturação das sessões de treino de uma equipa de basquetebol, vemos que faria todo o sentido aplicar exercícios de alta intensidade e com ações curta para ir de encontro as demandas energéticas da modalidade. Mas quererá isto dizer que devemos ignorar ações longas? Obviamente que NÃO! O desenvolvimento de cada um destes sistemas energéticos é importante para todos os atletas, mas a importância de cada um destes sistemas é que será diferente.
Na minha ótica, é importante desenvolvermos cada um destes sistemas, com a proporção adequada, pois cada um deles tem vários benefícios muito específicos.
O Sistema Anaeróbio Alático está relacionado, tal como foi referido no artigo anterior, em ações curtas, mas de alta intensidade. Estamos a falar de ações explosivas, como sprints, movimentos olímpicos (ex. power clean), entre outros. É um sistema estimulado a partir do treino de potência de força. Contudo, não bastante treinarmos com alta intensidade para o estimular, pois, tratando-se de ações de alta intensidade, estas terão de ter um tempo de descanso adequado (cerca de 2 min) de forma que seja possível manter a alta intensidade. Se não for possível dar o devido tempo de descanso, a intensidade elevada da atividade não poderá ser mantendo, havendo um decréscimo da intensidade. Tendo tudo o que foi dito em consideração, se o objetivo de uma sessão de treino for, por exemplo, treinar a aceleração, estas ações terão que ser curtas, com máximo esforço e com um bom tempo de descanso para ser possível manter a intensidade desejada.
Quando queremos manter uma intensidade elevada, mas esta é mantida por um período superior a cerca de 15s até 2 minutos (por exemplo, uma corrida de 400 metros), é normal sentirmos os músculos a “arder”, uma maior frequência respiratória e alguma fadiga, sendo estas as consequências da acumulação do ácido lático. Com o passar do tempo, a acumulação irá aumentar, obrigando a uma diminuição da intensidade de exercício à medida que o tempo passa. Quando isto acontece, entramos no domínio do Sistema Anaeróbio Lático. Treinar com esta acumulação de ácido lático poderá ser muito benéfico para treinar sob o efeito de fadiga, aumentando a eficácia e a eficiência dos movimentos técnico-táticos em fadiga e melhorando a resistência aos efeitos do lactato e da fadiga.
Ao treinarmos por períodos de treino superiores a 2 minutos, mantendo sempre uma intensidade de esforço elevada, iremos recrutar mais o sistema aeróbico, dependendo mais do oxigénio para a obtenção de energia. O desenvolvimento deste sistema terá uma maior eficiência e eficiência do metabolismo oxidativo, melhorando a capacidade do organismo de captar e usar o oxigénio como fonte de energia, levando, obviamente, a uma melhor endurance. Contudo, esta maior eficácia e eficiência do metabolismo oxidativo irá também traduzir-se numa melhor capacidade de recuperação entre esforços de alta intensidade. Também haveria uma menor dependência do sistema anaeróbio a uma dada intensidade, pois para uma dada intensidade poderíamos ter uma maior contribuição do sistema aeróbio podendo fazer uma melhor gestão das reservas de glicogénio.
Em ações de intensidade elevada, como uma corrida de 400 metros, um sistema aeróbio mais desenvolvido poderia ajudar a captar melhor o lactato produzido, tendo uma maior contribuição para a atividade, ajudando a regular as reservas de glicogénio. Contudo, isto não se traduz diretamente numa melhoria das ações de alta intensidade, como na produção de potência ou de velocidade, pois para as desenvolver será necessário treinar de forma específica para as desenvolver.
Em suma, não treinamos só um sistema energético de forma isolado, sendo isso impossível, pois eles estão em constante funcionamento, mudando só a contribuição de cada um deles com base na intensidade e duração do esforço. Vemos o sistema aeróbio e o treino sob fadiga, com a acumulação de lactato, como uma forma de sermos mais eficientes ao nível do esforço, mas para sermos mais eficazes teremos de desenvolver determinada capacidade de forma específica.