Falsa partida nos tatamis…

João CamachoSetembro 3, 20207min0

Falsa partida nos tatamis…

João CamachoSetembro 3, 20207min0
A Direcção-Geral da Saúde lançou um forte bloqueio aos desportos de combate e o judo também se viu envolvido na mesma situação. Que futuro para esta modalidade olímpica?

No último dia de Julho, a Federação Portuguesa de Judo (FPJ), alinhada com a Resolução do Conselho de Ministros de 30 de Julho de 2020, publicava um plano para a retoma normal dos treinos e das competições de Judo. No entanto, a orientação nº 036/2020, publicada no dia 25 de Agosto, da responsabilidade da Direção Geral de Saúde (DGS), caiu que nem uma bomba e representou um enorme passo atrás no plano da federação, colocando o Judo de formação em risco de um retrocesso sem precedentes.

Orientação da Direção Geral de Saúde

Com efeito, as orientações da DGS, publicadas no passado dia 25 de Agosto, terão um impacto preocupante no desporto de formação. Em jeito de resumo, e sem entrar em demasiados detalhes, toda a prática de Judo para escalões etários de formação (até aos séniores), está sujeita a enormes restrições, nomeadamente, a obrigação de treinos individuais, com um distanciamento mínimo de 3 metros entre os praticantes. Para um desporto de combate, onde o contacto é fundamental e parte integrante desta modalidade, estamos a falar de um conjunto de regras que irão condicionar, ou mesmo impedir o arranque da nova época. Sobre a categorização do Judo como modalidade de risco máximo, maior do que por exemplo o Andebol, Basquetebol ou o Futebol, fica a ideia de que estabelece um critério depreciativo que nada tem a ver com o risco de propagação de COVID-19.

O documento também descreve um conjunto de pressupostos, como, por exemplo, a existência de um gabinete médico para apoio à atividade desportiva e que será fundamental para o apoio à implementação das regras e intervenção em potenciais situações que obriguem a um isolamento do praticante. Fica evidente que a equipa que elaborou o documento está desfasada da realidade da prática desportiva Portuguesa. Quantos clubes cumprem este pressuposto? Para além dos grandes clubes desportivos, que têm estruturas profissionais, uma dimensão significativa e, acima de tudo, capacidade financeira, creio que nenhum. O documento evidencia a realidade do desporto português, há o futebol, e a capacidade financeira associada, e o resto é “paisagem”.

Além do desconhecimento da situação da prática desportiva ao nível dos pequenos clubes espalhados pelo País, há outros aspetos que me parecem criticáveis neste trabalho da DGS. O documento da DGS não deveria apresentar apreciações, sem fundamento, do risco de cada modalidade, esquecendo-se dos detalhes mais relevantes e, assim, induzindo eventuais opções de prática desportiva aos jovens e respetivos pais.

Muitos dos jovens praticantes irão, irremediavelmente, suspender, ou mesmo abandonar a prática do Judo, seja por incapacidade de os clubes implementarem este conjunto de regras, seja pelo clima de insegurança que levará muitos pais a preferir que os seus filhos fiquem em casa.

Com isso, vamos prejudicar a saúde física e mental dos jovens e a dimensão do problema irá repercutir-se durante anos. Quando temos fortes evidências, suportadas por exaustivos estudos científicos, alguns da responsabilidade do governo e da União Europeia, de que é fundamental a prática desportiva para o desenvolvimento equilibrado e saudável dos jovens, bem como da importância do desporto para o desenvolvimento de competências sociais, de desempenho e de vida dos indivíduos. Estamos perante um cenário catastrófico, com um preocupante aumento do numero de crianças e jovens que certamente abandonarão a prática desportiva, numa altura em que a prioridade seria angariar cada vez mais!

José Manuel Constantino, Presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), em entrevista ao jornal “O Jogo”, afirmou que “não há negligência, mas resistência – sempre houve” por parte do Governo, neste caso específico da Direção Geral de Saúde (DGS), quanto ao desporto em Portugal. Convém ter em mente que sem formação não há campeões e o efeito destas medidas, na minha opinião mal pensadas e desastrosamente fundamentadas, terá também um efeito devastador nos resultados desportivos a medio-longo prazo.

A resiliência, empenho e compromisso não serão suficientes, apesar de muitos treinadores e clubes estarem a trabalhar arduamente para se reinventarem, adotando novas abordagens de modo a que a atividade não fique suspensa e seja possível reter o maior número de atletas. Durante o estado de emergência muitos recorreram às tecnologias, ministrando aulas via plataformas de videoconferência. No entanto, temos muitos clubes, muitos mesmo, que estão encerrados, sem qualquer atividade a decorrer. Encerraram desde o dia em que foi declarado o estado de emergência, há praticamente 6 meses. Alguns por decisão das respetivas direções, outros por imposição das entidades onde a atividade decorre, como coletividades, Câmaras Municipais ou Juntas de Freguesia.

A fraca, ou inexistente, comunicação do Governo e das entidades que estão debaixo da sua alçada, como a DGS, mostra que o desporto, à exceção do Futebol, é um parente pobre e não é uma prioridade deste governo (como não foi de outros)… Lamentável, preocupante e desesperante o que se avizinha…

O parecer da DGS (Foto: DGS)

Regresso à competição em Setembro

O calendário competitivo para o segundo semestre ainda não começou e já teve algumas alterações importantes face ao plano delineado em plena pandemia. A FPJ decidiu manter a realização da Taça Internacional K. Kobayashi (K.K.), para o dia 26 de Setembro, como inicialmente programada, permitindo a participação de atletas estrangeiros, com destaque para a seleção Brasileira. O Campeonato de Apuramento para Seleção Nacional de Seniores será reagendado para o ultimo trimestre de 2020, entre Outubro e Novembro.

A exigência de testes até 48 horas antes da participação em competições, conforme o documento orientador da DGS, é também um tema de debate, e alguma controvérsia, apesar de se entender a necessidade. O facto é que o preço médio de cada teste à COVID19 é de aproximadamente 100€. Quantos clubes, ou atletas, poderão suportar este encargo adicional? Que apoios dará o governo para a aplicação dos Testes?

A Taça internacional K.K. irá contar com alguns atletas estrangeiros, nomeadamente, a seleção Olímpica Brasileira, que está a treinar em Portugal desde o final de Julho, e irá prolongar a sua estadia até, pelo menos, o final de Setembro, ao abrigo de um acordo entre os comités Olímpicos dos dois países. A presença desta ilustre e fortíssima seleção tem permitido aos competidores Portugueses treinar com alguns dos melhores Judocas do Mundo, muitos deles com medalhas em Jogos Olímpicos e Campeonatos do Mundo. Convém explicar que todos estes estágios e treinos em conjunto decorrem sob um rigoroso protocolo de testagem e com um rigoroso conjunto de regras de higiene implementadas, de modo a evitar potenciais contágios.

Esta é, sem dúvida, uma notícia animadora, mas que não afasta a preocupação com o futuro da modalidade que a atual conjuntura poderá afetar de forma irreversível. Se tivermos oportunidade de perguntar a todos os Campeões que irão participar na Taça internacional K.K.  como começaram, certamente vamos perceber a importância da formação na construção de um atleta de topo.

Os atletas no estágio da FPJ em Coimbra (Foto: FPJ)

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