‘Merica… um mundo à parte e as críticas de Noah Lyles

Nuno CanossaAgosto 28, 20235min0

‘Merica… um mundo à parte e as críticas de Noah Lyles

Nuno CanossaAgosto 28, 20235min0
Uma reflexão sobre as duras acusações de Noah Lyles de os Estados Unidos da América não serem, afinal, todo o Mundo.

O patriotismo da nação estado-unidense, que não refletindo toda a sua população, não é nenhum segredo de estado, está baseado num sistema educacional cujos valores cambaleiam numa linha tenue entre o saudável e o tóxico. Da nação que se autointitula de América – um território que na realidade vai do ponto mais a norte do Canadá até ao mais a sul do Chile, sem esquecer as ilhas -, surgem os campeões do mundo em várias modalidades, do hóquei no gelo até ao futebol-americano, aplicando-se também no basquetebol.

Ou seja, no passado mês de junho, mais do que um título da NBA, Denver Nuggets e Miami Heat disputaram as finais de um campeonato do mundo. Algo que poderá surpreender alguns fãs, uma vez que o único hino que se fez soar em ambos os pavilhões foi o dos Estados Unidos, desde já o país que representa 96,6% da competição (dada a existência dos canadianos Toronto Raptors).

Obviamente, nada disto é novo. A aplicação do título “campeão do mundo” sustentada pelos argumentos “temos as melhores equipas do planeta” ou “temos jogadores de várias nacionalidades” não é de hoje, mas continua atual. Em 2008, no The Guardian, Steven Wells redigia o artigo “Querida América: não podes ser campeã do mundo se mais ninguém participa”. Quinze anos depois, o sprinter Noah Lyles, legitimamente campeão mundial, é notícia não por ter arrecado mais duas medalhas de ouro, mas sim por não ser conformista e criticar o seu próprio país: o da liberdade e dos sonhos.

Noah Lyles, um dos velocistas mais rápidos das competições de atletismo, aparenta estar a viver o seu, sendo-lhe apontada uma alegada falta de humildade. Independentemente da sua motivação, o sprinter tem tanta legitimidade em se reconhecer campeão do mundo, como em apontar o dedo à NBA, MLB ou NHL: organizações que, para todos os efeitos, são exclusivamente nacionais.

No entanto, apoiar o argumento de Noah Lyles poderá ser uma tarefa bem mais fácil para nós, habitantes do que resta do mundo, do que para os seus compatriotas. Afinal de contas, serão raros os adeptos do Manchester City, quanto mais os seus jogadores, que, após a conquista do seu triplete (Champions League, Premier League e FA Cup), se autoproclamaram campeões do mundo – ainda que, à semelhança da NBA no basquetebol, também a Liga Inglesa e Liga dos Campeões sejam consideradas o pináculo do futebol. Porém, a novela Lyles vs comunidade NBA vai além dos seus fãs, uma vez que diversos atletas da liga norte-americana responderam prontamente às declarações do compatriota.

E será completamente descabido pensar em mudança, quando esta é a reação de algumas das principais figuras da NBA. Para muitos até será um assunto de pouca ou nenhuma relevância, pelo menos pelo olhar de um adepto daquilo que acontece dentro do campo. Contudo, e décadas depois, o patriotismo e o desporto continuam de mãos dadas nos Estados Unidos, sendo difícil digerir qualquer ameaça à importância e poder do povo estado-unidense, assim como das suas conquistas.

Certamente, serão poucos os membros, desde os seus comissários aos seus atletas, interessados em despromover os vencedores das principais competições norte-americanas de campeões do mundo para apenas campeões daquela área do continente. Independentemente da relevância que se queira dar a esta polémica, as declarações de Noah Lyles são manifestamente importantes, dando voz à outra parte do povo dos EUA que não se revê no patriotismo extremo da nação, mesmo que seja pura e simplesmente na apropriação do termo “mundo” numa competição desportiva.

É que, até que a NBA decida participar numa competição internacional, o seu vencedor será exclusivamente o campeão norte-americano, independentemente da sua qualidade comparativamente com qualquer outro clube do mundo. Assim, da conferência de imprensa de Noah Lyles, retire-se o seguinte facto: é nas provas que se sucederam em Budapeste (atletismo) ao longo da última semana, ou que ocorrem por estas horas no sudeste asiático e Japão (basquetebol), que se conquista a distinção de campeão do mundo.


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