Até onde pode ir Pedro Pablo Pichardo?

Pedro PiresFevereiro 11, 201914min0

Até onde pode ir Pedro Pablo Pichardo?

Pedro PiresFevereiro 11, 201914min0
2019 parece vir a ser um ano extraordinário para Pedro Pablo Pichardo que vai começar a saltar por Portugal. O que esperar do atleta do triplo salto?

Colocando de parte as polémicas referentes à nacionalidade de Pedro Pablo Pichardo, procuramos aqui analisar o passado e antecipar o futuro do atleta, que continua a almejar um dia poder ser o recordista mundial do Triplo Salto.

Dois anos de luxo e o regresso ao topo

Foi a 15 de Maio de 2015 que Pedro Pablo Pichardo saltou pela primeira vez acima dos 18 metros. Foi na Diamond League de Doha, confirmando o potencial que o mundo já sabia que ele tinha. Afinal, dois anos antes, atleta já havia alcançado, com apenas 20 anos, a medalha de Prata nos Mundiais de Moscovo. E não é por acaso que começamos este artigo pelos anos de 2015 e 2013.

São os anos que marcam as medalhas globais de Pedro Pablo Pichardo e são os dois anos mais marcantes da sua carreira também a nível de marcas: se em 2013, o atleta, então cubano, passou, pela primeira vez, dos 17 metros e logo com uma evolução brutal ao longo da temporada; foi em 2015 que passou a, muito sonhada e por poucos conseguida, fasquia dos 18 metros.

Não se pense ainda assim que Pichardo caiu de para-quedas no mundo do Atletismo. Em 2012, antes do seu primeiro ano de sucesso sénior, conquistou em Barcelona o título mundial júnior, naquele que é até ao momento o seu único título em grandes eventos globais.

Curiosamente esses Campeonatos Juniores de Barcelona representam a primeira prova internacional do atleta nascido em Santiago de Cuba, demonstrando desde logo que tremer em grandes palcos não seria para ele. Começou o ano seguinte a passar os 17 metros por várias vezes em Cuba e os enormes 17.69 feitos em Junho desse ano são ainda a melhor marca da história feita por um atleta com menos de 20 anos (não recorde sub-20, pois Pichardo completaria 20 anos nesse mesmo ano).

Venceu, também nesse ano, o seu primeiro meeting da Diamond League (em Lausanne) e iria a Moscovo saltar 17.68 para conquistar a medalha de Prata atrás de Teddy Tamgho (no dia em que o francês passou, pela única vez da carreira até ao momento, os 18 metros).

Em 2014, apostou pela primeira e única vez da carreira, na temporada de Pista Coberta e foi medalhado de Bronze nos Mundiais de Sopot (com 17.24) e depois de ter começado a temporada ao ar livre a um grande nível (dois concursos na casa dos 17.7 em Havana), teve um inesperado fim abrupto de temporada. Foi por essa altura que começaram a ser conhecidos desentendimentos entre o atleta e a Federação Cubana, uma vez que o mesmo pretendia ser treinado pelo seu pai, algo a que a Federação se opunha. As relações azedaram tanto que Pichardo foi suspenso de competir por 6 meses pela sua própria Federação, falhando toda a temporada internacional ao ar livre, num ano em que não existiram eventos globais.

De regresso em 2015, apenas se estreou em Maio, ao contrário do que tinha sido habitual nos seus primeiros anos como sénior. E foi nesse mesmo mês que alcançou os melhores saltos da sua carreira, com dois concursos a terminarem acima dos 18 metros.

O primeiro deles, com a vitória no já referido meeting de Doha, com um nível altíssimo, o único evento da história do Triplo em que dois atletas passaram dos 18 metros, com o norte-americano Christian Taylor a ficar a apenas dois centímetros de Pichardo, que terminou com 18.06 metros.

Apenas duas semanas depois, Pichardo iria a Havana saltar mais dois centímetros, alcançando a marca de 18.08 metros, que se mantém como o seu atual recorde pessoal. Num 2015 totalmente louco, ano em que Pichardo em mais dois concursos roçou os 18 metros, ao fazer 17.96 em Roma e 17.99 em Lausanne, também Christian Taylor puxava dos galões ultrapassando mais uma vez os 18 metros, para (desta vez) bater Pedro Pichardo em Lausanne, com o seu salto de 18.06.

Os atletas chegariam aos Mundiais de Pequim como o 3º e 4º atletas com os saltos mais longos da história numa disputa que se previa emocionante. Até ao final da 3ª ronda de saltos, Pichardo liderava o concurso, primeiro com 17.52 na primeira tentativa e depois com 17.60 na terceira, altura em que Taylor fazia a mesma marca (mas com um pior segundo salto).

O norte-americano assumiria a liderança ao 4º salto com 17.68 metros e Pichardo não conseguiu responder nos seus 4º e 5º saltos. Na sexta e última ronda, um grande salto de um renascido Nelson Évora ficou próximo de assustar Pichardo e chegou para o português voltar a entrar num pódio com os 17.52 metros a chegarem para o Bronze. Depois seria a vez de Taylor e o norte-americano, na liderança do concurso, fez o que ninguém já esperaria: 18.21 metros, recorde continental e a segunda melhor marca da história do Triplo!

Pichardo ainda aumentou para 17.73 metros, mas no final pareceu claramente desapontado por não ter alcançado a medalha de Ouro, repetindo a Prata de há dois anos, mas desta feita com um sabor mais agridoce.

2016 foi marcado por uma lesão no tornozelo e por decisão médica, foi impedido de competir num ano de Jogos Olímpicos, sob o risco de agravar a lesão. O atleta nunca aceitou bem a forma como esse processo foi conduzido e, a par dos anteriores conflitos já existentes, isso terá contribuído para a sucessão de acontecimentos já conhecida.

Em Abril de 2017, num estágio em Estugarda, o atleta viria a desertar da concentração da comitiva cubana, em definitiva rota de colisão com a federação do seu país de nascimento. Os rumores que circularam na altura davam como destino provável do atleta o nosso país vizinho, o que iria ao encontro de alguns episódios passados com outros atletas cubanos.

No mesmo mês, o Benfica viria a anunciar a contratação do atleta e pouco tempo depois seria dada a conhecer a intenção de Pichardo de se naturalizar português e representar Portugal. Ao abrigo de um inicial estatuto de refugiado e de acordo com certas prerrogativas da atual lei da nacionalidade, obteve a nacionalidade portuguesa em menos de 8 meses.

Em 2018, o atleta já pôde competir oficialmente como atleta português em meetings e eventos Diamond League, competição que viria a conquistar nesse ano, na final de Bruxelas, batendo o campeão olímpico e mundial, Christian Taylor.

Antes havia começado em grande estilo, também batendo Taylor (outra vez em Doha, como em 2015) com uma marca de 17.95 metros, mostrando que os problemas físicos ficaram para trás. Tendo mudado de nacionalidade numa altura em que as transferências de atletas estavam congeladas (devido a determinados abusos e compras de atletas), Pichardo não foi autorizado a competir em campeonatos internacionais por Portugal, o que incluiu os Mundiais Indoor de Birmingham e os Europeus de Berlim.

Ainda em 2018, recebeu a notícia de que seria autorizado a competir com a bandeira portuguesa a partir de Agosto de 2019, de acordo com as novas regras para transferências de atletas (que preveem um período de 3 anos sem competir internacionalmente). Continuará assim impedido de representar Portugal nos Europeus de Pista Coberta de Glasgow, mas já poderá fazê-lo na grande competição da época, os Mundiais de Doha que se realizam no final de Setembro.

Pelo caminho, além da grande vitória na final da Diamond League, temos a destacar ainda a obtenção do novo recorde de Portugal do Triplo Salto (com os 17.95 de Doha) e a tensão que continua a existir em relação ao seu processo de naturalização, o que levou inclusive a ouvirmos duras críticas de Nelson Évora, o anterior recordista nacional e ex-campeão mundial e olímpico da disciplina, que considerou o processo desrespeitoso pela forma como foi tratado e um ataque pessoal do Benfica, como resposta à sua transferência para o Sporting. Também Pichardo não evitou tais polémicas, através de algumas provocações nas redes sociais e de uma entrevista – no mínimo – controversa ao Expresso.

O futuro de Pichardo e os seus rivais

O atleta nunca o escondeu: o seu grande sonho é bater o recorde mundial da disciplina. A marca do britânico Jonathan Edwards, de 18.29 metros, mantém-se de pé desde Agosto de 1995 e o atleta que mais se aproximou na história é o maior rival de Pichardo, o norte-americano Christian Taylor, que saltou 18.21 nos Mundiais de Pequim. No entanto, isso não intimida o atleta português que diz que sonha passar a barreira dos 18.5 metros!

Há atletas que preferem as marcas, há atletas que preferem os títulos, mas apesar dessa preferência de Pichardo, o mesmo não deixa de referir que quer ganhar todas as competições internacionais, o que obviamente inclui as provas maiores, que são os Mundiais e Jogos Olímpicos. Para já, a nível de palmarés, Pichardo está atrás dos seus maiores rivais, mas também tem algumas vantagens em relação a eles.

A primeira será o factor “idade”. Entre os atletas que dominaram o Triplo nos últimos anos, o nome que mais surpresa pode causar pela durabilidade – especialmente, depois de sucessivas lesões – é Nelson Évora.

Chegará aos Mundiais de Doha com 35 anos e apesar de desde 2009 só por uma vez ter passado a barreira dos 17.4 ao ar livre (nos Mundiais de Pequim em 2015) tem a tendência a mostrar o melhor nas grandes competições, sendo que em Pista Coberta até bateu o seu recorde pessoal na temporada passada (17.40).

No entanto, por muito que seja algo que a grande maioria dos portugueses adorasse ver, é pouco provável vermos Évora a entrar na luta pelo Ouro em Doha (já em relação a medalhas, a conversa pode ser diferente).

Sem contar com Évora, os outros principais rivais de Pichardo são também mais velhos do que ele, sendo que Christian Taylor chegará a Doha com 29 anos, Will Claye com 28 anos e Pichardo com 26. Será um fator determinante esses 2/3 anos de diferença?

Possivelmente não, embora o tempo de paragem de Pichardo possa ter ajudado a nível de desgaste do corpo e do seu potencial. É no entanto, muito complicado perceber os estágios de maturidade de cada atleta, uma vez que a evolução de cada um tem as suas próprias particularidades.

Olhando para os atletas que passaram dos 18 metros, o francês Teddy Tamgho alcançou o seu melhor pessoal com 24 anos, Taylor com 25 anos e Claye com a mesma idade. Todos eles podem ainda melhorar os seus recordes pessoais, até porque recordemos que também Taylor persegue o recorde mundial com uma certa obsessão.

De qualquer forma,  a situação de Tamgho, tal como a de Évora, é um pouco diferente, pois é impossível saber o que os dois poderiam ter alcançado e melhorado, caso não tivessem tido várias lesões graves em fases tão precoces da sua carreira (Évora alcançou o melhor pessoal com 23 anos). Dos atletas mais antigos na casa dos 18 metros, duas realidades totalmente distintas: o norte-americano Kenny Harrison alcançou o seu melhor quando tinha 23 anos, já Jonathan Edwards bateu o recorde mundial com 29 anos e ainda viria a passar os 18 metros já com 32 anos!

Existe ainda a teoria, mais ou menos comprovada por observação e registo de dados, que os atletas cubanos tendem a atingir picos de carreira mais cedo do que os europeus ou norte-americanos. Isso explica também que os rivais mais novos de Pichardo pareçam, neste momento, ser atletas cubanos. Olhando o top-20 de atletas em 2018, existem 4 atletas nascidos a partir de 1997 e todos eles são…cubanos.

A maior ameaça parece mesmo poder vir de Jordan A. Diaz, nascido em 2001, que caso se qualifique para Doha, chegará aos Mundiais com apenas 18 anos, mas já com um enorme recorde pessoal de 17.41 metros, tendo em sua posse as melhores marcas de sempre feitas por atletas com 16, 17 e 18 anos! Atenção ainda ao brasileiro Almir dos Santos que, tendo a mesma idade de Pichardo, apenas começou a fazer o Triplo seriamente a partir de 2017 e já foi em 2018 medalhado de Prata nos Mundiais Indoor de Birmingham, tendo já saltado 17.53 metros ao ar livre!

Picos de forma demasiado cedo?

Uma particularidade que se observa como padrão na carreira de Pichardo é a sucessiva obtenção das melhores marcas da temporada na primeira metade da temporada ao ar livre. Ainda que, por exemplo, em 2015, tenha ficado próximo de igualar essa marca nos Mundiais de Pequim, a verdade é que comparativamente aos seus rivais esse facto é especialmente visível. Analisando os últimos 7 anos, podemos ver que Pichardo por 5 vezes alcançou o seu melhor até à primeira semana de Junho e só por 2 vezes alcançou o melhor em Julho, alcançando 0 vezes em Agosto ou Setembro.

Pedro Pablo Pichardo:

O cenário altera com Christian Taylor, que no mesmo período, apenas por 2 anos obteve o seu melhor da temporada antes do final de Junho, com várias melhores marcas a ser obtidas em Agosto ou até Setembro.

Christian Taylor:

Padrões semelhantes podem ser observados em Will Claye ou Nelson Évora, como podemos confirmar abaixo. Se Claye apenas apresenta um único melhor da temporada nesse período da época, que foi em 2018 (facilmente explicado e ignorado porque o atleta, na verdade, não competiu após…Maio!), Nelson Évora nunca alcançou o seu melhor resultado nesse período, confirmando a perceção que atinge o seu melhor nas grandes competições.

Will Claye:

Nelson Évora:

Numa temporada em que teremos Mundiais numa época especialmente tardia da temporada, será interessante perceber como a planificação da época de Pichardo está a ser pensada para evitar que tal cenário volte a suceder-se.

Há ainda o factor “palmarés”, que pode pesar – positiva ou negativamente – nos momentos de maior tensão. Apesar das duas medalhas de Prata, falta ainda a Pichardo um título global. Algo que seguramente não falta a Taylor – 3 Ouros em Mundiais e 2 Ouros em Jogos Olímpicos – e, ainda que em menor medida, também é algo em que Claye tem maior experiência, com os seus 2 títulos mundiais de Pista Coberta.

O mesmo se pode aplicar a Nelson Évora que tem títulos europeus, mundiais e olímpicos para apresentar e pouco a provar. Se isso será um fator negativo ou positivo, dependerá da forma como Pichardo encarar a situação em momentos de maior tensão.

Servirá como pressão negativa ou servirá como motivação para fazer mais e melhor? As respostas serão dadas ao longo de 2019 e nos Mundiais de Doha, que terão a final do Triplo Salto a 29 de Setembro deste ano. E sabemos como Doha tem sido especial para Pichardo…


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