Ainda sobre 2024: a versão alternativa do 5 do Mundial sub-17
Adentramos em 2025 e o calendário do basquete feminino retorna gradativamente à rotina. Enquanto os principais torneios ao redor do mundo aquecem, voltemos ainda ao ano anterior, para destacar mais uma vez o mundial sub-17, realizado em julho passado. Depois de um resumo com os principais destaques da competição, chegada a hora de complementar a análise.
O Mundial manteve intacta a geopolítica do basquete feminino, coroando as escolas com bom trabalho de base. As trocas de posição de um torneio para outro ocorreram dentro de blocos muito bem definidos, sem nenhuma grande surpresa nesse mundial. Com raríssimas exceções, confrontos entre seleções de blocos distintos terminaram com diferenças altas a favor das tradicionais Estados Unidos, Canadá, Espanha, França, Austrália e Japão (bloco de cima). Se isso prejudica o equilíbrio, por outro facilita acompanhar um torneio longo, com muitas partidas.
O quinteto ideal da competição (Jerzy Robinson/EUA, Agot Makeer/Canadá, Ainhoa Risacher/França, McKenna Woliczo/EUA e Sara Okeke/Espanha) foi escolhido seguindo os critérios usuais da federação internacional (Fiba), pinçando das seleções semi-finalistas as maiores promessas. Num torneio com menos brilho que edições passadas, o quinteto refletiu mais o ranking de forças do que propriamente os principais prospectos. Assim, convem montar um quinteto alternativo, o ‘lado B’ do Mundial, aproveitando a diversidade e a dispersão dos participantes. Mesclei, como critério, as estatísticas pessoais com o famigerado (e incontornável) teste de olho.
Senti falta de uma armadora de ofício no quinteto ideal, vez que tanto Robinson quanto Makeer são mais finalizadoras que organizadoras. Sem dúvida, nessa função a melhor da competição foi a espanhola Gina Garcia; mas, para aprofundar o garimpo de talentos e distribuir as escolhas, optei por uma armadora japonesa. Qualquer uma das duas principais mereceria, seja a titular Nanano Hamada, seja a reserva (iniciava no banco apesar de ser a terceira em minutagem do Japão) Sara Yamada. Virou tradição seleções japonesas, em um esporte dominado pela altura, alcançarem resultados surpreendentes comandadas por suas armadoras baixas e velozes.
No sub 17, não foi diferente. Elas comandaram as ações do time, nos dois lados da quadra, abusando da excelente leitura de jogo e do requinte nos passes. Na defesa, normalmente são elas as primeiras a dobrar no garrafão, exigindo atenção na recuperação e velocidade para cobrir amplos espaços da quadra. No ataque, apesar das características comuns e da liderança no comando, devemos atentar para as diferenças entre ambas: Hamada com liberdade para arremessar (segunda em tal quesito na seleção, com 5,4 chutes de três por jogo e promissores 34,2% de aproveitamento), enquanto Yamada privilegia o passe (absurdas 5,1 assistências para míseros 1,1 turnover por jogo). A continuidade do estilo japonês está em boas mãos para a próxima década, com novos protótipos.
Acompanhando no perímetro, uma escolha oriunda das vice campeãs. Makeer possui o maior teto de desenvolvimento, justificativa para sua escolha no quinteto oficial; Savannah Swords esteve lado a lado com Makeer no protagonismo do Canadá, esbanjando habilidade para cavar seus arremessos e chegar à linha de lance livre. A proliferação de talento no Canadá fez com que a ala/wing Deniya Prawl ficasse obscurecida; não se engane, ela foi tão essencial no sucesso canadense quanto a dupla de estrelas. Muitas vezes, a maior responsabilidade defensiva recaía sobre ela (liderou a seleção em rebotes e assistências), assim como em diversas situações de aperto, o desafogo perto do estouro do cronômetro veio de suas mãos.
Talvez isso tenha impactado no baixo aproveitamento de três (19%), compensado por bons 47,4% nos arremessos de dois pontos. Sem o mesmo holofote de suas companheiras, ela não deixou de produzir, com destaque para os arremessos de média distância, produzidos a partir de drible e bloqueios diretos. Com certeza suas atuações causaram frisson em algumas universidades grandes dos Estados Unidos.
Sua parceira no perímetro, como ala/wing, é a croata Lena Bilic, prospecto de primeira prateleira apagada pela campanha croata (9ª posição). Com 17 anos, 1,90 de altura e boa movimentação, a ala carregou muito mais responsabilidade do que deveria; seu perfil sinaliza uma futura excelente small forward; nessa seleção croata, descalibrada por duas excelentes protagonistas e o restante bem abaixo delas, Bilic incumbiu-se de armar a seleção, função na qual saiu-se bem. Ela comandou muito bem jogo de dupla em pick na roll. Não foi raro ela iniciar as jogadas e finalizá-las, quando não conseguia acionar a pivô. Bilic monopolizou a bola, estratégia sem a qual a Croácia sequer tivesse chegada à honrosa nona colocação.
O tamanho de seu fardo explica as estatísticas pouco condizentes com seu talento; em um cenário de mais coesão de elenco, ela ficaria menos com a bola em mãos e reduziria seus desperdícios (4 por jogo, contra 3,7 assistências). Impossível não selecionar sua companheira de seleção, a pivô Olivia Vukosa – a mais eficiente da competição (29), por larga vantagem. Raras vezes ela não se estabelecia no garrafão, onde jogou com liberdade e espaçamento de suas companheiras. Incansável na luta por posição, Vukosa demonstrou muito potencial jogando próxima ao aro, com giros, jogo de pés e força para finalizar. Segunda cestinha do campeonato, ela ainda foi a principal reboteira (15,6 por jogo). Seus números falam por si, sem deixar que nossa imaginação voe e vislumbre como seria seu desempenho em um contexto menos exigente. De qualquer maneira, a Croácia possui uma dupla ao redor da qual pode construir uma seleção adulta bem afinada: a seleção não venceu a França, nas oitavas de final (fase que separa os participantes em dois blocos, do 1 ao 8º e do 9 ao 16º), por muito pouco mesmo com poucas alternativas no elenco.
Fecha meu quinteto alternativo a power forward francesa Justine Loubens. Sua compatriota Risacher configura, a meu ver, o principal equívoco no quinteto ideal, escolhida talvez pela possível linha de desenvolvimento e pelos dotes físicos atléticos e envergadura. Se a escolha fosse pela jogadora mais estável da seleção, Loubens figuraria na lista. Ela não possui um biótipo impressionante, com 1,86 e mobilidade razoável, características compensadas com inteligência. Loubens executa bem todas as funções de ligação, essenciais para uma equipe vencer. Em uma geração francesa abaixo das anteriores, Loubens garantiu um lugar de destaque; o técnico Arnaud Guppillotte abusou da versatilidade de Loubens, ora deixando-a no perímetro (com excelentes 52% da linha de três), ora aproximando-a do aro, mais embaixo. Verdadeiro canivete suíço, essencial para a campanha francesa.
Escolhido o quinteto alternativo, faltou a parte de baixo da tabela, desconsiderada por conta das largas derrotas. A mexicana Sofia Acuña liderou o torneio em assistências (média de 6,7); a pivô finlandesa Nicole Ogun representa a ascensão do basquete finlandês, sendo a protagonista da seleção no mundial; a neo-zelandesa Bailey Flavell destacou-se. A Austrália mostrou um conjunto muito equilibrado, com fisicalidade e fundamentos de sobra, mas faltou aquela estrela individual capaz de alavancar o conjunto (fichas apostadas em Madison Ryan, segunda em minutagem da seleção, mesmo sendo a mais nova do elenco e disputando contra adversárias dois anos mais velhas).