“Uma luta entre Irmãos”: Alemanha Oriental vs Ocidental no Mundial de 1974
A partida entre a Alemanha Ocidental e a Alemanha Oriental, durante a fase de grupos da Copa do Mundo de 1974, foi um momento histórico e simbólico. O confronto, conhecido como “Ein Kampf zwischen Brüdern”, ou “uma luta entre irmãos”, ocorreu em meio à divisão de 41 anos entre a Alemanha capitalista do Oeste e a Alemanha comunista do Leste, no auge das tensões da Guerra Fria. Esta partida foi a única vez em que os dois países, separados pela ideologia e por um muro físico, enfrentaram-se numa competição internacional.
Nos anos 1950 e 60, mesmo em meio à tensão crescente, alguns clubes de ambos os lados chegaram a disputar alguns jogos particulares. No entanto, as oportunidades de contato no futebol foram diminuindo com o escalar das tensões da Guerra Fria. O sorteio do Mundial de 1974 trouxe uma chance inesperada de uma “reunificação” temporária no campo, quando as duas seleções foram colocadas no mesmo grupo, junto com Chile e Austrália.
Enquanto a Alemanha Ocidental, anfitriã do torneio, entrou automaticamente na fase final, a Alemanha Oriental teve que enfrentar um grupo com Romênia, Finlândia e Albânia para se classificar. A presença das duas Alemanhas no mesmo grupo gerou enorme expectativa, especialmente para o jogo que fechava a fase de grupos, marcado para o dia 22 de junho de 1974, em Hamburgo.
Ambas as seleções iniciaram bem o torneio. A Alemanha Ocidental venceu o Chile por 1 a 0, enquanto a Alemanha Oriental derrotou a Austrália por 2 a 0. Na segunda jornada, a Alemanha Ocidental venceu a Austrália com facilidade por 3 a 0, e a Alemanha Oriental empatou com o Chile em 1 a 1, mantendo-se as duas equipas invictas. Com Chile e Austrália já eliminados, o confronto entre as Alemanhas definiria o vencedor do grupo.
A partida foi marcada por um intenso simbolismo. Não era apenas uma competição desportiva, mas uma disputa que carregava o peso político de dois sistemas opostos. No entanto, ao contrário de um confronto carregado de rivalidade nacionalista, o jogo não foi visto como uma disputa de inimigos, mas de irmãos separados por uma barreira política.
O favoritismo estava claramente com a Alemanha Ocidental. Era a atual campeã europeia e tinha no elenco jogadores de destaque mundial, como Franz Beckenbauer e Gerd Müller. A confiança na vitória era tão grande que a preparação parecia mais uma formalidade para a equipe do técnico Helmut Schön, que, curiosamente, nascera na Alemanha Oriental e fugira para o Oeste. Quando a partida começou, a tensão era palpável. Apesar da expectativa, o primeiro tempo foi monótono, com poucas chances claras de gol para ambos os lados. A Alemanha Ocidental dominou a posse de bola, mas não conseguiu converter suas oportunidades. A Alemanha Oriental, por sua vez, teve uma chance clara com o atacante Hans-Jürgen Kreische, que, sozinho na área, desperdiçou uma oportunidade de ouro.
No segundo tempo, a dinâmica mudou pouco até os 77 minutos, quando a Alemanha Oriental encontrou o golo que definiria o resultado. Jürgen Sparwasser, após um passe de Erich Hamann, avançou pela defesa ocidental, superando Beckenbauer e chutando forte em direção à baliza, fazendo assim o golo que carimbou o histórico resultado de 1 a 0. A bancada do sector visitante explodiu em celebração, com o pequeno grupo de alemães que foram permitidos a viajar da parte oriental comemorando efusivamente. A vitória da Alemanha Oriental foi um triunfo inesperado e de grande valor simbólico, celebrada pelo regime comunista como uma vitória do socialismo sobre o capitalismo. No entanto, o significado real para o povo oriental foi bem menos entusiástico. A vitória não trouxe mudanças significativas, nem mesmo para os jogadores. Sparwasser, o autor do golo, relatou mais tarde que, ao contrário dos boatos, não recebeu prêmios significativos por seu feito. Anos depois, ele desertou para o Ocidente, evidenciando a dura realidade vivida no Leste.
No campo desportivo, a vitória oriental teve impacto limitado. A Alemanha Oriental foi eliminada na fase seguinte ao enfrentar adversários como Holanda e Brasil. Já a Alemanha Ocidental seguiu para a fase final, vencendo todos os jogos e conquistando o título de campeã mundial, superando a equipe de Johan Cruyff na final. Se a Alemanha Oriental venceu a batalha, a Alemanha Ocidental venceu a guerra. O jogo de 1974 entre as Alemanhas ficou marcado como um dos maiores eventos desportivos da Guerra Fria, simbolizando a divisão e as contradições da época. Com a queda do Muro de Berlim em 1989 e a reunificação alemã em 1990, ficava dada como encerrada a “Kampf zwischen Brüdern” (“luta entre entre Irmãos”) com a reunificação de uma nação que, por tanto tempo, foi dividida por linhas políticas e ideológicas.