Um golo que deixou a província de Córdoba em polvorosa

João FreitasJulho 2, 20203min0

Um golo que deixou a província de Córdoba em polvorosa

João FreitasJulho 2, 20203min0
Um golo especial que marcou um momento político na Argentina... Mauro Amato é relembrado pelo seu acto e feito no passado ano de 1999

“Aguanten las Madres” foi desta forma que Mauro Amato (avançado do Club Atlético Tucumán) celebrou o seu golo frente ao Godoy Cruz. O Atlético Tucumán venceu por 3-1, a 7 de outubro de 1999. Nessa altura, o governador da província de Tucumán era Domingo Antonio Bussi – que fora um importante membro da Ditadura Argentina e chegou a ser julgado e condenado por crimes de lesa humanidade -, numa Argentina que atravessava uma das suas maiores crises políticas e económicas (o período de Governação de Fernando de la Rúa, marcado pelo agravamento das condições económicas e um desemprego galopante, este período terminaria em Dezembro de 2001 com o “Argentinazo”, onde a palavra de ordem foi “Que se vayan todos!”).

Quanto às homenageadas por Amato, as Mães da Praça de Maio foram um grupo de mulheres que se começaram a reunir na Praça de Maio (Buenos Aires) para reclamar informações do paradeiro seus filhos/netos desaparecidos durante a ditadura Argentina. Numa verdadeira compreensão da importância que a batalha pela memória (e pela história) desempenha na construção da democracia, até aos dias de hoje, as Mães continuam a se apresentar todas as quintas feiras na Praça. Como denota a filósofa argentina Maria Inés Mudrovcic, “muitas das mães já sabem o triste destino que seus filhos conheceram, mas compreendem perfeitamente que é importante lembrar a sociedade daquilo que ela se quer esquecer”.

Foi precisamente estas corajosas mulheres que Mauro Amato quis homenagear. Conforme ele confessou numa entrevista: “sentia-me protegido no campo, mas sabia o impacto que ia ter na sociedade”. A verdade é que, segundo o jornalista Francisco Clavenzani, a fotografia não foi repercutida em nenhum meio de comunicação hegemônico e muito menos nos diários dessa província do noroeste argentino.

Mauro Amato era um ponta de lança que deixou a sua marca no futebol argentino, começou a sua carreira no Estudiantes, tendo deixado a sua marca no Club Atletico Tucuman, Instituto Cordoba, San Martin e no Banfield. Numa entrevista em 2017 ao jornal Tiempo, Mauro confessou que o seu gesto foi algo “para despertar consciência social. [Que como jogador de futebol] estava num local privilegiado para chegar a muita gente, especialmente quando se está bem e a fazer muitos golos”. Descreveu ainda o clima que se viveu nesse período em Tucuman, sob a direção de Bussi, como tenso e de algum receio por retaliações a qualquer tipo de manifestação política.

Mas isso não impediu Mauro de continuar a celebrar golos e ao mesmo tempo alertar a sociedade de problemas que enfrentava, como quando mostrou a mensagem: “No se olviden de Cabezas!” (Não se esqueçam do Cabezas). José Luis Cabezas era um jornalista argentino que foi assassinado em circunstâncias misteriosas em 1997, após investigar o magnata dos Correo OCA, envolvido com o tráfico de armas e lavagem de dinheiro. O corpo de cabezas apareceu torturado, algemado e baleado num fundo de um poço.

Mauro sempre foi um jogador, nas suas palavras, “por um lado consciente, por outro inconsciente”. Mas que fica feliz por ter feito muitos golos e, ao mesmo tempo, despertar interesse social para assuntos importantes da política e sociedade argentina. Atualmente, vive com a sua esposa numa zona rural onde fabricam e vendem artesanato.


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